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Pioneira reúne parentes e amigos em ponto histórico para comemorar os 85 anos

postado em 05/04/2010 09:24
Clara Luz não lembra a última vez em que chorou. ;Chorar pra quê? Tudo se resolve;, diz a mulher que hoje completa 85 anos. O nome de batismo dela é Clarestina Maria de Jesus. Mineira de Bambuí, chegou a Brasília em 1957, antes da inauguração da cidade. Teve três maridos, três filhos (a mais velha já faleceu), cinco netos, dois bisnetos. ;E vários amantes;, completa ela, cochichando. Com um sorriso que nada nem ninguém lhe tiram do rosto, essa pioneira reuniu a família e os amigos ontem, domingo de Páscoa, para celebrar mais um ano de vida.

A mineira Clara Luz chegou a Brasília em 1957. Celebrou o aniversário ontem com os filhos e netosO local da festa tem uma das vistas mais belas do Distrito Federal e guarda um pouco da história da construção da nova capital. Em uma casinha simples, de tijolo e madeirite, acima da barragem do Paranoá, funciona uma churrascaria onde o ex-presidente Juscelino Kubitschek aparecia com frequência. O lugar foi fechado ontem ;por motivo de um evento;, dizia a faixa pendurada na entrada. Era um grande evento. Clara Luz, nome artístico de Clarestina, chegou em cima de uma carroça, sob aplausos e assobios(1) dos convidados. Como boa artista, ela não perde a chance de surpreender.

Ao meio-dia, o restaurante estava lotado. Fila para abraçar a dona da festa e para fazer o prato. Sobre a mesa: arroz, feijão tropeiro, farofa, vinagrete e churrasco. Mais à frente, para a sobremesa, pé de moleque, rapadura e frutas. O almoço varou a tarde chuvosa, acompanhado de engradados de cerveja, litros e mais litros de refrigerante e garrafas de vinho. Modas de viola, músicas brega e sertaneja embalaram a trilha sonora dos 85 anos de Clara.

Serelepe, a aniversariante só parou para comer depois das 13h, após insistência dos convidados. ;A vida é feita de momentos. Não existe nada eterno. Este momento aqui é único;, ensinava a filha de operários que se instalou em uma casa na 712 Sul, onde mora até hoje. Clara fazia questão de explicar uma a uma as imagens pregadas nas paredes da churrascaria. ;Essa aqui é quando ainda existia uma cachoeira neste lugar onde estamos, antes de construírem a barragem;, contava.

Foi Clara quem escolheu o lugar da festa. ;Esse restaurante é um dos primeiros de Brasília. Gosto de simplicidade. A beleza da vida está nas coisas simples, como isso aqui. Não gosto de sofisticação;, justificou. Há 10 anos, o jeito simples dessa pioneira conquistou o diretor de teatro Túlio Guimarães, que topou coordenar um grupo para mulheres acima de 55 anos. ;Esta mulher é uma das melhores atrizes dessa cidade, sem dúvida;, disse ele.

Junto com os elogios, os presentes iam se acumulando: colares, perfumes, cremes para o corpo. ;Escreve aí: sou a mulher mais feliz do mundo. Sem demagogia, sou mesmo;, pedia. A alegria de Clara contagia a neta Daniela Cristina Braga, 19 anos. ;Ela está sempre assim, de bem com a vida. Acho que puxei a ela;, disse. ;Se eu conseguir ter metade dessa energia um dia, terei que agradecer;, completou o filho de Clara, o servidor público Benoni Braga Júnior, 51.

Aos 85 anos, a aniversariante convive bem com a diabetes e a artrose no joelho esquerdo. ;Estou ótima de saúde. Com minha bengalinha, vou longe;, disse. ;Herdei a coragem da minha mãe. Ela me ensina que a gente tem que enfrentar a vida para vencer;, comentou a aposentada Worlinda Serradourada, 57 anos. Em um domingo de Páscoa, Clara Luz deu exemplo de ressurreição vivida a cada dia. ;Aprenda isto: a essência da vida está nos momentos;, repetia ela.

1 - Teatro
Além de ser uma das estrelas do grupo de teatro Viva a Vida, Clara Luz está sempre presente nos protestos políticos da cidade, incluindo os mais recentes, após o estouro da operação Caixa de Pandora. No carnaval, não perde um Pacotão.

Para saber mais

Visitas do presidente
A Churrascaria Paranoá fica acima da barragem de mesmo nome, a cerca de 30 km do centro de Brasília. Surgiu em 1956, como cantina para operários e engenheiros que trabalharam na construção da nova capital. Era visitada toda semana pelo então presidente Juscelino Kubitschek (foto). Pioneiro de Brasília, o paulista Gomes Calixto dos Santos transformou o lugar em restaurante, hoje comandado pelo filho, Fábio dos Santos. Calixto trabalhou na empresa contratada para erguer a barragem do Paranoá.

Para conservar a história da churrascaria, Fábio procura apoio de empresários da cidade para revitalizar o lugar, sem tirar a originalidade dele. A estrutura atual está com o estado de conservação ameaçado. O forro ainda é de madeira ipê. A cozinha conserva uma pedra de mármore, usada para o corte de carnes. A churrascaria é considerada a primeira do Distrito Federal. Interessados em ajudar podem ligar para o Fábio, no celular 9805-7822.

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