Cidades

Sumiços em Luziânia são corriqueiros e tratados como fatalidade pelas autoridades policiais

Desaparecimento de seis adolescentes só chamou a atenção das autoridades pela ação das mães

Naira Trindade
postado em 02/04/2010 08:10
Sem políticas públicas preventivas, ocorrências de desaparecimentos de crianças e adolescentes em Luziânia ; cidade goiana distante 66km de Brasília ; se tornam rotineiras. Desde o sumiço de Diego Alves, 13, primeiro de uma série de seis jovens que desapareceram misteriosamente no Parque Estrela Dalva há três meses, pelo menos outras 18 pessoas deixaram os familiares sem notícias do paradeiro. De 19 desaparecidos, sete retornaram para casa espontaneamente após perceber o desespero causado aos parentes. Outras três crianças de 10, 11 e 12 anos, que abandonaram seus lares para dormir ao relento da Rodoviária do Plano Piloto, foram encontradas pela Polícia Civil do Distrito Federal e levadas aos pais, no município goiano. Nove casos investigados pela Polícia Civil de Goiás, sendo que seis deles com o apoio da Polícia Federal, continuam sem solução.

O desaparecimento de seis adolescentes de idades entre 13 e 19 anos, no Parque Estrela Dalva de 30 de dezembro de 2009 até 22 de janeiro deste ano, foi o episódio mais conhecido. Apesar dos holofotes terem se voltado para Luziânia, no mesmo período em que os seis jovens sumiram, outras pessoas continuavam a passar dias fora de casa sem avisar porque esqueceram-se de deixar recado, estavam insatisfeitas com a vida que levaram ou por pura aventura. Além das mães dos seis adolescentes que juntas dividem o mesmo drama de não mais falar com os filhos, saber como andam e o que fazem ou o que fizeram com eles, outras três mulheres lamentam todos os dias por não poderem abraçar os herdeiros e nem contarem com o apoio conquistado pelas mães dos jovens do Estrela Dalva.

Novos casos
A merendeira escolar Neuza Alexandre dos Santos, 45 anos, procura pela filha Liliane Maria Alexandre, 25, desde 1; de fevereiro. Na tarde daquela segunda-feira, a jovem teria saído de casa, no Jardim Ingá ; distrito a 17km de Luziânia ; após receber um telefonema, que teria durado cerca de quatro minutos. Ansiosa e apreensiva, a moça teria chamado a tia Iolanda Maria Alexandre, 27, para acompanhá-la. ;Ela disse que iria resolver um problema. Eu fiquei com medo de ser responsabilizada pelos problemas dela. Não quis saber o que era e não fui;, conta a tia, chorando. Então, a jovem saiu sozinha. Estava de bermuda, blusa justa ao corpo e chinelo. Não deixou recados afixados na geladeira, como de costume, nem levou roupas ou documentos. ;O tempo passa e ela não aparece. Nenhum telefonema, nenhum contato. É muito triste aguardar por notícias;, lamenta o motorista Ismael Ferreira dos Santos, 45, pai da jovem.

Alguns dias depois do sumiço da jovem, familiares do namorado dela, Igor Wendell Costa da Silva, 24, também procuraram o Centro Integrado de Operações e Segurança (Ciops) para registrar ocorrência do sumiço dele em 3 de fevereiro. Os familiares de Igor não quiseram comentar o caso.

No último dia 20, o calvário de procurar por notícias do filho começou na família Éric dos Santos, 15 anos. O adolescente teria saído de casa no Parque Industrial Mingone para dar aulas em uma escola no mesmo bairro e não retornou desde então. Segundo a mãe, Benildes dos Santos, 50, ele não teria levado roupas nem documentos. No entanto, segundo a auxiliar de produção, o menino introvertido teria dito ao treinador de futebol, dias antes de ser dado como desaparecido, que tinha vontade de sair de casa. ;Ele é muito sério e nunca me deu trabalho. Se alguém estiver acobertando ele, que peça para ele voltar;, suplica. Há 10 dias os familiares aguardam alguma notícia.

Nada muda
;Desde que os seis adolescentes sumiram não houve mudança nas ações preventivas. As políticas públicas continuam nulas. Os casos são tratados simplesmente como se fossem meras ocorrências, fatalidades;, critica o promotor do Ministério Público,Ricardo Rangel. ;A política do Entorno é a do confronto. Aqui, a Secretaria de Segurança Pública deixa de ser omissa para ser protagonista. Não há investigações policiais. Trabalhei aqui há 10 anos e fiquei decepcionado em voltar e ver o quanto o serviço piorou. Não houve uma mudança, tanto no aspecto repressivo quanto no preventivo;, denuncia.

O titular do Departamento Judiciário de Goiás, Josuemar Vaz de Oliveira, defende a ação dos policiais civis. ;A Polícia Civil não atua preventivamente. Só quando há crimes. A questão social de Luziânia é muito precária. A sociedade carece de infraestrutura, escolas, empregos. Um dos meninos que fugiram de casa já havia saído outras seis vezes. A polícia sofre com as consequências do Estado;, ponderou.

"Ele é muito sério e nunca me deu trabalho. Se alguém estiver acobertando ele, que peça para ele voltar"
Benildes dos Santos, mãe de Eric dos Santos, 15 anos, desaparecido em 20 de março deste ano

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