postado em 16/03/2010 08:27
Afastado do cargo e preso há 33 dias por suposta tentativa de subornar uma testemunha considerada chave na Operação Caixa de Pandora, o governador José Roberto Arruda (sem partido) será submetido hoje a julgamento que, embora não tenha vínculo direto com as denúncias de corrupção descritas no Inquérito n; 650 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pode punir o político com a cassação de mandato. Arruda é acusado de infidelidade partidária pelo Ministério Público Eleitoral do Distrito Federal. A denúncia está prevista para ser votada a partir das 17h na Corte do Tribunal Regional Eleitoral (TRE).Juristas ouvidos pelo Correio, entre os quais um ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e um desembargador do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT), que já teve assento no TRE, avaliam que o julgamento desta tarde pode enveredar para dois caminhos opostos. Um, no qual sobressairá uma análise mais política sobre o caso, cenário em que será levado em conta o conjunto dos fatos escandalosos que cercam Arruda. O outro, de perfil mais técnico, hipótese em que a Corte do TRE se prenderia meramente a aspectos jurídicos.
Os magistrados acreditam que se a linha adotada pender para um exame mais político, que considere, por exemplo, os indícios de corrupção que forçaram a saída de Arruda do partido para evitar uma inevitável expulsão, ele corre o risco, sim, de perder o cargo. Uma das implicações de uma decisão como essa seria a perda de foro privilegiado na tramitação das ações contra o governador afastado. Para tentar garantir as prerrogativas, a defesa teria de ingressar com uma medida cautelar pedindo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que a saída do cargo só se desse depois da ação transitada em julgado, ou seja, quando não houvesse mais recursos para reverter o entendimento da Corte regional.
Na hipótese de uma leitura mais tecnicista do caso de infidelidade relatado pela Procuradoria Regional Eleitoral, os magistrados consultados pela reportagem apostam que dificilmente ele terá o mandato cassado. Pensam os juristas que é razoável a alegação da defesa de ;grave discriminação pessoal; para a desfiliação do governador. ;Ele seria sumariamente expulso caso não tomasse a decisão de sair. Além do mais, nem o próprio partido reclamou o mandato. Portanto, não encontro argumentos jurídicos fortes a ponto da condenação de Arruda pelo TRE. Mesmo assim, a pressão da opinião é muito forte para que ele não escape de uma punição;, analisa um ministro integrante do TSE.
Um caso semelhante, o da distrital Jaqueline Roriz (PMN) ; que também é acusada de ter cometido infidelidade partidária ao sair do PSDB para acompanhar os interesses políticos do pai ; aponta para a absolvição. No dia em que o assunto foi a plenário, ela conseguiu quatro votos favoráveis à manutenção do mandato contra um em desfavor. Como houve pedido de vista, feito por Raul Saboia, a definição do processo acabou adiada. O mesmo pode ocorrer na tarde de hoje por se tratar de um assunto de grande repercussão e cuja instrução ocorreu em um mês. Saboia chegou ao TRE com o apoio do governador José Roberto Arruda. Ele o ajudou na campanha de 2006 e, em fevereiro de 2007, assumiu a chefia da Procuradoria Jurídica da Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb).
Sem justa causa
O procurador regional eleitoral do DF, Renato Brill, discorda dos magistrados que não encontram base jurídica sólida para a cassação de mandato de Arruda por infidelidade partidária. Brill defende que Arruda saiu do partido por interesse pessoal, sem respaldo da Resolução Eleitoral n; 22.610 de 2007 e, mesmo que o partido não reclame o mandato, ele reforça que o Ministério Público tem legitimidade para fazê-lo. Segundo as regras eleitorais, um partidário só pode se desvincular da legenda pela qual foi eleito sem correr o risco de perder o cargo em quatro situações: criação de novo partido, incorporação ou fusão de legenda, mudança substancial do programa partidário e grave discriminação pessoal, usado agora como um argumento pelos advogados de Arruda.
Para desmontar o discurso da discriminação pessoal, o procurador sustentará que o partido agiu dentro da normalidade ao abrir processo de expulsão diante das graves denúncias existentes contra o governador afastado. Além disso, Brill lembrará que o TSE já se pronunciou sobre a conduta do DEM quando a ministra Carmem Lúcia negou liminar pedindo a suspensão do processo de expulsão.
Um ponto que ainda pode ser usado pelos advogados de Arruda é que a legislação não prevê a perda de cargo nos casos de desfiliação de político em exercício de mandato eletivo majoritário, situação do governador detido. Isso, alega a defesa, só valeria nos casos das vagas proporcionais, como as de deputados. O MPE, no entanto, vai contrapor esse argumento com base em precedentes no TSE e no texto da resolução de 2007 que, por ocasião de perda de mandato, indica o suplente ou o vice para assumir o posto do titular. A menção ao vice, posto existente para mandatos majoritários, seria uma evidência de que uma eventual cassação do mandato pode ser aplicada na situação de Arruda.
Colaborou Ana Maria Campos
Composição
A Corte do TRE é formada por sete integrantes. São eles: desembargador Mário Machado (relator da ação contra Arruda), desembargador federal Cândido Ribeiro, desembargador Antoninho Lopes, juiz João Egmont, juiz Evandro Pertence, desembargador Raul Saboia, desembargador João Mariosi (presidente interino do tribunal), Dácio Vieira (presidente da corte licenciado por motivo de férias)
Cenários
O que pode ocorrer no julgamento da ação na qual Arruda é acusado de infidelidade partidária:
Pedido de vista
Em julgamentos polêmicos de grande repercussão, é muito comum o pedido de vista. O expediente é usado quando um dos integrantes da Corte quer analisar com mais detalhes o voto do relator para formar opinião sobre o processo. Quando há pedido de vista, o julgamento é automaticamente adiado. Julgamentos controversos como o do distrital Cristiano Araújo (por abuso do poder econômico e compra de votos), o do ex-governador Joaquim Roriz (acusado de uso indevido da máquina administrativa em sua campanha para o Senado Federal) e o da distrital Jaqueline Roriz (suspeita de ter cometido infidelidade partidária) foram interrompidos por pedido de vista. Por se tratar de um assunto no foco das atenções, a análise do caso de Arruda também pode ser remarcada para atender ao provável pedido de vista.
Julgamento político
José Roberto Arruda (sem partido) é o pivô do maior escândalo político da história do Governo do Distrito Federal. Afastado do cargo, preso desde 11 de fevereiro e com chances de sofrer impeachment, as circunstâncias desfavoráveis, acreditam juristas ouvidos pelo Correio, podem influenciar os ministros do TRE a tomarem uma postura mais severa na análise da ação de infidelidade partidária. Se uma eventual condenação ocorrer, ela se chocará, inclusive, com a tendência de absolvição da distrital Jaqueline Roriz (PMN). Igualmente acusada pelo Ministério Público Eleitoral por infidelidade partidária, ela teve o julgamento adiado devido a um pedido de vista, mas até então mantinha placar a seu favor (4 a 1). O único voto que falta ser revelado é o de quem pediu vista, o desembargador Raul Saboia.
Análise técnica
Ministros do Tribunal Superior Eleitoral, desembargadores e ex-ministros do Supremo apostam que, se o julgamento no TRE for estritamente jurídico, dificilmente Arruda terá o mandato cassado por infidelidade partidária. Isso porque os magistrados a par do caso acreditam que as circunstâncias da saída de Arruda do DEM indicam justa causa. Eles lembram que Arruda seria sumariamente expulso caso não deixasse o partido. Além do mais, citam que o fato de o Democratas não ter reclamado para si o mandato enfraqueceria a tese do Ministério Público de tentar devolver à legenda o direito de ocupar ao cargo.
Recurso ao TSE com medida cautelar
Se prevalecer na Corte eleitoral a tese de que Arruda descumpriu a legislação eleitoral e foi infiel ao partido, ele terá o mandato cassado. A defesa do governador ainda teria chance de recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral, mas o governador preso seria imediatamente afastado do cargo por determinação judicial e perderia o foro privilegiado, que determina a tramitação das ações de Arruda nos tribunais superiores.
Caso esse seja o desfecho do julgamento de hoje à tarde, os advogados do chefe do Executivo afastado devem entrar com medida cautelar para tentar manter o político no cargo até a definição do caso pelo TSE. Da mesma forma que a assessoria jurídica do acusado pode recorrer, o Ministério Público poderá apelar à instância superior caso o resultado favoreça Arruda.