Cidades

Em meio à discussão sobre cotas raciais no STF, frentista conquista vaga no curso de ciências biológicas

postado em 06/03/2010 08:13
Quando saiu da casa dos pais, há quase 10 anos, o frentista Agnelo Rodrigues de Souza tinha apenas um sonho: estudar. Morador da área rural de São Francisco, interior de Minas Gerais, não pôde continuar os estudos porque a escola ficava a 10km de casa e ele e os irmãos precisavam ajudar o pai no trabalho da roça. Aos 26 anos, depois de muito esforço e dedicação, ele finalmente viu a oportunidade de multiplicar seus sonhos e imaginar um futuro melhor. Conquistou uma vaga no curso de ciências biológicas da Universidade de Brasília e começa o curso superior nesta segunda-feira.

Agnelo diz que tem muitos sonhos, entre todos eles o de conseguir um trabalho para dar conforto à família;Não foi fácil, mas o que me motivava era saber que um dia ia surgir uma coisa melhor pra mim se eu continuasse estudando;, diz Agnelo. E ele realmente precisou de muita motivação. Ao chegar em Brasília, onde veio morar com um irmão mais velho, o jovem foi obrigado a arranjar logo um emprego e teve que adiar o sonho de voltar a estudar.

Quando conseguiu um emprego de ajudante de pedreiro, ele resolveu tentar conciliar os estudos com o trabalho. Saía da obra e de noite ia para o colégio. Em dois anos, concluiu o ensino fundamental e o médio. Ficou feliz, mas queria mais. Começou a fazer cursinho em uma instituição particular, mas logo o dinheiro faltou e precisou parar. ;Continuei estudando sozinho. O posto onde trabalho tinha assinatura do Correio Braziliense. Eu pegava um antigo caderno de educação, o Gabarito, e resolvia toda semana os simulados que saíam;, conta.

;Foi um período muito difícil, ficava cansado. Tinha até gente que me desanimava dizendo que a UnB era só para playboy. Mas eu pensava que esses empregos que a gente arranja não são bons e queria arrumar uma coisa melhor pra minha vida;, justifica.

Resistência

Mas se, por um lado, tinha que lidar com a resistência de algumas pessoas, por outro, contava com o apoio dos irmãos mais novos, que trouxe de Minas Gerais para que pudessem estudar. ;Eu comprei um lote no Itapoã e fiquei livre do aluguel. Aí pude trazê-los para morar comigo. Dois estão fazendo o ensino médio e uma já está na faculdade, com bolsa do Prouni;, conta. Os quatro costumam estudar juntos e tirar dúvidas uns dos outros. Agnelo faz questão de dividir sua experiência com os irmãos ; ele prestou cinco vestibulares antes de conseguir ser aprovado ; e tem certeza de que sua conquista serve para motivá-los.

;Eles veem que qualquer um que se esforçar mesmo e dedicar tempo da sua vida nisso, consegue. Até os colegas do posto já falaram que estão com vontade de voltar a estudar;, diz o jovem, que abriu mão de momentos de descanso e de diversão para conquistar seu objetivo. Apesar da convicção, Agnelo confessa que, quando se inscreveu no vestibular da UnB pelo sistema de cotas para o curso de ciências biológicas, não acreditava que fosse conseguir ser aprovado desta vez.

As aulas ainda não começaram, mas o frentista já faz planos para quando se formar. ;Quero trabalhar na área de pesquisa ou então penso em fazer um concurso para ser perito da Polícia Civil. Eu sonho com muitas coisas;, revela. O objetivo final é morar em um lugar melhor com os irmãos e não deixar que falte óleo, sabão ou comida na casa de seus pais, como viu acontecer tantas vezes. O estudante, no entanto, sabe que não será fácil. ;Estou até com medo. Fui à UnB fazer a matrícula e vi um monte de alunos reclamando, gente se formando e ainda devendo matéria. Sei que vou ter que estudar mesmo, não vou brincar não.;

Porém ainda é hora de curtir a conquista neste fim de semana. ;Era muita pressão. Só minha mesmo, porque minha mãe sabia que eu estava tentando, mas, para ela, com aquela vidinha lá na roça, isso não é tão importante assim. E meu pai, acho que nem sabe o que é isso. Mas foi muito bom ver meu nome na lista, tirei um peso das minhas costas;, comemora.

Calouros por cidades

1) Plano Piloto/Cruzeiro - 126
2) Taguatinga - 57
3) Planaltina - 41
4) Ceilândia - 37
5) Gama - 34
6) Sobradinho - 26
7) Samambaia - 15
8) Guará - 14
9) Santa Maria - 13
10) Brazlândia - 10
11) Núcleo Bandeirante - 9
12) Recanto das Emas - 6
13) São Sebastião - 5
14) Paranoá - 0
Total - 393

; 393 da rede pública
Camila de Magalhães

Na próxima segunda-feira, cerca de 31,5 mil estudantes começam o semestre letivo na Universidade de Brasília (UnB). São pouco mais de 3,7 mil calouros. Dentre os aprovados no PAS e no vestibular, 393 são alunos de escolas da rede pública do Distrito Federal, o equivalente a 10,4% das vagas. O campeão de aprovações foi o Centro de Ensino Médio Setor Oeste, com 32 calouros. Em segundo lugar, ficou o CEM Setor Leste, que emplacou 26 alunos na UnB. A terceira posição ficou para o CEM Elefante Branco, com 22. A Diretoria Regional de Ensino do Plano Piloto teve o maior número de aprovados: 126, no total. Na sequência, vêm a regional de Taguatinga (57) e a de Planaltina (41). A única sem aprovados foi a do Paranoá. O levantamento é da Secretaria de Educação e do Correio.

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