Cidades

Brasilienses enfrentam problemas em shows

Brasilienses se queixam que, além de caros, shows vêm acompanhados de atraso e desrespeito ao que determina a lei durante a venda dos ingressos como, por exemplo, a meia-entrada

postado em 15/03/2010 08:37
O show do Guns N;Roses, realizado em Brasília no último dia 7, não somente inaugurou a temporada de grandes atrações internacionais na cidade como também expôs os flagrantes desrespeitos enfrentados pelos frequentadores desse tipo de evento no Distrito Federal. Além dos preços praticados aqui serem bem mais salgados que no restante do país, as infrações aos direitos dos consumidores costumam vir de todas as partes: da distribuidora dos ingressos, dos pontos de vendas até mesmo dos produtores, que deveriam zelar pelos seus clientes.

Carine Rodrigues, com o marido Armando Rodrigues: A semana que antecedeu o espetáculo foi marcada por notificações do Procon à Fnac e à distribuidora dos ingressos, a Ticketmaster, e ainda pela indignação dos fãs, que compraram bilhetes para a arquibancada porque receberam a informação de que os ingressos para a pista estavam esgotados. ;Tentei comprar para a pista duas semanas antes e não pude porque tinham acabado. Comprei para a arquibancada. Mas dois dias antes do show era possível adquirir bilhetes para a pista no site da Ticketmaster e também nos pontos de venda. Isso é uma prática muito desleal com o consumidor;, desabafa a servidora pública Lílian Cunha, 35 anos, que por R$ 20 de diferença foi obrigada a assistir ao show em um local com acústica e visibilidade muito inferiores às da pista.

O atraso também venceu a ansiedade e a empolgação de muitos fãs. O show começou uma hora e meia depois do horário marcado, às 0h15 da segunda-feira ; após a apresentação de duas bandas e uma longa espera pelos astros da noite. ;Estava tão cansada que o show não valeu tanto a pena. Minha vontade era ir embora. Acho que o consumidor deveria ter o direito à devolução do valor pago nesses casos;, analisa a servidora pública Viviane Morosoni Müller Espínola, 33 anos.

Regina Raupp, que fez reclamação à seção Direito do Consumidor, não teve alternativa. Ela e o marido, Cláudio, levaram o filho de 13 anos ao show, mas quando deu meia-noite e a atração internacional ainda não tinha entrado, decidiu ir embora porque o garoto tinha aula e prova na segunda-feira. ;Procurei a produção para me informar se o show ainda demoraria muito e a previsão era de mais 2h30 de atraso. Pedi o reembolso do ingresso e o produtor disse que na hora não seria possível, mas deu um telefone para que eu ligasse no dia seguinte. Pedi aos policiais que estavam no local que anotassem no verso do ingresso a hora em que deixei o estádio. No entanto, liguei para a produção no dia seguinte e me informaram que não receberia o dinheiro de volta;, contou, indignada.

As práticas irregulares ; ou no mínimo abusivas ; já garantiram continuidade na agenda cultural da cidade. Quem comprou ingressos para assistir à turnê de despedida da banda norueguesa a-ha em Brasília, marcada para amanhã, surpreendeu-se ao saber que o show previsto para acontecer no Centro de Convenções Ulysses Guimarães fora transferido para o Ginásio Nilson Nelson, que possui estrutura e acústica inferiores. A produtora responsável pelo evento, a Time For Fun (T4F), que no Brasil também administra a Ticketmaster, emitiu comunicado oficial justificando que a mudança foi necessária para dar maior comodidade aos fãs devido à grande procura por ingressos.

;Como o show estava previsto para acontecer no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, eu e um casal de amigos compramos ingressos para a arquibancada. O problema é que a acústica do Ginásio Nilson Nelson, na arquibancada, é péssima. Além disso, estávamos imaginando algo menor, mais tranquilo. Ainda não sabemos o que fazer. Se desistirmos e não devolverem o nosso dinheiro, o jeito será vender os bilhetes;, planeja a analista de saúde Idenilde Alves de Sousa, 31 anos.

Notificação
O diretor de Fiscalização do Procon-DF, Jarcy Budal, garante que o Instituto de Defesa do Consumidor tem se antecipado aos shows do fim de semana, com operações aos pontos de venda durante os dias de funcionamento do órgão, de segunda a sexta-feira, e também no plantão fiscal, aos sábados, das 9h às 17h. ;Já tomamos conhecimento sobre o caso do a-ha. A produtora será notificada para que apresente uma justificativa. Isso pode ensejar um vício (defeito) na qualidade do serviço oferecido. Afinal, o consumidor foi atraído para um show que seria realizado em determinado local e depois os organizadores decidiram mudá-lo para lugar de qualidade inferior. Os fãs perderão em qualidade e os produtores lucrarão mais;, avalia Jarcy.

Segundo ele, nesses casos, a lei determina um abatimento proporcional no valor pago. Os produtores do show da dupla Victor & Leo, que se apresentaram em Brasília no último sábado, também foram notificados para comprovar que asseguraram a venda da meia-entrada. ;Isso porque foi constatada nos pontos de venda a cobrança de preço único;, afirma Jarcy.

;Essa prática é muito comum. Eles não cobram carteira de estudante nem na hora da venda nem na entrada do show e, às vezes, concedem o desconto de 50% para todos que levarem um quilo de alimento, ou seja, a ação social é apenas um subterfúgio para a prática de preço único;, avalia a dentista Carine Rodrigues, 34 anos, que compareceu à Fnac, com o marido, Armando Rodrigues, 41, para comprar ingressos para o show do Simply Red, previsto para 18 de abril.

ONDE BUSCAR AJUDA?
Decon ; 3361-3333
Procon ; 151

"Já tomamos conhecimento sobre o caso do A-ha. A produtora será notificada para que apresente justificativa"
Jarcy Burdal, diretor de Fiscalização do Procon-DF

Viviane Morosoni, frustrada com o atraso do Guns N%u2019Roses: É preciso reunir provas
Quando o assunto é atraso do evento, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, isso também pode ser interpretado como falha na prestação do serviço. ;Considero totalmente plausível pedir a devolução do valor pago. Mas isso requer provas e depoimentos de testemunhas que devem ser julgados pela Justiça e, portanto, foge à competência do Procon. Neste caso, é necessário recorrer ao Juizado Especial Cível;, orienta Nayron Toledo, diretor jurídico do Procon de Goiânia e secretário-geral da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB Goiás.

Já negar a existência de ingresso e induzir o consumidor a erro ; ou seja, fazê-lo comprar bilhete para a área que não deseja ;, constituem infrações administrativas, que podem ser reclamadas ao Procon, e também crime contra as relações de consumo, que deve ser denunciado à Delegacia do Consumidor (Decon). Na esfera administrativa, no Procon, a empresa poderá ser multada. Já na Decon será instaurado inquérito para apuração dos fatos. ;Ás vezes não é possível assegurar o direito do consumidor de imediato, pois não podemos forçar a empresa a efetuar a troca do ingresso. No entanto, as pessoas que foram lesadas devem demonstrar sua insatisfação mesmo após a realização do show para que a empresa seja investigada e futuras práticas desse tipo sejam coibidas;, orienta a titular da Decon, Lúcia Cândida da Silva. Todos os produtores e as empresas citadas na reportagem foram procurados pelo Correio. No entanto, com exceção da Fnac (leia Entenda o caso), nenhum outro respondeu. (NQ)

Fique atento
O que é proibido
Cobrança de taxa de conveniência ; em caso de não prestação de serviço adicional, como entrega do ingresso na casa do cliente ou facilidade em comprar pela internet sem sair de casa ou enfrentar filas. Essa prática pode ser configurada como uma vantagem manifestamente excessiva.

Limitação da meia-entrada a uma porcentagem de ingressos ; não há quantia estabelecida para meia-entrada. Enquanto houver ingressos, o desconto de 50% deve ser concedido a quem tem direito.

Prática de preço único ; a meia-entrada é uma prerrogativa legal e deve ser garantida sempre.

Ocultar ingressos ; negar a existência de bilhetes e mais tarde colocá-los à venda ; pode ser considerado preterição de cliente, além de indução do consumidor ao erro por falta de acesso à informação correta (direito previsto no Código de Defesa do Consumidor). Isso constitui infração administrativa, que deve ser reclamada ao Procon, e também crime contra as relações de consumo, que deve ser denunciado à Delegacia do Consumidor (Decon).

Cobrar pelo show e não realizá-lo - isso constitui crime de estelionato e deve ser denunciado à Decon.

O que é abusivo
Cobrar por serviço de determinada qualidade e oferecer outro de nível inferior constitui falha na prestação de serviço e enseja abatimento proporcional no preço.

Longos atrasos também caracterizam má prestação do serviço e podem dar direito à devolução do dinheiro. Para tanto, recorra à Justiça, pois é necessário apresentar provas de que você foi ao show (bilhete), do atraso, do seu horário de saída do local etc.

Entenda o caso
Procon cobra explicações
Na primeira semana deste mês, o Procon-DF notificou a Fnac e a Ticketmaster por irregularidades na venda de ingressos para o show do Guns N; Roses. A Fnac foi acionada por falta de clareza nas informações prestadas ao consumidor. Já a Ticketmaster, por limitar a venda da meia-entrada a 30% do total de ingressos e ainda por cobrar 20% sobre o valor dos bilhetes. ;A quantia refere-se a uma taxa de conveniência. No entanto, a empresa não oferece serviço agregado, como a entrega do ingresso na casa do cliente, por exemplo. Isso é uma vantagem manifestamente excessiva;, avalia o diretor de Fiscalização do órgão, Jarcy Budal. As empresas já foram notificadas e terão cinco dias de prazo para apresentar sua defesa.

A Ticketmaster também foi notificada a comprovar o cumprimento da meia-entrada. Conforme denúncia, a empresa estaria limitando a 30% a emissão de ingressos com desconto. Para tanto, a empresa se ampara no artigo 2; da Lei municipal de São Paulo n; 11.355/93, que restringia a 30% do total a carga de ingressos destinada a estudantes na capital paulistana. Mesmo em vigor, tal dispositivo foi considerado inconstitucional várias vezes. E, desde 2004, foi revogado pela Lei n; 13.715/2004, que anulou o referido artigo e deu nova redação a outros. ;Se essa fundamentação ocorre com base nessa lei que não tem mais validade, isso é uma ilegalidade. Deve ser apurada e denunciada;, alerta a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Mariana Ferraz. ;A meia-entrada é uma prerrogativa legal. Enquanto houver ingresso, quem tem direito ao benefício deve receber o desconto;, acrescenta Nayron Toledo, do Procon de Goiânia.

A Fnac garantiu que já corrigiu as informações expostas em lojas e acrescentou que ;a empresa T4F Entretenimento S.A, detentora da Ticketmaster, tem total responsabilidade pela aplicação da quota de estudante e pela cobrança da taxa de conveniência que, por contrato, trata-se de uma política de vendas da T4F;. (NQ)

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