Cidades

O drama de quem teve dengue

O Correio ouviu seis brasilienses que estão entre os 1.541 que contraíram a doença este ano. Além da dor em todo o corpo, do mal-estar e do medo de ser contaminado novamente, eles contam como mudaram a rotina em casa

Naira Trindade
postado em 16/03/2010 08:57
Um inseto aparentemente inofensivo alastra uma grave doença pelo Distrito Federal. Uma simples picada multiplica o número de infectados. Trata-se da dengue, doença que não escolhe raça, cor ou nível social. O aumento no total de casos é alarmante em todo o DF. O número cresceu 607,9%, se relacionado ao ano passado, segundo a Secretaria de Saúde. Desde janeiro último, pelo menos 3.681 pessoas ficaram sob a suspeita de terem contraído dengue, segundo a Gerência de Doenças Crônicas e outros Agravos Transmissíveis da Subsecretaria de Vigilância à Saúde da Secretaria de Saúde do DF. Dessas, 1.541 tiveram a confirmação por meio de exames. Pelo menos dois não sobreviveram aos fortes sintomas.

Cuidados básicos, como manter o quintal de casa limpo, sem entulhos que possam acumular água da chuva, são esquecidos por grande parte da população. A negligência, no entanto, pode levar à morte. O Correio ouviu seis brasilienses que sofreram drasticamente com os males da dengue, desde o começo deste ano. Após cerca de 10 dias lutando contra a doença, todos foram unânimes ao dizer que modificaram completamente a rotina em prol de colaborar para a não proliferação da doença. As diferentes histórias também compartilham o medo de um novo contágio.

A partir de amanhã, 100 militares do Exército, 50 da Aeronáutica e 50 da Marinha começam o treinamento para que possam reforçar o combate à dengue em todo o Distrito Federal. A preparação inclui oito horas de aulas teóricas durante a quarta-feira, além de dois dias ; quinta e sexta-feira ; de treinamento prático. Nessa segunda etapa, a aprendizagem será em campo, com os agentes da Vigilância Ambiental.

A experiência de cada um

Doente na virada do ano
O Correio ouviu seis brasilienses que estão entre os 1.541 que contraíram a doença este ano. Além da dor em todo o corpo, do mal-estar e do medo de ser contaminado novamente, eles contam como mudaram a rotina em casa; Merian Iwakami de Assis, 22 anos, estudante

A sensação de mal-estar logo após a virada do ano intrigou Merian Iwakami de Assis, 22 anos. No primeiro dia de 2010, uma semana após seu casamento, a estudante começou a sentir náuseas e dores nas costas, e percebeu que manchas vermelhas apareciam espalhadas por todo o corpo. O primeiro pensamento era de que tinha ingerido comida estragada na passagem do ano. Logo procurou o posto de saúde da Vila Planalto, onde recebeu o diagnóstico de que estava com intoxicação alimentar. Os medicamentos foram receitados. Mas, por sorte, ela não chegou a tomá-los. Os sintomas de dengue ficaram mais evidentes e a mãe dela percebeu que se tratava da doença. Meriam voltou ao posto de saúde. Os médicos perceberam que a jovem realmente havia sido contaminada pelo Aedes aegypti. ;Eu estava com febre muito alta e tinha medo de ter convulsão;, contou. Recém-curada, os medos de Merian agora são para proteger a filha Sarah, de apenas 2 anos. ;Em casa, na hora de dormir, coloco uma tela sobre a cama dela para que os mosquitos não a piquem;. Mas, durante o dia, a estudante precisa driblar a falta de cuidados de vizinhos, que insistem em deixar lixo em lotes abandonados na Vila Planalto.


O Correio ouviu seis brasilienses que estão entre os 1.541 que contraíram a doença este ano. Além da dor em todo o corpo, do mal-estar e do medo de ser contaminado novamente, eles contam como mudaram a rotina em casaPânico de um novo contágio
; Joaquim Henrique Chaves dos Santos, 23 anos, caseiro

Os zumbidos no quarto escuro durante a noite logo causam desespero em Joaquim Henrique Chaves dos Santos, 23 anos. A ameaça de poder ser outro mosquito da dengue lhe tira o sono. Era sexta-feira de carnaval, quando o caseiro de uma mansão no Lago Sul começou a sentir os sintomas da doença. Joaquim acredita ter sido contaminado poucos dias depois que o patrão, Adriano Ricci. Ambos tiveram o mesmo diagnóstico. Na rua onde trabalha, a dengue fez vítimas em praticamente todas as casas. Pelo menos uma pessoa de cada endereço teve a suspeita do contágio da doença. Números que mudaram definitivamente a rotina dos moradores. Piscinas ganharam tratamento adequado. Dentro de casa foram instalados aparelhos que, ligados a tomadas, espantam os insistentes mosquitos. Na pele, uso constante de repelentes a fim de evitar que o contágio se repita. ;Tenho muito medo de pegar de novo. Dengue mata;, lembrou o mineiro de Arinos. Para conseguir dormir, Joaquim precisa antes baforar veneno para espantar os mosquitos do quarto. ;Fiz questão de pegar este aqui para conferir se era o mosquito da dengue;, disse, mostrando o inseto no pequeno pote.


O Correio ouviu seis brasilienses que estão entre os 1.541 que contraíram a doença este ano. Além da dor em todo o corpo, do mal-estar e do medo de ser contaminado novamente, eles contam como mudaram a rotina em casaGosto de sangue na boca
; Aldenira Ferreira de Sousa, 31 anos, empregada doméstica

Ela sofre toda vez que precisa percorrer algum trajeto de ônibus. As náuseas e vertigens ; antes nunca sentidas ; são resquícios deixados pela dengue. Desde que contraiu a doença, a saúde de Aldenira Ferreira de Sousa, 31 anos, está debilitada. As manchas continuam a marcar sua perna e os enjoos aparecem sempre que ela utiliza o sistema de transporte público. No início deste ano, os patrões de Aldenira viajaram de férias por 20 dias e ela ficou sozinha no Lago Sul. Em uma das noites, a doméstica percebeu que o corpo ardia de febre. ;A febre não baixava, era mais de 40;C;, contou. Preocupada e sem os patrões médicos em casa, Aldenina correu para o Hospital Regional do Paranoá. Devido às semelhanças nos sintomas, os médicos receitaram remédios para gripe. ;Eu tomei quatro e comecei a sentir um estranho gosto de sangue na boca. Retornei ao pronto-socorro e disseram que se tivesse continuado com as dosagens dos medicamentos poderia ter morrido.; Além de estar com dengue, os remédios receitados para gripe eram contraindicados para pessoas que sofrem de úlcera, caso de Aldenira. Curada, após 12 dias de repouso, a doméstica redobrou os cuidados com a casa. ;Se todo mundo fizesse a sua parte, acabaríamos com a dengue.;


O Correio ouviu seis brasilienses que estão entre os 1.541 que contraíram a doença este ano. Além da dor em todo o corpo, do mal-estar e do medo de ser contaminado novamente, eles contam como mudaram a rotina em casaRepelente sempre à mão
; Ana Maria Miyamoto, 42 anos, servidora pública

Após uma semana sem conseguir se levantar da cama, a servidora pública Ana Maria Miyamoto, 42 anos, mudou sua rotina. Moradora do Lago Sul, ela adotou o uso diário de repelentes de pele, de tomada e dos inseticidas em spray, aplicados em todos os cômodos da casa. ;Repelente virou algo diário, como tomar banho;, explica. A servidora não foi a única a ser vítima da dengue em sua casa. O filho dela, 7, e a secretária da residência também contraíram a doença. A grande preocupação da família, agora, é com a filha mais nova de Ana, que tem apenas um ano e meio. ;Ela só usa calça comprida quando está em casa, mesmo nos dias mais quentes;, afirma. O marido de Ana, o também servidor público André de Oliveira Costa, 42, comprou um estoque de repelentes e a família redobrou os cuidados com as plantas e outros recipientes. Segundo Ana Maria, o sintoma da doença que mais incomoda é a prostração. A servidora relata que ia ao banheiro por obrigação e não saía do quarto sequer para comer. No período em que ficou com dengue, o marido teve que deixar de trabalhar para manter a casa em funcionamento e levar as crianças à escola.


O Correio ouviu seis brasilienses que estão entre os 1.541 que contraíram a doença este ano. Além da dor em todo o corpo, do mal-estar e do medo de ser contaminado novamente, eles contam como mudaram a rotina em casaParte das férias de cama
; Andreia Dias, 19 anos, universitária

Andreia Dias já havia ouvido a irmã Camila, 22 anos, reclamar de uma gripe mal curada ; como diagnosticou o médico ; quando ela mesma e sua mãe Sueli Aparecida, 40, também começaram a apresentar os mesmos sintomas. ;Senti muita dor no corpo, mal-estar e dor nos olhos. Também sentia um grande cansaço, não tinha vontade fazer nada;, lembra a universitária. A família tinha passado as férias na Bahia e considerou que poderia ter pegado a doença na região. A perspectiva, no entanto, mudou quando o trio descobriu que várias pessoas em sua rua, no Lago Sul, também estavam com dengue. ;Como parece que tem um foco aqui perto, agora temos quase certeza que pegamos por aqui mesmo;, avalia a jovem. A procuradora-federal, mãe das jovens, foi a que mais sofreu com a virose. ;Ela ficou de cama umas duas semanas;, conta Andreia. As duas irmãs universitárias aproveitaram o resto do período de férias para se recuperar da enfermidade. A fim de evitar uma segunda infecção pelo vírus, elas agora recorrem ao repelente. ;Também estamos mais atentos à água parada em casa;, revela Andreia Dias.



O Correio ouviu seis brasilienses que estão entre os 1.541 que contraíram a doença este ano. Além da dor em todo o corpo, do mal-estar e do medo de ser contaminado novamente, eles contam como mudaram a rotina em casaIndisposição e falta de apetite
; Adriano Ricci, executivo, 43 anos

Ele não acreditava que a dengue chegaria a sua casa no Lago Sul, mas foi surpreendido, em pleno domingo, pelos sintomas da doença. ;Eu tive uma febre muito alta, dores na cabeça e no corpo. Na segunda-feira, a minha mulher me lembrou que poderia ser dengue;, conta o executivo Adriano Ricci. Apenas no sexto dia de manifestação dos sintomas, ele teve certeza de que estava com a doença. ;O que mais me incomodou foi que você fica quase que incapacitado. É uma dor generalizada, nas juntas e na cabeça, principalmente, e um apetite reduzido;, disse. A virose trouxe mudanças para o dia a dia da família. Hoje não são só os três filhos de Ricci ; de 9, 16 e 17 anos ; que usam, diariamente, repelentes. ;Nós também oferecemos para as visitas;, revela. Além disso, toda a casa passou por um tratamento com veneno, bem como o terreno abandonado que fica ao lado da residência. As bromélias do jardim, por sua vez, foram avaliadas por agentes ambientais e todos os cômodos da casa ganharam aparelhos de repelente que ficam ligados 24 horas à tomada. ;Cuidados redobrados, até porque não queremos uma reincidência ainda mais perigosa;, ressalta Ricci.

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