Helena Mader
postado em 04/03/2010 08:00
;Olha a melancia, olha o abacaxi;. Os gritos para atrair a clientela saem das dezenas de barracas de fruta. Ao lado, um ambulante oferece óculos de sol e DVDs piratas. Na barraca da frente, é possível comprar queijos, doces e marmitas de comida. A descrição lembra uma feira livre, mas estamos no principal cartão-postal de Brasília: a Esplanada dos Ministérios. Dois anos depois da retirada de camelôs da área central da cidade, os ambulantes voltaram a ocupar as margens do Eixo Monumental. O comércio irregular altera a paisagem da Esplanada, representa uma agressão ao tombamento da capital e interfere na escala monumental (1) idealizada pelo urbanista Lucio Costa. A Agência de Fiscalização (Agefis) garante que vai organizar uma operação para acabar com a proliferação de barracas no local.Ontem, o Correio flagrou 39 ambulantes na região da Esplanada. A concentração é maior nos edifícios que ficam alinhados à Catedral. Entre o Ministério da Cultura e o prédio que abriga as pastas do Planejamento e do Desenvolvimento Social há 10 pontos de venda dos mais variados produtos. Um vendedor de livros religiosos montou uma estrutura de ferro para expor o material. Vizinho a essa banca, um senhor usa um microfone e uma caixa de som para anunciar facas feitas de cerâmica. ;Pode testar, venha ver de perto como funciona;, dizia ele aos servidores públicos e aos pedestres que passavam pelo local na manhã de ontem.
No ministério vizinho, o de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, está a maior quantidade de vendedores irregulares. Ao todo, 13 ambulantes trabalham próximo ao edifício. Uma senhora vende bijuterias, que são expostas em uma estrutura de metal forrada com uma camada de veludo. Sobre um pedaço de madeira, um comerciante expõe dezenas de títulos de CDs e DVDs piratas. Muitos funcionários públicos com crachá pendurado ao pescoço param para comprar a mercadoria.
Anonimato
Os ambulantes que trabalham na Esplanada têm receio de dar entrevistas. A maioria prefere o anonimato com receio de eventuais punições. Eliane Maria Ribeiro, 45 anos, aceitou conversar com a reportagem. A moradora de Ceilândia cria três filhos e dois netos com o dinheiro que arrecada com a venda de doces e biscoitos. Ela diz que não gosta de ficar na ilegalidade. ;A gente sabe que esse trabalho é ilegal. Mas o que você quer que eu faça? Não tenho emprego e preciso me virar;, justifica. ;Nossa vida é difícil. Às vezes, os fiscais passam e levam todos os produtos. Já vi gente da fiscalização jogar comida de marmitex no chão. É um absurdo;, reclama Eliane, que trabalha em frente ao Ministério da Agricultura.
Outro vendedor, que se identificou apenas como Cleiton, disse não temer os fiscais. Com seu carrinho de balas e refrigerantes, ele garante já ter uma clientela fiel nos ministérios. ;Nunca tive problema de levarem os meus produtos, não. Fico aqui tranquilo, vendo as minhas coisas e consigo tirar o suficiente para me sustentar;, revelou.
O comércio ilegal e o vaivém de ambulantes na Esplanada dividem opiniões entre os servidores públicos. Muitos gostam da presença dos vendedores, já que ali eles garantem o lanche da tarde e a compra de alguns produtos. Mas alguns reclamam do comércio irregular e dizem temer o crescimento exagerado de barracas na região.
Servidor do Ministério da Saúde, Wilame Rodrigues Lima, 56 anos, é contra as chamadas ;feiras; da Esplanada. ;Evito comprar coisas com os ambulantes porque isso é ilegal. Essas pessoas não pagam imposto, ou seja, esse comércio não vai beneficiar a sociedade;, explica Wilame. ;Além disso, se não tomarem uma atitude rapidamente, daqui a pouco isso daqui vai virar um verdadeiro camelódromo;, acrescenta.
Já o funcionário do Ministério da Agricultura José do Navegante não se incomoda com a circulação de ambulantes na região. Ele diz que alguns produtos oferecidos são importantes para os servidores e prestadores de serviço que têm salários mais baixos. ;Os almoços servidos na marmitex, por exemplo, são essenciais. Muita gente não tem dinheiro para comer nos restaurantes da Esplanada. O pessoal da limpeza, os vigilantes, todos comem o almoço vendido pelos ambulantes;, afirma Navegante. Cada marmita de comida custa, em média, R$ 5.
1 - Eixo do poder
O projeto urbanístico de Lucio Costa para o Plano Piloto tem como base quatro escalas. A primeira delas é a residencial, representada pelas superquadras. A escala gregária tem como base as áreas de encontro, de diversão e de serviços. Já a escala bucólica pode ser observada na extensão de áreas verdes, parques e jardins. A escala monumental representa o eixo do poder, com as áreas destinadas a prédios públicos, como ministérios e o Congresso Nacional.
; Cobrança frequente
Até 2008, a paisagem da área central de Brasília era marcada por camelôs e vendedores ambulantes. O comércio ilegal se espalhou pelos setores comerciais e bancários Sul e Norte. Mas a maior concentração de barracas era na região do antigo Gran Circular, ao lado da Rodoviária do Plano Piloto. O Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Federação do Comércio do DF pressionaram o GDF pela remoção dos comerciantes ilegais. Mas, diante das reclamações dos ambulantes, o governo postergou a retirada até a conclusão da obra do Shopping Popular, ao lado da Rodoferroviária. De lá para cá, o comércio irregular voltou às ruas da área central.
O superintendente do Iphan, Alfredo Gastal, conta que já denunciou a situação à Agência de Fiscalização do GDF e critica a morosidade do governo em combater a multiplicação dos ambulantes. ;Nós estamos pressionando para que haja uma solução para esse tipo de problema. O Iphan está preocupado com o que pode acontecer na cidade diante dessa crise política. Brasília está praticamente sem governo;, critica Gastal.
A Agefis garante que faz operações diariamente na Esplanada. Mas o diretor de Operações de Fiscalização, Cláudio Caixeta, conta que o alvo preferencial são os vendedores de produtos piratas, como CDs e DVDs. ;No caso de barracas com estrutura fixa e quando há concentração grande de ambulantes, é preciso planejar as operações e mobilizar policiais militares, já que pode haver reações e resistência. Esse planejamento fiscal está sendo feito;, garante Caixeta.