postado em 05/04/2010 07:20
; Naira Trindade; Juliana Boechat
; Olívia Meireles
Os temporais dos últimos quatro dias ultrapassaram o esperado para todo o mês no Distrito Federal. E as pancadas de chuvas fortes vêm castigando vários pontos do DF, especialmente a Asa Norte. No último sábado, uma enxurrada invadiu o estacionamento do Condomínio Green Park, na 911 Norte, poluiu a água potável consumida pelos moradores e deixou 26 veículos submersos. Ontem, os condôminos contabilizaram os prejuízos e limparam a sujeira espalhada por todo o local. O Instituto Nacional de Meteorologista (Inmet) registrou 43,6 milímetros de chuva de sábado para domingo. O índice é o terceiro maior computado pelos meteorologistas este ano.
O muro lateral ; de 600m de comprimento ; do Condomínio Green Park não resistiu à força da água que desceu do Parque Ecológico Burle Marx. Uma fenda se abriu, dando passagem à lama que invadiu toda a garagem dos prédios. Bastou apenas uma hora para o estacionamento ficar complemente tomado. Vinte e quatro carros de diferentes marcas e modelos ficaram cobertos pela lama. Duas motos também foram atingidas. Em alguns pontos, a água chegou a 1,2m de altura. Morador de um flat, o psicólogo Antônio Isidro Filho, 30, ainda tentou tirar o automóvel. ;Eu saía para a academia, às 18h (de sábado), quando percebi o princípio de alagamento. Corri em casa para pegar uma proteção para não sujar os pés e, quando desci novamente, tudo já estava coberto;, contou. O prejuízo dele é de pelo menos R$ 13 mil. Sem seguro do veículo, Antônio vai tentar reaver o conserto com a seguradora do condomínio.
Os 670 apartamentos do Green Park ; que possui uma área de 6 mil m2, divididos em 10 blocos ; estão dentro da garantia de solidez e segurança, que é de cinco anos. Hoje, uma equipe técnica da Soltec Engenharia, empresa responsável pela construção, fará uma vistoria para verificar os estragos causados pelas chuvas. ;A Soltec vai reparar os danos. Uma vala para escorrer águas das chuvas será feita na lateral. O muro será reconstruído e o local, limpo;, disse o proprietário da empresa, Adalberto Valadão.
Na manhã de ontem, os mais de mil moradores do condomínio não tinham água potável para beber, fazer almoço ou simplesmente escovar os dentes. A caixa de água foi afetada. ;Vou tomar banho na casa da minha namorada;, disse o advogado Heitor Lins. O morador do apartamento 11, do Bloco H, teve de assinar um termo se responsabilizando a não entrar no flat interditado pela Defesa Civil. ;A medida foi tomada pois, com a queda do muro, a segurança dele poderia ficar comprometida;, explicou o síndico Arnaldo Alves Batista, 52 anos. Quarenta e quatro vagas na garagem também foram interditadas.
Problema antigo
Em novembro de 2009, o Correio publicou reportagem sobre os problemas de enchentes naquela região. ;A drenagem pluvial é insuficiente ou inexistente em alguns pontos da Asa Norte. Então, a água que não é absorvida pela terra para o lençol freático, corre por cima dela e traz estragos;, explicou Valadão. Um contrato assinado com a Comissão Andina de Fomento (CAF), no ano passado, previa recursos para obras de drenagem de águas pluviais em todo o Distrito Federal este ano. O projeto, chamado Águas do DF, custaria US$ 100 milhões (cerca de R$ 200 milhões), sendo 20% de contrapartida do GDF. O Correio não conseguiu ontem contato com a Secretaria de Obras para acompanhar o andamento do processo de financiamento.
Os constantes alagamentos preocupam o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). ;As áreas pavimentadas têm aumentado, como, por exemplo, em faculdades com estacionamentos enormes e colégios com quadras esportivas;, diz o superintendente do órgão, Alfredo Gastal. ;Tentamos intervir no início das obras (na 911 Norte), mas fomos vencidos pela ambiguidade na legislação;, completou, lembrando que a área não era destinada a prédios residenciais, mas à construção de igrejas e de colégios. ;A Asa Norte precisa de um novo estudo de ocupação, pois cresceu o número de estacionamentos e as tendências climáticas são preocupantes;, ressaltou.
Em quatro dias de abril, o Inmet registrou 132,4mm de chuva contra 123,8 mm previstos para todo o mês (veja quadro). Além de causar transtornos na vida da população, a quantidade de chuva influencia na geração de energia por parte da Companhia Energética de Brasília (CEB). Segundo o diretor da CEB Geração, Elias Brito, as três máquinas da hidrelétrica do Lago Paranoá estão funcionando. Ainda assim, o lago está 64cm acima do nível registrado no mesmo período dos anos anteriores. ;Deveria ser de 999,91m em relação ao nível do mar. Mas estamos com 1000,55m;, ressaltou. Das 8h até as 15h30 de ontem, a água havia subido 3cm, mesmo com o funcionamento dos três geradores. ;Estamos economizando água para a época da seca;, explicou Brito. Segundo o meteorologista Manoel Rangel, as chuvas fortes devem continuar até amanhã.
; Acidentes e novo caos
O temporal de ontem dificultou o trânsito em alguns pontos do Distrito Federal e provocou acidentes. Pelo menos 20 veículos se envolveram em colisões com vítimas durante a tarde. No Paranoá, pouco depois da barragem, sete pessoas ficaram feridas em uma batida entre um Honda Fit prata (placa JGJ 7224-DF) e um Uno azul (JHG 9579-DF). Duas crianças acabaram gravemente machucadas, segundo o Corpo de Bombeiros.
Na BR-060, perto de Samambaia, três carros bateram. Cinco pessoas ficaram feridas, duas em estado grave. Giovana Geiser, 9 anos, teve suspeita de traumatismo e fratura em vértebras da coluna. Daiane Capristo Pereira, 25, sofreu fratura no braço esquerdo, no fêmur direito, escoriações e trauma abdominal. A rodovia que liga Brasília a Goiânia (GO) ficou bastante congestionada no fim da tarde.
Muitos motoristas pararam no acostamento da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia) para esperar a chuva passar. Na 716 Norte, o trecho próximo a supermercados ficou completamente alagado. Os condutores deram marcha a ré nos veículos e fizeram manobras arriscadas para fugir do caos.
Colaboraram Ary Filgueira, Diego Amorim e Leilane Menezes
; Palavra de especialista
Fatores que influenciam
;Com a ocupação territorial cada vez maior e a grande quantidade de lixo jogada nas ruas, as galerias subterrâneas ficam entupidas e a área de infiltração da água da chuva no solo diminui. Com o passar do tempo, os problemas de alagamento e as enchentes tendem a ficar cada vez mais comuns. Enfrentar esses problemas será o desafio das cidades no século 21. A construção do Bairro Noroeste pode, sim, ter influenciado os estragos causados na 911 Norte. Mesmo com o asfalto poroso, que o governo promete colocar na região, a área de impermeabilização diminui em relação ao verde que existia em anos anteriores. Uma forma de resolver esse problema para os próximos 30 anos é realizar um planejamento urbano sério e reestruturar a coleta de águas pluviais de Brasília, que, em pouco tempo, estará ultrapassada.;
Diego Pereira Lindoso, pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB)