Helena Mader
postado em 05/03/2010 09:25
Brasília foi a primeira cidade moderna classificada como Patrimônio da Humanidade. O título, concedido em 1987, deveria servir como uma garantia de preservação do projeto urbanístico de Lucio Costa. Mais de duas décadas depois, o tombamento da capital federal trouxe prestígio internacional à cidade, mas não foi suficiente para proteger o Plano Piloto de abusos, como invasões de áreas públicas e expansões urbanas ilegais. Outros problemas como a multiplicação de ambulantes pela Esplanada dos Ministérios ; mostrada na edição de ontem do Correio ; representam uma agressão aos ideais de Lucio Costa e colocam em risco o título de Brasília como Patrimônio da Humanidade.Ontem, a reportagem voltou ao camelódromo da Esplanada e constatou que pouca coisa mudou. À tarde, a quantidade de vendedores irregulares era praticamente a mesma (39, no total). A Agência de Fiscalização do GDF promete organizar uma operação de fiscalização para desobstruir as áreas às margens do Eixo Monumental.
Daqui a quatro meses, a capital vai se transformar no centro das atenções entre os especialistas em tombamento. Será realizada aqui a reunião anual do Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Durante o encontro, que reúne representantes dos 21 países eleitos do Comitê, são avaliadas as propostas para novas inscrições na lista de patrimônio mundial. Mas os especialistas também discutem relatórios com o estado de conservação de algumas cidades ou lugares que detêm esse título.
A expectativa é que a situação de Brasília seja debatida durante a reunião. Diante das agressões em série ao tombamento, a capital corre o risco de receber sanções do Comitê e, em última instância, pode até mesmo perder o título de Patrimônio Mundial. Até hoje, apenas dois agraciados com a classificação foram excluídos da lista da Unesco (veja Para saber mais). Especialistas ouvidos pela reportagem não acreditam que a capital federal corra riscos de ser banida do grupo seleto de cidades e sítios protegidos. Mas eles apostam que o Comitê deverá fazer uma série de recomendações para que Brasília continue a fazer parte da lista da organização.
Análise
Em 2007, o governo brasileiro propôs ao Comitê do Patrimônio Mundial que a reunião deste ano fosse realizada na capital do país. A ideia era celebrar o cinquentenário da cidade ; proposta que foi acatada pelos representantes da entidade. A coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil, Jurema Machado, afirma que a situação de Brasília deve entrar na pauta da reunião. ;Isso não se deve ao fato de o encontro ser realizado na cidade;, esclarece. ;No ano passado, o Icomos (1)(Conselho Internacional de Monumentos e Sítios) enviou relatório ao Centro de Patrimônio Mundial, pedindo uma análise sobre o caso de Brasília. Nessas situações, o centro procura o governo do país em questão para pedir um detalhamento sobre a situação;, destaca Jurema.
Ao todo, há 890 lugares classificados como Patrimônio Mundial. A cada reunião, os representantes do Comitê discutem o estado de preservação de cerca de 20 cidades, além de apreciar os pedidos de inclusão de novas localidades. ;O Comitê do Patrimônio Mundial não faz vistorias, só recebe as recomendações e depois delibera sobre o assunto;, explica Jurema Machado.
A presidente do Icomos Brasil, Rosina Parchen, conta que a preocupação com relação ao estado de conservação de Brasília surgiu em 2008, durante uma reunião internacional da entidade, realizada em Foz do Iguaçu (PR). ;Depois da aprovação da moção, comunicamos o Centro do Patrimônio Mundial sobre o problema da deturpação do plano urbanístico do Lucio Costa, que foi justamente o que deu o título de patrimônio a Brasília;, destaca Rosina. ;Também mandamos cartas aos deputados federais da cidade e a representantes do governo, pedindo informações sobre o problema;, acrescenta.
Entre as irregularidades graves detectadas na capital estão as invasões de espaço público na área central, como os puxadinhos das asas Sul e Norte, a criação de estacionamentos em áreas verdes ; o que fere a escala bucólica ; e a construção de coberturas nos prédios, que caracteriza a criação do sétimo andar. Pelo plano de Lucio Costa, as áreas residenciais da zona tombada devem ter, no máximo, seis pavimentos. ;Se o governo de Brasília não seguir as recomendações, a cidade corre o risco de perder o título;, alerta Rosina Parchen.
O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Alfredo Gastal, não acredita que a cidade possa ser excluída da lista da Unesco. ;Mas, com certeza, vai levar um puxão de orelhas;, garante Gastal. ;Estamos pressionando, mas não acredito que os problemas da cidade serão resolvidos até a reunião do Comitê;, lamenta. O encontro será realizado entre 24 de julho e 3 de agosto, no hotel Golden Tulip, próximo ao Palácio da Alvorada.
1 - Radiografia
O Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (cuja sigla vem do nome em inglês ; International Council on Monuments and Sites) é uma entidade ligada à Unesco. Os especialistas do Icomos são responsáveis pela elaboração de relatórios e pelo aconselhamento dos integrantes do Centro de Patrimônio Mundial. A representação do conselho no Brasil, criada em 1978, foi a responsável pela elaboração da radiografia da situação de Brasília.
Parâmetros à ocupação
Além de intensificar as operações de fiscalização na zona central da cidade, o governo aposta em outra estratégia para proteger a região tombada pela Unesco. A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seduma) vai concluir, até outubro, o Plano de Preservação da Área Tombada. Projeto de lei a ser enviado à Câmara Legislativa vai estabelecer com detalhes os parâmetros de uso e ocupação do solo na área tombada.
O trabalho começou em maio do ano passado, com a contratação de uma empresa encarregada de fazer o trabalho técnico. Foi realizado um levantamento das plantas de toda a zona protegida pela Unesco, por meio de georreferenciamento. Com esse trabalho, cada lote já aparece com as normas de ocupação referentes ao imóvel ; assim, ficará mais fácil e rápido conferir se uma determinada construção está de acordo com a lei.
A partir deste mês, a Seduma vai fazer reuniões com a comunidade para discutir a elaboração do Plano de Preservação e, nesses encontros, vai colher sugestões para o projeto de lei (veja agenda abaixo). ;Essas reuniões também têm caráter educativo, para informar a população sobre o que é o patrimônio tombado e a importância do título para a cidade. Depois dessas reuniões plenárias, serão feitas audiências públicas;, explica a subsecretária de Planejamento Urbano da Seduma, Rejane Jung.
A lei, quando aprovada, vai funcionar como um Plano Diretor Local da área tombada. Para a subsecretária, esse instrumento será importante para acabar com os abusos. ;O plano vai dar mais clareza. Hoje, temos normas muito antigas que, muitas vezes, não são claras com relação aos usos. Vai facilitar a atuação do poder público e ajudar até mesmo no esclarecimento da sociedade;, finaliza Rejane Jung. Fazem parte da área tombada as asas Sul e Norte, a zona central de Brasília, a Candangolândia, o Sudoeste e a Octogonal. (HM)
Para saber mais
Até hoje, apenas dois lugares foram excluídos da lista de Patrimônio Mundial da Humanidade da Unesco. No ano passado, o Vale do Rio Elba, em Dresden (Alemanha), perdeu o título durante a reunião do Comitê, realizada em Sevilha, na Espanha. A exclusão aconteceu por causa da construção de uma ponte chamada Waldschl;sschen, com quatro faixas de rolamento. Para a Unesco, essa obra alterou a paisagem da região. Dresden havia sido declarada Patrimônio Mundial em 2004.
Em 2007, o local retirado da lista foi o Santuário dos Orix da Arábia, em Omã. O Comitê do Patrimônio Mundial tomou a decisão depois que o país anunciou uma redução de 90% da área da reserva. Isso foi condenado pela Unesco, que optou por excluir a unidade ecológica da lista do patrimônio. O local abriga o Orix da Arábia, espécie que é ameaçada de extinção. Também influiu na decisão os planos de Omã de fazer perfurações petrolíferas na região, antes tombada. (HM)
Fique atento
A população pode participar da elaboração do Plano de Preservação da Área Tombada. Os primeiros encontros acontecem a partir da próxima quarta-feira. Confira os locais e horários dessas reuniões:
10/3 ; Asas Norte e Sul, às 19h, no Museu Nacional de Brasília
11/3 ; Sudoeste / Octogonal, às 19h, no auditório do Colégio Ciman (AOS 1/4)
12/3 ; Cruzeiro, às 19h, Biblioteca do Cruzeiro (Área Especial ;A;)
13/3 ; Candangolândia, às 8h30, na sala de reuniões da Administração Regional da cidade
13/3 ; Área Central do Plano Piloto, às 14h30, no auditório do Crea (SGAS 901, Lote 72)