Cidades

Reajuste de Wilson Lima desagrada à União

Embora parcelado até 2012, o aumento salarial de policiais civis, militares e bombeiros teria um impacto superior a R$ 1 bilhão nos gastos com pessoal e, se aprovado, poderia provocar desconforto em outras categorias

Guilherme Goulart
postado em 26/03/2010 08:14
A proposta de reajustes totais de 33% para as corporações vinculadas à segurança pública da capital do país provocou mal-estar no governo federal. Uma semana depois de encaminhada pelo Governo do Distrito Federal (GDF), a sugestão de aumentos para os servidores da Polícia Militar, da Polícia Civil e do Corpo de Bombeiros acabou avaliada como ;incabível; por fontes ouvidas pelo Correio. O cálculo revela que o crescimento salarial teria, até 2012, impacto de R$ 1.134.451.261,92 sobre o Fundo Constitucional do DF(1). A valores de hoje, corresponderia a cerca de 16% do total da verba pelo fundo ao DF este ano ; R$ 7,5 bilhões.

O valor representa o somatório dos percentuais incididos sobre as remunerações de policiais militares e civis e bombeiros candangos nos próximos três anos (leia quadro). A definição do reajuste proposto ao governo federal surgiu a partir de consenso entre o governador em exercício do DF, Wilson Lima (PR), e representantes sindicais e parlamentares ligados às três corporações. Ele seria igual para todos e concedido em cinco etapas: 5% em setembro de 2010; 7% em março e 7% em setembro de 2011; e 7% em março e 7% em setembro de 2012.

A proposta encaminhada no último dia 19 seguiu acompanhada de carta assinada por Lima e endereçada ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Em três páginas, o governador do DF fez um relato minucioso das sugestões de melhorias salariais por categoria. ;A medida sugerida se enquadra na política de valorização de pessoal, adotada pelo Distrito Federal, que consiste de concessão de melhorias remuneratórias e de restruturação das carreiras funcionais das instituições componentes do sistema de segurança pública;, escreveu.

Wilson Lima também propõe que o reajuste, caso aprovado pelo governo federal, seja submetido ao Congresso Nacional por meio de medida provisória. Até lá, porém, precisa ser apreciado por técnicos do Ministério do Planejamento. Eles irão refazer as contas do GDF e avaliar se os percentuais obtidos não ferem, por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Se finalmente forem aprovadas pelo presidente Lula, a proposta candanga será enviada ao Congresso por meio de uma MP ou de um projeto de lei.

Greve e desconforto
Ao chegar ao governo federal, no entanto, a proposta do GDF causou incômodos no Palácio do Planalto e nos ministérios do Planejamento e da Justiça. Os valores sugeridos teriam sido considerados tão exorbitantes, que se pensa em vetá-los sem que mesmo sejam encaminhados ao Legislativo nacional. ;O GDF deveria saber das leis que contrariam um reajuste desse nível. Espero que as polícias entendam. Aumento tem de ser discutido com o governo federal;, afirmou uma das fontes ouvidas pela reportagem.

Um dos principais receios é o de que uma possível aprovação do reajuste total de 33% provoque desconforto em outras categorias de servidores federais e estaduais. Entre eles, os da Polícia Federal, da Advocacia-Geral da União e do Ministério Público. Argumenta-se que, caso os valores propostos para os aumentos salariais da segurança pública candanga passem pelo Congresso, ultrapassarão os tetos de tais carreiras. As consequências seriam greve e instabilidade administrativa, além de reforçar o debate para uma intervenção federal na capital do país.

Para o capitão Rômulo Flávio Mendonça Palhares, diretor de Articulação Política da Associação dos Oficiais da Polícia Militar do DF, o veto poderia ser encarado como um retrocesso. ;Há uma expectativa muito grande em torno do assunto. Uma negativa geraria uma frustração sem precedentes, pois a aprovação da proposta viria a coroar a carreira de policial militar e bombeiro;, afirmou o também representante do Fórum de Associações de Oficiais e Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal.

O deputado federal Laerte Bessa (PSC-DF), que participou de todas as etapas de negociações de aumento salarial das categorias, também defendeu o reajuste. ;É cabível, sim. O aumento que queremos foi calculado depois de muito tempo de trabalho e nos níveis mais baixos;, contou. O secretário de Comunicação Social do GDF, André Duda, disse que o governo local seguiu os trâmites legais para propor o reajuste. ;O GDF não fez nada além de cumprir a lei. Se o governo federal não quiser concedê-lo, não há o que fazer. E, se causou algum tipo de mal-estar, não era essa a intenção;, explicou.

1 -
Garantia
A criação do fundo é de dezembro de 2002. Composto por recursos da União repassados anualmente para as unidades da Federação, o uso dele garante que a retirada da verba para gratificações de servidores públicos não implique em mais despesas para o governo federal.

RECURSOS
O secretário de Comunicação do Distrito Federal, André Duda, informou ontem que o governador em exercício, Wilson Lima (PR), vai mudar a destinação de R$ 44 milhões, previstos inicialmente para aumento salarial de cargos comissionados. A verba será direcionada ao reajuste de outras categorias de servidores. Segundo Duda, é uma forma de Wilson Lima agir em favor dos funcionários concursados, que ficarão no GDF depois de 2010, pois os comissionados perdem o cargo após a troca de mandato. O orçamento do GDF para este ano incluía o aumento marcado para os comissionados, inclusive o de secretário de Estado, mas o governador entendeu que era melhor repassar esse dinheiro, afirmou.

Embora parcelado até 2012, o aumento salarial de policiais civis, militares e bombeiros teria um impacto superior a R$ 1 bilhão nos gastos com pessoal e, se aprovado, poderia provocar desconforto em outras categorias

Análise da notícia
Proposta fora de hora

A proposta de reajuste dos policiais enviada ao Palácio do Planalto pelo governador interino Wilson Lima é, no mínimo, inconveniente. Em momento de grave turbulência, a discussão de aumentos salariais deveria ser feita sem açodamento. Principalmente quando o impacto estimado é de R$ 1,1 bilhão ao ano a partir de 2012. Antes de discutir políticas salariais, por mais justas que elas possam ser, é preciso resolver a crise política que assola o Distrito Federal há quase quatro meses.

Tanto é verdade que o pedido provocou mal-estar no governo federal, para quem, devido à delicada situação política do DF, conceder reajustes tão pesados indica que a administração pode não estar preocupada com a austeridade fiscal. O que, em última instância, daria combustível às pressões pela intervenção federal, indesejada pela sociedade brasiliense.

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