Cidades

Luziânia tem alto índice de crimes sem solução

Levantamento do Ministério Público do município, ao qual o Correio teve acesso, mostra que, das 130 mortes por violência ocorridas em 13 meses na cidade, apenas 10,7% foram desvendadas até agora

postado em 06/04/2010 08:26
Leandra, irmã de Amadeu Soares, assassinado em janeiro do ano passado, diz que familiares nunca receberam sequer uma visita de policiaisA falta de respostas sobre o desaparecimento de seis jovens em Luziânia, município de Goiás localizado a 66km de Brasília, não é o único motivo de críticas sobre as autoridades policiais goianas. Levantamento inédito feito pelo Ministério Público da cidade somente sobre os casos de homicídios e latrocínio (quando se mata para roubar) ocorridos naquela comarca em um período de 13 meses, ao qual o Correio teve acesso com exclusividade, coloca ainda mais em dúvida a eficiência da polícia local. Os dados comprovam que, entre o começo de 2009 e o deste ano, a Polícia Civil só conseguiu resolver crimes dessa natureza porque foram em flagrante. De acordo com o MP, das 130 mortes por violência registradas no Instituto de Medicina Legal (IML) da cidade, nesse período, apenas 14, ou 10,7%, foram solucionadas.

O levantamento foi realizado a partir de uma desconfiança do Ministério Público de Luziânia sobre o serviço de investigação policial realizado no município. O MP notou, em seu controle interno, que poucos inquéritos policiais (IPs) abertos nas duas delegacias do município viraram ações penais. Para entender o motivo de tanta demora na conclusão dos casos, a promotoria solicitou que o IML fizesse um relatório com a lista de vítimas de crimes violentos ocorridos em 13 meses.

Para chegar a essa constatação, o Ministério Público cruzou os dados do IML com as listas de inquéritos encaminhadas pelo Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciops) e pela 5; Delegacia Regional de Polícia, ambos de Luziânia, ao MP. Nas duas relações, constavam apenas 114 inquéritos para apurar somente os casos de vítimas de latrocínios e homicídios (1) ocorridos no período analisado, sendo que 100 continuam em apuração.

O MP obteve a constatação de que 16 corpos examinandos no IML não tiveram nem sequer inquérito policial aberto, em nenhuma das duas delegacias, para investigar a causa das mortes. O MP classifica a situação como de ;calamidade pública;. ;Falta de investigação não se dá por acaso. É política de estado não investigar, porque prefere o confronto com os bandidos;, criticou o promotor de Justiça de Luziânia, Ricardo Rangel.

;O que aconteceu? Cadê esses inquéritos?;, questionou.

O baixo número de crimes resolvidos não foi o único problema identificado pelo MP. A pesquisa constatou ainda outras falhas ocorridas no curso das investigações realizadas pela polícia de Luziânia. Uma delas é a ausência de laudo de autópsias feitas em corpos de pessoas que morreram vítimas dos crimes violentos. O exame é de fundamental importância para a conclusão do inquérito, mas não ocorreu com, pelos menos, 15 cadáveres.

Investimento
Para o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado de Goiás (Sinpol-GO), Silveira Alves de Moura, a ineficiência da Polícia Civil não é uma realidade somente de Luziânia, mas de todo o estado. Para o sindicalista, a causa é a falta de estrutura na segurança pública. ;Temos um deficit de 2 mil policiais civis nos quadros da corporação em Goiás;, afirma. ;Tem recurso, mas o governo não sabe como utilizá-lo. No ano passado, o Ministério da Justiça repassou R$ 58 milhões para serem investidos no setor, principalmente na região do Entorno. Porém, R$ 45 milhões foram devolvidos ao mesmo ministério porque a Secretaria de Segurança não conseguiu apresentar projetos para gastá-los;, acusa Silveira.

Em entrevista ao Correio, ontem, por telefone, o chefe do Departamento de Polícia Judiciária de Goiás, o delegado Josuemar Vaz de Oliveira, disse saber do atraso e acúmulo dos inquéritos policiais de Luziânia. Ele, no entanto, anunciou que a Polícia Civil de Luziânia terá reforço de 20 delegados, 75 agentes e 45 escrivães. A previsão é que eles estejam incorporados ao quadro de servidores daquele município até o fim deste mês. ;Sabemos do problema. Mas, com as contratações, daremos mais agilidade às investigações;, afirmou o policial.

Durante toda a semana passada, até a publicação desta reportagem, o Correio procurou o secretário de Segurança de Goiás, Ernesto Roller, para repercutir os dados obtidos com o levantamento do MP de Luziânia. Mesmo após os insistentes recados com a assessoria de imprensa, o titular da pasta de Segurança não deu nenhum retorno.

1 - Prescrição
O Código Penal Brasileiro estabelece um prazo de 20 anos para a prescrição dos crimes contra a vida ; nos quais incluem-se homicídio e latrocínio. É obrigação do estado investigar crimes dessa natureza. O inquérito policial deve ser encaminhado em até 10 dias ao Ministério Público ; quando o acusado está preso ; e 30 dias ; quando o autor está em liberdade. O prazo pode ser prorrogado quantas vezes for necessário e a pedido do MP até que seja atingido o vencimento de 20 anos. Somente o juiz responsável pela comarca tem competência para arquivar o inquérito.


Respostas só sobre flagrantes
A população de Luziânia é a mais prejudicada com a lentidão e as falhas da Polícia Civil apontadas pelo Ministério Público local. Ambas foram identificadas pelo levantamento da promotoria, feito a partir dos relatórios do Instituto de Medicina Legal e das duas delegacias do município. Cerca de 100 inquéritos policiais, abertos entre janeiro de 2009 e o primeiro mês deste ano, estão empoeirados nas unidades policiais à espera de solução. O número só não é maior porque 14 casos, ocorridos nesse período, foram resolvidos, pois não havia o que investigar uma vez que a situação em que se deram era flagrante: quando vítima, autor e a arma do crime acabaram encontrados no local do crime.

Os familiares do desempregado Amadeu Farias Soares, 24 anos, por exemplo, esperam desde janeiro do ano passado que os acusados de matarem o rapaz sejam identificados e levados para a prisão. Mas admite que o fim do pesadelo, iniciado com a morte dele, em 18 de janeiro, está longe. Eles reclamam que nunca receberam nem sequer a visita de um policial e muito menos foram intimados a comparecer no Ciops de Luziânia, situado na Vila Guará, onde o boletim de ocorrência foi registrado. ;A polícia não fala nada. Não tem suspeito e, até hoje, não ouviu nenhuma testemunha. Não é possível que ninguém viu;, lamenta a irmã mais velha da vítima, a dona de casa Leandra Divina Farias Soares, 28 anos.

Leandra disse que Amadeu foi visto pela última vez perto de casa, na Quadra 59 do Setor Norte de Luziânia. O rapaz teria, segundo ela, discutido com dois moradores momentos antes de morrer. O corpo de Amadeu só foi encontrado dois depois, num domingo. Já o boletim de ocorrência, aberto na data seguinte. ;Se eles vieram aqui, saberão quem matou meu irmão;, desafiou ela.

"A polícia não fala nada. Não tem suspeito e, até hoje, não ouviu nenhuma testemunha"
Leandra Soares, dona de casa



Mães se mobilizam
Em meio a uma centena de inquéritos que deveriam investigar crimes contra a vida, mas encontram-se parados nos cartórios das delegacias de Luziânia, a Polícia Civil do município também está incumbida de apurar outros mistérios que rondam a cidade, como o desaparecimento de seis jovens de um mesmo bairro: o Parque Estrela Dalva. O primeiro a sumir foi Diego Alves Rodrigues, 13 anos, em 30 de dezembro de 2009.

A servidora pública Sônia Vieira Azevedo Lima, 45 anos, mãe de Paulo Victor, 16, que desapareceu quatro dias depois de Diego, sente um misto de angústia e alívio com a entrada da Polícia Federal no caso ; a corporação foi autorizada pelo então ministro da Justiça Tarso Genro, em 9 de fevereiro, a investigar o mistério. ;A gente fica descrente com a falta de empenho dos policiais daqui. Apesar disso, sabemos que não têm culpa, porque falta gente para trabalhar nas delegacias;, aponta Sônia. ;É por isso que pedimos a entrada dos federais no caso;, completa.

Mesmo com a ajuda da PF, as mães não vão descansar enquanto não encontrarem os filhos. Uma nova manifestação está programada para esta semana. Sônia e as outras cinco mães se reunirão hoje para decidir o dia certo. A ideia é fazer uma mobilização em frente ao Ministério Público de Luziânia para sensibilizar as autoridades judiciárias para que elas pressionem a polícia a informar em que pé estão as investigações.

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