postado em 11/03/2010 08:35
Nos últimos nove anos, o Governo do Distrito Federal (GDF) nunca comprometeu tanto a sua receita com o pagamento de funcionários públicos e comissionados. Em 2009, foram gastos com as despesas de pessoal 43,35% dos R$ 10,254 bilhões arrecadados pela Secretaria de Fazenda. Contratações e reajustes salariais ajudaram a empurrar para próximo da linha do limite a relação das contas do Executivo local com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Se o inchaço da máquina pública continuar como tendência esse ano, o governo corre o sério risco de ficar no vermelho e ser proibido de fazer novas admissões, aumentos e empréstimos.Desde que o deputado Wilson Lima (PR) tornou-se governador interino do DF há 15 dias, as pressões para aumento de servidores cresceram e mesmo as categorias com acordos já negociados recomeçaram as movimentações para conseguir melhores propostas do Palácio do Buriti. Representantes das mais variadas atividades ; Corpo de Bombeiros, policiais civis e militares, procuradores e defensores públicos, entre outros ; já visitaram Wilson Lima no gabinete onde despacha, no 11; andar do anexo do Buriti. As negociações sempre são apresentadas com a justificativa de ;apoio à governabilidade; do novo chefe do Executivo.
Há pedidos de reajuste salarial que alcançam o percentual de 120%, como o caso dos servidores do Metrô-DF. A reivindicação feita pelo Sindicato dos Delegados de Polícia (Sindepo) varia de 35% a 45%. Categorias mais ponderadas pedem melhorias que giram em torno de 6%. Independentemente do índice de reajuste, a resposta do governador interino para os pedidos, na maioria das vezes, é otimista para tentar, ao menos, estudar a demanda pleiteada. ;O governo está de portas abertas. Estamos recebendo as pessoas para ouvir as necessidades delas. O que vai ser cumprindo ou não vai depender da Lei de Responsabilidade Fiscal e dos órgãos que têm que aprovar a proposta;, argumentou o secretario da Fazenda, André Clemente.
Professores
Há dois dias, a Câmara Legislativa aprovou, por unanimidade, duas propostas de reajuste salarial vindas do GDF. Dentistas da rede pública receberão 18,8%, distribuídos em duas parcelas. O índice trabalhado em negociações anteriores com o governo era de 6 a 7%. Servidores do Departamento de Trânsito do DF (Detran) também conquistaram aumento de 6%, mas o pagamento será em parcela única. Na primeira semana da gestão Wilson Lima, os 44 mil professores ativos e inativos receberam um reajuste de 10,4% no contracheque.
De acordo com André Clemente, os reajustes aprovados serão sancionados pelo governador interino porque faziam parte do Orçamento de 2010. Na semana que vem, a Secretaria de Fazenda fecha a despesa de pessoal prevista para este ano com as novas demandas. A LRF dá prazo legal até 3 de abril para autorizar o gasto. O valor programado para gasto com pessoal, até agora, é de R$ 6,133 bilhões da receita líquida corrente.
Se depender do que estabelece a LRF, as novas promessas de aumento têm chances de ficarem só no discurso. A lei prevê como limite prudencial o gasto de até 46,55% da receita corrente líquida. O limite máximo é de 49%. Caso ultrapasse isso, o governo fica impedindo de pegar empréstimo internacional, fazer convênios com a União, o governador pode responder criminalmente e, se for culpado, perder os direitos políticos. Projeções feitas pela Secretaria de Planejamento, às quais o Correio teve acesso, mostram que os gastos com pessoal podem chegar a 48% neste ano. A hipótese é levantada no seguinte cenário: caso a União pague o deficit de R$ 800 milhões do Fundo Constitucional do DF, prática considerada ilegal para alguns estudiosos. A segunda hipótese, e mais otimista, é de queda no índice para 42%, caso o Fundo Constitucional pague o R$ 800 milhões da folha de 2010 em 2011.
Os efeitos da tormenta são sentidos pela população. Na opinião do professor de Finanças Públicas da Universidade de Brasília (UnB) José Matias Pereira, o inchaço da máquina resulta em efeitos políticos de retorno de votos, mas quando chega no limite da lei é necessário demitir. ;Quando o Estado entra numa situação de inadimplência, abre a luz vermelha e não há como avançar nos três poderes. Caso isso ocorra, quem vai encontrar dificuldades é o próximo governante e a população;, explicou.
Reajuste de 1%
O Fundo Constitucional do DF foi criado em 2002 para pagar os gastos de pessoal e o custeio de saúde, segurança e educação. O valor de 2010, estabelecido entre junho de 2008 e julho de 2009, ou seja, no meio da crise financeira mundial, teve crescimento de 1%. A média dos últimos anos ficou em reajustes por volta de 10%.
Visão do Correio
Equilíbrio financeiro em risco
A austeridade na gestão das contas públicas é dever de todo e qualquer governante. A própria Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é clara nesse aspecto, ao limitar o gasto com pessoal em 49% das receitas. Foi criada justamente para pôr fim à tentação, inerente à maioria dos governantes, de conceder reajustes ao funcionalismo acima da capacidade financeira da unidade da Federação. A situação é ainda mais delicada no caso do Distrito Federal, que se encontra sob ameaça de uma intervenção federal.
Pela gravidade da situação, o governador em exercício, Wilson Lima, não deve e não pode ceder às pressões para conceder reajustes a diversas categorias, inclusive sancionando projetos já aprovados pela Câmara Legislativa. A adoção de tal política, que põe em risco o equilíbrio financeiro e o cumprimento da LRF, pode colocar o DF a um passo da intervenção. A manutenção de uma política salarial austera é condição para se assegurar a governabilidade e possibilitar que o DF mantenha sua condição autônoma.
Outra resposta à ameaça de intervenção deve vir do Poder Legislativo, que precisa se declarar impossibilitado de dar posse ao suplente Geraldo Naves, preso na Papuda há quase um mês. Dar posse a alguém detido sob acusação de tentar subornar testemunhas representaria um acinte à sociedade, aumentando os danos já provocados à autonomia política e institucional da capital da República.
O que diz a lei
A Lei de Responsabilidade Fiscal fixa os limites que o chefe do Executivo pode gastar com a folha de pagamento. O percentual sobre a receita corrente líquida varia. De acordo com os artigos 19 e 20, nas unidades da Federação o percentual gasto com servidores do Legislativo (incluindo o Tribunal de Contas do Estado) não pode exceder 3%. No caso do Judiciário, o limite é 6%. Para o Executivo, o teto fica em 49%, e para o Ministério Público, 2% da receita corrente líquida. Quando o chefe do Executivo gasta até 95% desses limites previstos em lei com pessoal, ele fica impedido, pelo artigo 22, de conceder aumento ou reajuste. Também não pode criar cargos ou fazer alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa. Só pode contratar para repor as vagas deixadas por servidores das áreas de educação, saúde e segurança que se aposentaram ou morreram. Também não pode contratar horas extras.