postado em 06/04/2010 08:35
Atravessar o Eixão usando qualquer uma das 19 passarelas subterrâneas é um teste diário de paciência. Há anos, pedestres têm pelo caminho túneis escuros, pichados, malcheirosos e perigosos. A passarela da 102 Sul, próxima ao Hospital de Base e ao Setor Bancário Sul, é uma das mais movimentadas do Plano Piloto. Mesmo assim, inúmeras pessoas preferem se arriscar e encarar o fluxo intenso de carros para cruzar as pistas do Eixinho. ;De dia, não entro aqui porque é muito fedorento. Passar por aqui à noite? Nem pensar;, explica o estudante Thialison dos Santos, 18 anos, que aponta a insegurança e a falta de limpeza como principais problemas.A agente de vendas Rosângela Freitas, 35 anos, também evita a passarela. Ela geralmente apressa o passo para atravessar as pistas e se espreme no acostamento para chegar até a parada de ônibus. ;Prefiro me arriscar. Primeiro, é mais perto. Segundo, fico com medo de ser assaltada;, justifica. O local está cheio de goteiras.
Júlio César passa pela passarela todos os dias. O funcionário público de 52 anos relata casos de amigos assaltados em plena luz do dia. ;A gente vê ratazanas imensas por aqui. Com as chuvas desses últimos dias, ficou tudo alagado, ninguém podia passar;, reclama. Ele conta que tenta sempre passar pelas passagens acompanhado. ;A região já favorece o crime. Você corre um sério risco ao passar por aqui;, diz.
A situação é ainda mais grave na passarela que liga a 209/210 à 109/110 Sul. Fezes e urinas espalhadas nos cantos se misturam às poças remanescentes das chuvas. ;A gente nem sabe em que está pisando. Tenho mais nojo do que medo de passar por aqui;, afirma a depiladora Viviane Martins, 24 anos. Ela trabalha na 210 Sul e não tem como driblar a passarela.
A recepcionista Maria da Conceição Gonçalves é mais severa na crítica: ;Acho uma pouca vergonha a capital do país ter as passarelas nessas condições;. Ela defende caminhos alternativos e recomenda, se possível, jamais usar as passarelas após as 18h por questão de segurança. ;Depois disso, não me atrevo a entrar aqui.; Assim como outros pedestres relataram à reportagem, Maria da Conceição afirma nunca ter visto um policial na região. ;Me sentiria mais segura se houvesse policiamento. Nas quadras até tem, mas aqui, não;, afirma.
Asa Norte
Na Asa Norte, o cenário não é diferente. A estudante Roberta Resende, 28 anos, mora na 215 e fica indignada quando tem que entrar nos túneis empurrando o carrinho do seu bebê de colo. ;É uma imundice só. Chega a formar espuma quando chove, passam semanas e aquela água podre continua ali;, conta. Roberta usa a passarela pelo menos quatro vezes por dia ; ela leva e busca a filha mais velha na escola a pé. No entanto, evita entradas e saídas por segurança. ;Corto (o caminho) pelo gramado. As esquinas são completamente escuras.; À noite, o lugar vira terra de ninguém. ;Está tão depredado que nem parece Brasília;, lamenta.
O estudante Igor da Costa, 26 anos, transita pela passarela subterrânea da 207/208 Norte frequentemente. Seu principal temor são as curvas que dão acesso às entradas nos Eixinhos. ;Sempre que alguém é assaltado, ninguém vê. Nunca tem socorro perto e a polícia não passa por aqui;, afirma. A má conservação do local incomoda o aluno da UnB. ;As reformas duram muito pouco. Não há manutenção. É uma constante falta de segurança;, denuncia. Os estudantes Pedro Gomes e Brisa Goulart, ambos com 19 anos, preferem estar acompanhados na hora de cruzar a passarela. ;É melhor passar por aqui se você estiver com um grupo maior;, diz Pedro.
"Acho uma pouca vergonha a capital do país ter as passarelas nessas condições"
Maria da Conceição Gonçalves, recepcionista
Maria da Conceição Gonçalves, recepcionista
Eu acho...
;Falta iluminação, segurança. Nunca vejo policiais. E faltam adaptações para deficientes. Meu tio é deficiente visual e só pode passar aqui acompanhado porque, além de tudo, não há nem corrimão nem marcação no chão. A situação é sempre a mesma;
Maria Francisca Portugal, 30 anos, auxiliar de serviços gerais, com o tio João Evangelista Luz, 48 anos
Projetos no papel
Em 2007, o Departamento de Estradas e Rodagem do Distrito Federal (DER), órgão ligado à Secretaria de Transportes, desenvolveu um plano de reforma e repaginação para as passarelas do Eixão. As passagens subterrâneas seriam ampliadas e ganhariam vida comercial semelhante à existente na Galeria dos Estados, uma das 19 passarelas do eixo dorsal do Plano Piloto. ;Não seria apenas uma passagem, e sim um espaço, com lojas, postos policiais etc.;, explica o diretor-geral do DER, Luís Carlos Tanezini.
O projeto é parte do Programa de Transporte Urbano (PTU), do qual constam também a construção da ciclovia no Plano Piloto e de um canteiro central no Eixão. Mas o Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (Iphan) não aprovou o plano original por entender que alguns itens feriam o projeto urbanístico de Brasília. ;Contestamos, por exemplo, a ideia de alongar as passarelas até as quadras e invadir a área verde;, informou o órgão.
De acordo com o DER, nada foi feito por dois motivos. Primeiro, as obras seriam feitas com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid), mas o financiamento ainda não saiu. Segundo, falta um posicionamento do Iphan. Por sua vez, o Instituto alega que devolveu à Secretaria de Transportes o documento com as modificações propostas e que agora aguarda uma edição revisada do projeto para aprovação. ;No momento em que tudo for liberado, o DER será o agente das obras. Estamos aguardando;, afirma Tanezini.
Promessas
As soluções prometidas para incrementar a segurança são antigas. Em 2006, a Administração de Brasília, a Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central (Codeplan) e a Polícia Militar anunciaram um projeto de instalação de 80 câmeras de seguranças nas passarelas, iniciativa que nunca saiu do papel. Segundo a Administração de Brasília, o projeto avançaria paralelamente às obras de repaginação das passarelas, mas, até hoje, nenhuma câmera foi instalada.
ANÁLISE DA NOTÍCIA
Abandono inexplicável
Marcelo Tokarski
O descaso com as passarelas subterrâneas não vem de hoje, mas nem por isso deixa de ser gravíssimo. Utilizá-las pode colocar em risco a segurança, uma vez que esses locais não têm policiamento nem iluminação adequada, o que expõe os pedestres a assaltos ; essas passagens são comumente frequentadas, por exemplo, por usuários de drogas, como a famigerado crack. Por outro lado, ignorá-las e tentar atravessar os Eixos pode ser ainda mais arriscado.