A criminalidade avança na capital do país. Balanço de violência divulgado ontem pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal apontou crescimento em 14 dos 22 crimes tipificados pelo órgão na comparação entre 2008 e 2009. Delitos considerados graves, como homicídio e sequestro relâmpago, estão entre o que mais aumentaram no período. O crack, tratado pela primeira vez por um titular da pasta como epidemia, aparece como um dos vilões para o resultado ; as apreensões subiram 175%. A ponto de o governo local anunciar o lançamento de uma campanha publicitária de combate à droga.
A divulgação dos números, ocorrida com três meses de atraso, mostraram que as estatísticas gerais de criminalidade na capital do país caíram 0,6%. Houve 111.240 ocorrências registradas nas delegacias entre janeiro e dezembro de 2008 e 110.606 no mesmo período do ano passado. ;Tivemos uma redução nos dados gerais. Mas alguns crimes violentos subiram e representam preocupação. Vamos, ente outras ações, intensificar as operações;, afirmou o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, João Monteiro Neto.
A escalada da violência no Distrito Federal pode ser medida a partir da análise individual dos crimes. Os três delitos tipificados como contra a vida pela Secretaria de Segurança Pública do DF ; assassinatos, tentativas de homicídio e lesão corporal ; revelaram crescimentos. As mortes provocadas intencionalmente, por exemplo, subiram de 651 para 756 nos últimos dois anos (leia quadro). O aumento é de 16%, uma das variações mais altas do balanço. Há, entre eles, casos de repercussão na capital federal, mas ainda sem solução.(1)
Os assaltos a coletivos também desafiam as autoridades da segurança pública candanga. Os registros tiveram avanço significativo no período ao sair de 1.076 em 2008 para 1.599 no ano passado. A ascensão fez com que em janeiro deste ano o Governo do Distrito Federal (GDF) investisse no monitoramento eletrônico dos veículos. A instalação dos 2.850 kits, cada um com duas câmeras de vídeo e uma unidade de gravação digital, será finalizada até o fim do primeiro semestre. A meta é reduzir os índices de roubos em 90%, mas a possível queda só será conhecida no próximo balanço de criminalidade.
Os dados também chamaram a atenção para o retorno de crimes até então pouco atraentes aos bandidos atuantes no DF. Roubos de carga, a banco e a casa lotérica, perto de zero no meio da década, voltaram a incomodar motoristas, usuários de caixas eletrônicos e comerciantes. Os assaltos a loterias triplicaram ao pular de nove para 27 casos entre 2008 e 2009. ;Os crimes são cíclicos. Deslocam-se de uma área para outra, à medida que a polícia ataca determinada modalidade criminosa com mais ênfase;, explicou Monteiro.
Apesar de não divulgar as estatísticas por cidade, o balanço da Secretaria de Segurança Pública do DF apontou Ceilândia, Samambaia e Santa Maria como os locais com a maior quantidade de registros nas delegacias. ;Existe uma oscilação na criminalidade de cada região. Não podemos dizer que uma é mais violenta que a outra. Os dados podem mudar de um mês para o seguinte;, justificou o diretor da Polícia Civil do Distrito Federal, Pedro Cardoso. Ele também participou da coletiva, ao lado do tenente-coronel Jailson Ferreira, chefe do Departamento de Estatística do órgão.
Diminuição
Para o secretário Monteiro, o aumento nos números da criminalidade também tem relação com a defasagem nos quadros de servidores da segurança pública. Não há reforço nas corporações desde os anos 1990, o que provoca problemas no policiamento por conta de aposentadorias, mortes em serviço e mudanças de profissão. Segundo ele, existe um planejamento para, por exemplo, aumentar em 50% a quantidade de agentes da Polícia Civil. ;Para os próximos meses, serão concluídos concursos com cerca de mil vagas para a PM e 400 para a Polícia Civil;, disse o secretário.
Apesar das dificuldades estruturais, o levantamento da Secretaria de Segurança Pública do DF mostrou queda em oito crimes. Entre os principais deles, latrocínio (roubo com morte) e assaltos em comércio e a posto de combustível registraram diminuição nos índices de violência a partir da comparação das ocorrências de 2008 e do ano passado. Quatro das cinco modalidades de furtos ; de/em veículo, em residência e diversos ; também tiveram redução no mesmo período.
Mistério
O triplo homicídio ocorrido em 28 de agosto do ano passado na 113 Sul está há sete meses cercado de incertezas. O casal de advogados José Guilherme Villela, 73 anos, e Maria Carvalho Mendes Villela, 69; e a governanta da família, Francisca Nascimento da Silva, 58, perderam a vida ao receberem, ao todo, 77 facadas. Morreram no apartamento dos Villela. A apuração do caso segue por conta da Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida).
Campanha contra a droga
O balanço divulgado pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal também serviu para confirmar o avanço do crack na capital do país. As apreensões da substância derivada da cocaína e de alto poder de destruição aumentaram em 175% nos dois últimos anos. Policiais civis e militares tiraram das mãos de traficantes e usuários 4,3kg da droga em 2008 e 11,9kg em 2009. ;O crack é um problema seríssimo, que tomou conta da cidade. Depende da união de vários órgãos, ainda mais que apresenta características endêmicas;, afirmou o secretário de Segurança Pública do DF, João Monteiro Neto.
Ele aproveitou a coletiva de ontem para revelar o lançamento de campanha publicitária contra o tráfico e o uso de crack no DF, a exemplo de Porto Alegre (RS) e de Salvador (BA). A iniciativa ocorre um ano e meio depois de série de denúncias publicadas pelo Correio (leia memória). A responsabilidade está por conta da Secretaria de Comunicação do DF, que deve finalizar o trabalho na próxima semana. ;O governo está desenvolvendo o conceito da campanha, que esperamos contar com o apoio dos veículos de comunicação;, afirmou o secretário de Comunicação do DF, André Duda.
Para o diretor da Polícia Civil do DF, delegado Pedro Cardoso, o avanço da venda e do uso do entorpecente no DF e no Brasil se explica pelas próprias características dele. Entre elas, o poder viciante da substância, capaz de causar dependência ao ser experimentada. ;O preço é baixo e a ocultação, fácil. É uma droga complexa, que exige preocupação específica;, explicou. O crack está hoje presente em Ceilândia, em Taguatinga, em São Sebastião, no Plano Piloto, nas áreas rurais do DF e em vários municípios goianos do Entorno.
Enquanto a campanha do GDF não entra em vigor, o DF conta com duas iniciativas do ponto de vista da saúde pública na luta contra o avanço do crack. Além dos dois centros de Assistência Psicossocial para Usuários de Álcool e Outras Drogas (CAPSad) em funcionamento, o projeto Rua da Vida combate o problema em pontos específicos da capital. O programa, do Núcleo de Acolhimento aos Usuários de Álcool e Drogas (Nauad), estreou em 2 de março. Servidores de vários órgãos do governo local vão às ruas para oferecer cuidados e tratamentos dos mais diversos. Entre eles, de dependência química.
Memória
Série de reportagens
O Correio publica série de reportagens sobre a epidemia do crack no Brasil e no Distrito Federal desde dezembro de 2008. As primeiras revelaram que a área central da capital, como os setores Comercial e de Diversões Sul (Conic), estava tomada por traficantes e usuários da droga. Em 9 de janeiro do ano passado, o jornal mostrou que o comércio do crack avançava sobre a Asa Norte. Em 2 de janeiro deste ano, o Correio voltou a mapear a Asa Norte e identificou pelo menos seis pontos de comércio e uso do entorpecente. Nos dias 11 e 17, o jornal descreveu o avanço da droga na áreas rurais e urbanas do Entorno do DF, além de São Sebastião. A última reportagem sobre o tema foi publicada em 22 de março, quando números do Centro de Assistência Psicossocial para Usuários de Álcool e Outras Drogas (CAPSad), no Guará, reforçaram que o consumo de crack na capital se tornou problema de saúde pública.