postado em 31/03/2010 08:20
"Pretendo continuar trabalhando discretamente, sem dar publicidade aos meus atos. Calcei as sandálias da humildade"
No cargo há quase 40 dias, desde a renúncia de Paulo Octávio, o governador em exercício Wilson Lima (PR) não vai deixar o mandato esta semana. O prazo para desincompatibilização termina na próxima sexta-feira, mas ele garante: ;Não vou abandonar o barco;. Wilson Lima vai abrir mão de uma vaga praticamente garantida na Câmara Legislativa para disputar as eleições indiretas e, assim, tentar continuar no cargo até dezembro. Ontem, o governador do Distrito Federal falou com exclusividade ao Correio. Foi a primeira vez que conversou com a imprensa desde a posse. Durante a entrevista, disse que vai lutar para ser eleito pelos parlamentares em 17 de abril e garantiu que, se permanecer no cargo até o fim do ano, não será candidato, nem apoiará qualquer concorrente nas eleições gerais de outubro.
O governador em exercício decidiu adotar a discrição como sua principal estratégia de governo. Para sair dos holofotes, evita proximidade com jornalistas, não participa de inaugurações e nem mesmo visita obras em andamento. Dessa maneira, Wilson Lima conseguiu retomar a normalidade dentro do governo. Se ficar no cargo até dezembro, sua prioridade será concluir as obras iniciadas durante a gestão de José Roberto Arruda. Mas revela que sua grande ;missão; é evitar uma intervenção federal em Brasília.
Wilson Lima confessa ter enfrentado muita resistência em sua família para assumir o cargo. Com um discurso repleto de referências religiosas, o governador em exercício acredita ter sido ;escolhido por Deus; para assumir o Executivo no momento político mais conturbado da história de Brasília e destaca que não vai ceder a qualquer tipo de pressão. ;Pretendo continuar trabalhando discretamente, sem dar publicidade aos meus atos. Calcei as sandálias da humildade.;
Sobre o reajuste aos servidores de diversas carreiras públicas, ele garante que o assunto foi muito bem analisado pelos técnicos do governo e assegura que os aumentos não colocam em risco o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). ;No primeiro bimestre, tivemos um superávit de R$ 617 milhões. Jamais faria alguma coisa que colocasse em risco o patrimônio público;, afirma. ;Não é benesse. Estamos apenas cumprindo os acordos que ficaram para o último ano. O problema acabou caindo no nosso colo;, justifica.
Mesmo diante da nova realidade, Wilson Lima continua no apartamento da família, no Gama, e mantém antigos hábitos, como a missa dominical e as aulas no curso de noivos de sua paróquia. ;Passei o domingo inteiro conversando com os noivos da minha igreja. Durante o curso, falo sobre a importância do matrimônio. Sou casado há 31 anos e sem a minha mulher eu não sou ninguém;, revela.
O senhor deixa o cargo até sexta?
Não vou abandonar o barco. Vou abrir mão de uma reeleição garantida à vaga de deputado distrital para permanecer no governo. Mas queria chamar o povo de Brasília e as lideranças políticas a uma reflexão. Muitas das pessoas interessadas em participar da eleição indireta estão de olho é na reeleição no fim do ano. Estou trabalhando para ser eleito nas eleições indiretas, mas deixando sempre bem claro que em outubro não serei candidato a nada, nem apoiarei nenhum candidato. Se eu saísse esta semana, o presidente do Tribunal de Justiça (Nívio Gonçalves) assumiria. Sei do trabalho e da competência do desembargador, mas o ramo dele é jurídico, e não político. Se eu sair agora, alguém vai assumir por poucos dias e, até pegar o traquejo, pode haver um colapso. Isso sim seria motivo para intervenção.
O que o senhor acha da participação de concorrentes de fora da Câmara Legislativa, como advogados e ex-ministros de tribunais superiores?
Não tenho nada contra, mas isso confundiu um pouco a cabeça dos deputados. O importante é destacar que, até agora, trabalhei com toda transparência. Não loteei o governo, não cedi a pressões, nem de deputados nem de partidos. Os ministros do STF já deixaram claro que o uso político de cargos poderia ser um argumento a favor da intervenção. E eu nunca vou usar o cargo para fazer trampolim político, para mim ou para qualquer outra pessoa. Se eu não for eleito (nas eleições indiretas), volto para a Câmara e termino meu mandato.
O seu partido, o PR, pode apoiar a candidatura de Joaquim Roriz. O deputado federal Jofran Frejat foi convidado para compor a chapa de Roriz. Qual será a sua postura, caso isso ocorra?
Após o convite, Jofran disse que só aceitaria se o partido referendasse. E as convenções do PR só vão acontecer em 28 de junho. Está cedo para desenhar o cenário político. Mas posso dizer que, caso o PR decida pelo apoio, eu vou ficar independente. Não vou me afastar para não correr o risco de ser cassado por infidelidade partidária. Mas certamente não vou fazer campanha para ninguém.
"Estou trabalhando para ser eleito nas eleições indiretas, mas deixando sempre bem claro que em outubro não serei candidato a nada, nem apoiarei nenhum candidato"
Como foi a chegada ao governo? Que problemas encontrou?
Eu vim para cá com uma missão. Eu não queria nem ser presidente da Câmara Legislativa, mas entendi que esse era um momento delicado para a Câmara e para a cidade. Então, apesar da resistência da minha família, dos meus filhos, assumi como presidente da Câmara com um mandato tampão. Jamais imaginei que haveria esses desdobramentos, mas com a renúncia do Paulo Octávio, acabei assumindo o governo. Tive que chegar, tomar pé de toda a situação e agir rápido em várias linhas para fazer o governo funcionar e contornar a crise. Só consegui assumir o cargo, em primeiro lugar, graças a Deus. Ele capacita os escolhidos. Fui escolhido por Ele e aceitei o desafio.
Qual foi o seu principal objetivo ao assumir o governo?
Minha missão era evitar uma intervenção federal na cidade. Quando saí da Câmara, muitos deputados me perguntavam se eu estava preparado, seu eu seria capaz de enfrentar o desafio. Com todo o respeito, preferi ficar calado e decidi responder apenas com atitudes. Deixei a imprensa um pouco de lado porque agir era muito mais importante do que falar. Sob ameaça da intervenção, eu não poderia ficar de braços cruzados. Em um curto espaço de tempo, consegui fazer uma minirreforma administrativa e dar continuidade às obras. Uma eventual paralisação traria um caos social para a cidade.
Como foi essa minirreforma administrativa?
Minha meta foi valorizar os técnicos e os secretários de carreira, em vez dos políticos. Das 20 secretarias, 17 são comandadas por técnicos. Com isso, melhoramos a qualidade e a celeridade dos trabalhos. Um fato inédito foi colocarmos uma pessoa de carreira na Secretaria de Segurança Pública. Consegui colocar um delegado (João Monteiro Neto, da Polícia Civil) no cargo, com um coronel da Polícia Militar como adjunto (Paulo Roberto Batista de Oliveira). Com isso, vamos melhorar a segurança e combater as drogas, como o crack, que segregam as famílias de Brasília.
Arruda prometeu entregar mais de duas mil obras. Há recursos para concluir todas elas? O que será priorizado?
Todas as obras estão sendo tocadas de acordo com o cronograma previsto. Temos metas a cumprir para garantir as contrapartidas previstas em acordos com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), por exemplo. Estamos cumprindo todas as metas para não perder recursos. Suspendemos algumas obras, como o Centro Administrativo (que seria construído em Taguatinga, para abrigar toda a estrutura do governo). Não vamos levar adiante porque não é nossa prioridade. Ficaria difícil para a população entender por que gastar tanto dinheiro em uma obra como essa, enquanto o cidadão está com buracos na rua. O projeto está pronto, se o próximo governo quiser, que leve adiante. Temos R$ 800 milhões no orçamento para concluir tudo que está em andamento.
O anúncio de reajustes a quase todas as categorias do funcionalismo público do DF e aos funcionários da área de segurança pública gerou mal-estar no governo federal e até mesmo no Planalto. Há recursos para isso?
Quando anunciei os reajustes, muita gente disse que a gente estava fazendo campanha política, até mesmo lideranças políticas e gente do Planalto falaram isso. Mas, na verdade, estávamos cumprindo compromissos. Provamos que estávamos dando aumento porque era fruto de acordo. Mas não vamos ultrapassar o limite prudencial (teto máximo de gastos do poder público com folha de pessoal) e vamos respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Nosso limite prudencial é de 46%. Com esses reajustes, vamos ficar em torno de 44%.
"Não consigo nem pensar em dormir atrás das grades ou em cama de cimento, por isso vou agir corretamente o tempo inteiro"
Quais categorias terão reajuste? Em média, de quanto será o aumento?
Com exceção dos médicos e dos enfermeiros, que já tiveram reajuste, todas as carreiras terão esse benefício. Tirando os odontólogos, os professores e os agentes de trânsito, que receberam aumento este mês, serão 27 carreiras beneficiadas. O reajuste é de uma média de 15%, em até dois anos. Apenas os comissionados vão ficar sem salário maior. Os R$ 44 milhões que gastaríamos com comissionados serão destinados aos servidores de carreira. Agora, temos que garantir direitos iguais a todas as categorias, senão gera ciúmes e greves. Queremos assegurar a manutenção da ordem. Os metroviários, por exemplo, pediram aumento enorme, de 210%. Quiseram tirar proveito da crise para negociar. Fomos duros com eles e fechamos em 19%. Tivemos um superavit de R$ 617 milhões no primeiro bimestre, o que nos dá ainda mais segurança.
O senhor foi criticado por nomear mais de 800 funcionários nas primeiras semanas. Por que um número tão alto de nomeações?
Não teve um aumento do número de funcionários porque fizemos nomeações e exonerações ao mesmo tempo. Estamos fazendo remanejamentos para dar mais qualidade ao trabalho. Separamos a Corregedoria da Secretaria de Ordem Pública para fortalecê-la. A Secretaria de Relações Institucionais foi extinta. Tudo isso requer mudanças no quadro de pessoal. Além disso, muitas das nomeações são de concursados que tomaram posse, como agentes penitenciários. São pessoas da carreira.
Qual a aposta do governo com relação aos 50 anos de Brasília?
Essa é uma comemoração ímpar na vida de Brasília e do Brasil. Somos a capital da República e temos que comemorar a transferência da capital para Brasília. Isso deu dinamismo e desenvolveu o Centro-Oeste. Quem nasceu ou cresceu aqui não pode deixar de comemorar. Temos que valorizar as pratas da casa, os artistas daqui. Com isso, dos R$ 30 milhões previstos, vamos gastar R$ 8 milhões.
O que mudou em sua vida desde que assumiu o governo?
Continuo morando no meu apartamentinho e faço as coisas que gosto. Domingo passado, por exemplo, passei o dia inteiro no curso de noivos da minha paróquia e falei a eles sobre a importância do matrimônio. Sou casado há 31 anos e sem a minha mulher eu não sou ninguém. Pretendo continuar trabalhando, sem dar publicidade aos meus atos. Calcei as sandálias da humildade e quero mais é ficar discreto. Estou zelando pelo meu nome, afinal é meu CPF e meu RG que estão na papelada que eu assino. Não consigo nem pensar em dormir atrás das grades ou em cama de cimento, por isso vou agir corretamente o tempo inteiro.
Visão do Correio
Importante garantia
A garantia de não tentar a reeleição em outubro alça o governador interino Wilson Lima a um outro patamar. Se comprometendo a, uma vez escolhido na eleição indireta marcada para 17 de abril, não ser candidato no pleito de outubro ; quando a população escolherá o chefe do Executivo pelos próximos quatro anos ;, Wilson surge como o nome adequado para, pelas vias normais e legais, preencher o vácuo de poder e concluir o atual mandato.
Para que o DF fique longe da ameaça de intervenção, a eleição indireta não pode servir de trampolim para objetivos pessoais e eleitoreiros, enfim, para o populismo de última hora. Ao assumir o compromisso de concluir o mandato tampão e não concorrer em outubro, Wilson Lima assegura condições de continuidade ao curso normal da sucessão, sem ingerências políticas que possam comprometer o processo político no DF.