Cidades

Cresce o número de mortes de pacientes com câncer

Helena Mader
postado em 29/03/2010 08:41
Carlos Vágner perdeu a irmã para o câncer: a família chegou a conseguir empréstimo para custear o tratamento, mas já era tarde demaisPara os pacientes com câncer, o tempo pode significar a diferença entre a vida e a morte. O diagnóstico precoce e o início rápido do combate ao tumor aumentam significativamente as chances de cura. Mas na capital federal, a longa espera por tratamento torna os prognósticos cada vez mais complicados e as possibilidades de sobrevivência, cada vez menores. Diante disso, o número de mortes por câncer também cresce. Em 2009, 835 brasilienses não resistiram ao crescimento do tumor. No ano anterior, foram registradas 805 óbitos em decorrência da doença, de acordo com dados Departamento de Informática do SUS (Datasus).

Só o câncer do colo de útero causou 35 mortes no ano passado. Uma das vítimas foi a técnica em radiologia Régina Cilene Pires, 39 anos. Além de enfrentar o tumor, ela teve que lutar também contra a burocracia e a lentidão na rede pública. Esperou quase três meses pelo início das sessões de radioterapia, que não chegaram sequer a ser marcadas. No fim de agosto, ela teve uma parada cardiorespiratória e morreu em casa, no P Sul de Ceilândia.

Caçula de uma família de cinco irmãos, Régina teve o apoio dos parentes, que pegaram empréstimo e venderam bens para juntar dinheiro e tentar um tratamento na rede privada. ;Conseguimos R$ 26 mil para a Régina fazer a radioterapia em um hospital particular. Ela tentou muito conseguir consultas no Hospital de Base, mas nunca tinha vagas. Os médicos até têm boa vontade, mas a estrutura é muito ruim;, reclama o motorista Carlos Vagner Pires, 48 anos, irmão da vítima. ;Infelizmente, logo depois que o empréstimo foi liberado, ela morreu. Se minha irmã tivesse recebido um bom atendimento, poderia estar viva agora;, conta o motorista.

O aeroviário Antônio Rodrigues Damasceno, 52 anos, teme que o irmão não sobreviva ao avanço da doença. Miguel Damasceno, 53 anos, tem câncer de esôfago e está internado no Hospital Regional de Taguatinga. A família só conseguiu vaga para começar a radioterapia em julho. ;Ele já está com a saúde frágil, com certeza não vai aguentar esperar até lá. O Miguel precisa fazer a quimioterapia e a radioterapia ao mesmo tempo, mas não temos condições de pagar o tratamento em um hospital particular. Alguém tem que fazer alguma coisa, senão muita gente vai morrer;, protesta Antônio.

ONGs[SAIBAMAIS]
Com a situação crítica da rede pública, muitos pacientes recorrem a organizações não governamentais para pedir ajuda. No Hospital de Base, há pelo menos duas entidades que auxiliam os doentes, o Movimento de Apoio ao Canceroso (MAC) e a Rede Feminina de Combate ao Câncer. As voluntárias recolhem doações e fazem eventos para garantir a compra de medicamentos e para oferecer passagens de ônibus aos pacientes. O MAC, por exemplo, gasta cerca de R$ 6 mil por mês para comprar remédios usados na quimioterapia. ;Às vezes falta remédio, agulhas e até mesmo suporte para o soro. Se não comprarmos esse material, o médico fica sem condições de começar o tratamento;, conta Lilian Muller, do Movimento de Apoio ao Canceroso. Além das falhas no tratamento, muitos pacientes não conseguem sequer fazer a cirurgia de remoção dos tumores. O problema é causado, principalmente, pela falta de anestesistas na rede pública.

O promotor de Defesa dos Usuários do SUS, Jairo Bisol, classifica o sistema de atendimento aos pacientes com câncer do Distrito Federal como ;criminoso;. Ele diz que vai procurar a Secretaria de Saúde, o Inca e o Ministério da Saúde para intermediar a instalação de um novo Cacon. ;Os pacientes com câncer não podem esperar, essa demora diminui muito as chances de cura. Enquanto não temos mais um aparelho de radioterapia, é preciso providenciar opções para essas pessoas, pagar por tratamento em hospitais particulares ou em outros estados;, comenta Jairo Bisol. Muitos pacientes reclamam da dificuldade em conseguir o financiamento para se tratar fora de Brasília. Atualmente, a Secretaria de Saúde oferece recursos para apenas 20 pessoas que fazem radioterapia em outras cidades, como Uberlândia, Goiânia e Anápolis.

Novo centro
O subsecretário de Atenção à Saúde do GDF, José Carlos Quinaglia, diz que o governo vai inaugurar mais um centro especializado em tratamento de câncer, com equipamento de radioterapia. ;Será no Hospital de Taguatinga e o projeto arquitetônico já está pronto. Mas antes da inauguração, prevista para o ano que vem, vamos abrir a quimioterapia no HRT, já que hoje esse tratamento é oferecido além da capacidade da rede pública;, explica Quinaglia. ;Vamos contratar dois oncologistas para que a quimioterapia do HRT comece a funcionar o mais rápido possível;, acrescenta o subsecretário. (Helena Mader)

O número
835
Número de brasilienses que morreram em decorrência do câncer em 2009


Palavra de especialista
Qual o risco da demora no tratamento para os pacientes com câncer?

Quanto mais precoce o diagnóstico do câncer e o início do tratamento, maiores são as chances de cura. Isso influencia até mesmo no estado emocional da pessoa, que normalmente já fica muito abalada diante do diagnóstico da doença. Se o paciente tem indicação de tratamento e não consegue marcá-lo, isso cria uma angústia muito grande. Em alguns casos, se a pessoa não fizer a radioterapia no período indicado, o tratamento pode não ser mais recomendado depois. Um paciente com compressão de medula ou com metástase cerebral, por exemplo, precisa começar a radioterapia imediatamente. Senão, há risco até de ele ficar para sempre em uma cadeira de rodas. Um doente com câncer de cabeça e pescoço que não fizer a radioterapia em três meses pode ter complicações fatais. Já uma paciente com câncer de colo de útero que demora três, quatro meses para fazer radioterapia tem sua chance de cura reduzida em mais de 50%. Infelizmente, a realidade da rede pública é de fila e espera. Diante disso, deveria haver uma triagem médica, para que os casos mais graves e cujo tratamento exige maior urgência tivessem prioridade.

Eduardo Johnson, oncologista.

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