Helena Mader
postado em 14/03/2010 08:51
Aos 21 anos, a babá Dailene Alves Ferreira perdeu parte dos movimentos da mão esquerda. Ela sofreu um acidente doméstico e cortou o braço com o vidro de uma porta. Resultado: a jovem teve rompimento de tendões. Levada ao Hospital Regional de Taguatinga (HRT), ela poderia ter deixado a internação no dia seguinte, caso fosse operada na emergência. Mas, por falta de anestesista, Dailene ficou no HRT por 28 dias até conseguir fazer a cirurgia ortopédica. Com a demora, a situação se agravou. ;Estou há quatro meses sem trabalhar. O médico me disse que, se e a operação tivesse sido feita no dia do acidente, com certeza eu já estaria boa;, lamenta a babá.A falta de anestesistas na rede pública é hoje uma das maiores preocupações das autoridades em saúde. Ao todo, 222 profissionais da especialidade trabalham nos hospitais públicos da capital federal. Seria preciso praticamente dobrar esse número para que os centros cirúrgicos funcionassem normalmente. O deficit de anestesistas é de 196 médicos. O resultado é um transtorno enorme para os pacientes que precisam ser operados. De acordo com a Secretaria de Saúde, a fila de espera por uma cirurgia tem hoje 21.146 pessoas.
Durante o tempo em que esperou pelo procedimento, a babá Dailene chegou a ser levada ao centro cirúrgico três vezes. ;Eu ficava em jejum, me preparava para ser operada e, em cima da hora, desmarcavam porque não tinha anestesista. É horrível ter que ficar internada sabendo que já poderia estar em casa;, relembra a babá, que agora enfrenta uma nova espera pelas sessões de fisioterapia.
Diante da falta crônica de profissionais, a Secretaria de Saúde lançou editais de concursos para contratar médicos da especialidade, mas não conseguiu preencher as vagas. Na última seleção pública, realizada no ano passado, foram abertas 70 vagas para anestesistas. Apenas 21 tomaram posse e, de lá para cá, outros cinco já deixaram o cargo. O interesse entre os profissionais é pequeno por causa dos baixos salários e das difíceis condições de trabalho na rede pública de saúde.
O presidente da Sociedade de Anestesiologia do Distrito Federal, Tadeu Palmieri, explica que os salários na rede particular são até cinco vezes maiores do que nos hospitais do governo, o que justifica a dificuldade do GDF em contratar esses especialistas. Ele destaca ainda outro problema que agrava o deficit de médicos no mercado: a dificuldade de formar novos profissionais. ;Em Brasília, são apenas 19 vagas para residência e a maioria dos médicos deixam a cidade depois de concluí-la. No ano passado, por exemplo, dos seis anestesistas formados no Hospital da Asa Norte, todos foram embora. O agravante é que o custo de vida na cidade é muito alto;, destaca o presidente da entidade.
Tadeu Palmieri diz que a falta de anestesista não é o único problema. Com o deficit de profissionais como auxiliares técnicos e enfermeiros, a preparação da sala de cirurgia fica mais lenta e, assim, o anestesista realiza menos procedimentos do que poderia durante seu turno de trabalho. ;Com um bom gerenciamento apenas, seria possível aumentar em até 20% o número de cirurgias. Às vezes, tem anestesista, mas falta uma sala de recuperação ou falta um instrumentador, por exemplo;, diz o presidente da Sociedade de Anestesiologia. Diante das dificuldades de contratação, a Secretaria de Saúde chegou a negociar com a Cooperativa de Anestesistas do DF um contrato de terceirização dos serviços. Mas o acerto, que é contestado pelo Ministério Público do DF, não foi para a frente.
O presidente do Sindicato dos Médicos, Gutenberg Fialho, acredita que a solução definitiva só virá com o aumento dos salários oferecidos nos concursos. Hoje, um médico que trabalha 20 horas por semana ganha, inicialmente, R$ 3,7 mil. ;Com esse salário, os profissionais vão todos para a rede particular. Além disso, é preciso investir em formação e aumentar o número de vagas nas residências;, afirma Gutenberg. ;Não adianta ficar fazendo mutirões de cirurgia de vez em quando porque isso não acaba com a fila de espera. A demanda hoje não para de crescer;, acrescenta o presidente do sindicato.
O deficit de anestesistas produz alguns absurdos que, quando chegam à mídia, causam indignação à sociedade. Em novembro, a doméstica Deusuíta Moura dos Santos, 34 anos, teve alta do Hospital Regional de Taguatinga com uma faca cravada no ombro direito. Ela sofreu a agressão, mas não conseguiu ser operada por falta de anestesista. Depois da denúncia, ela voltou ao hospital e conseguiu fazer a cirurgia para a remoção do objeto.
Falta de materiais
Além da carência de profissionais, o setor de anestesia da rede pública sofre com outro tipo de problema: a falta de materiais. A Sociedade de Anestesiologia do DF denuncia que as agulhas para anestesia peridural estão em falta há dois anos. Os médicos têm que comprar ou esterilizar materiais já utilizados.
A Secretaria de Saúde informou que o processo de licitação desse material já está em andamento.
Concurso à vista
Para a dona de casa Edite Alves Almeida, 47 anos, a espera por uma cirurgia já dura sete meses. Em agosto, ela caiu e fraturou o punho esquerdo. A solução de seu caso depende de uma operação ortopédica, que não tem nem previsão para ser realizada. Edite ficou internada por 17 dias, mas, como não havia anestesistas, os médicos desistiram de mantê-la no Hospital Regional de Ceilândia. ;A impressão que eu tenho é de estar esquecida em casa. Acho que não vão marcar essa operação nunca;, desabafa a dona de casa. ;Não consigo fazer nada, estou praticamente encostada por causa desse problema na mão. Se faltam médicos, por que não contratam?; pergunta-se a paciente.
O subsecretário de Atenção à Saúde, José Carlos Quinaglia, afirma que a crise no setor de anestesia preocupa o governo. Ele conta que no fim deste mês o GDF fará concurso para 400 médicos e afirma que a contratação de anestesistas será a prioridade da Secretaria de Saúde. ;Fizemos uma proposta aos profissionais que trabalham 20 horas semanais para dobrar a carga horária e o salário. Apenas quatro aceitaram;, lamenta.
Ele destaca que os anestesistas não são necessários apenas nos centros cirúrgicos. ;Também precisamos desses profissionais para a realização de alguns exames radiológicos e na sala de hemodinâmica, por exemplo;, diz Quinaglia. Somente no Hospital de Base, foram realizadas mais de 10 mil cirurgias no ano passado. Além dos anestesistas, os profissionais com maior deficit na rede pública são os intensivistas, os clínicos e os pediatras.
Rede pública
Confira como são distribuídas as vagas de residentes em anestesia nos hospitais:
Hospital de Base: 6 vagas
HRAN: 6 vagas
HUB: 5 vagas
Hospital do Gama: 2 vagas