Helena Mader
postado em 09/04/2010 09:43
Sonhar com um novo lar é rotina para as 158 crianças brasilienses abandonadas pelos pais biológicos. Enquanto isso, 427 famílias estão na fila de espera para a adoção. Essa é uma equação matemática que parece simples, mas infelizmente é quase impossível de ser resolvida. A maioria dos meninos e meninas que aguardam a chance de serem adotados tem mais de 5 anos, pele morena ou negra e foi vítima de violência doméstica ou sexual. Os candidatos a pais querem recém-nascidos brancos e saudáveis. A discrepância entre as crianças reais e aquelas imaginadas pelas famílias cadastradas deixa mais distante a solução do problema. Por isso, o número de adoções vem caindo. No ano passado, houve 180, número 32% inferior ao registrado em 2008 (265).Os dados foram divulgados ontem pela Vara da Infância e da Juventude (VIJ) e ainda não refletem as mudanças na lei da adoção ; que só entraram em vigor em novembro do ano passado. Para especialistas, as restrições impostas pelos próprios interessados em adotar são a principal causa da queda do número de inserções em famílias substitutas. Hoje, só existe uma criança menor de 2 anos cadastrada em Brasília para adoção. Já os maiores de 12 anos são 103, ou 65% do total. Atualmente, não há qualquer família interessada em adotar meninos ou meninas nessa faixa etária.
Em 62% dos 180 processos concluídos no ano passado, os pais não estavam inscritos no cadastro da VIJ. Essa era uma prática antiga no DF e no Brasil: a mãe interessada em entregar o bebê para adoção indicava a pessoa que ficaria responsável pela criança. Mas, com a Lei n; 12.010/09 (Leia O que diz a lei), o costume foi proibido. Só há três possibilidades em que os novos pais não precisam estar no Cadastro Nacional da Adoção: quando o interessado é padrasto ou madrasta da criança, quando é membro da família ou se tiver a guarda legal há mais de três anos.
O supervisor da Seção de Adoção da Vara da Infância e da Juventude, Walter Gomes, lamenta o interesse restrito das famílias habilitadas para acolher uma criança. ;O que precisamos fazer hoje é uma desconstrução da cultura da adoção no Brasil. Hoje, as famílias pensam apenas nos recém-nascidos, brancos e saudáveis. Mas a adoção tem que ser voltada para quem precisa;, defende Gomes. ;Enquanto isso, crianças com histórico de violência, de pele escura, adolescentes ou pessoas com necessidades especiais têm poucas chances de serem adotados.;
Bom exemplo
A advogada Fabiana Gadêlha, 32 anos, e o administrador Leandro Gadêlha, 29, são uma exceção. Pais biológicos de Valentina, 3, o casal se habilitou para adotar uma criança em 2007, com a condição de que ela tivesse até 3 anos e fosse saudável. No ano passado, Fabiana conheceu um grupo paulista que defende a adoção tardia e o acolhimento de crianças com deficiências.
;Percebi que a espera pela adoção é como uma gravidez. Quando a gente está grávida, enfrenta o risco de o bebê nascer com algum problema. Por que na adoção isso tem que ser diferente?;, questiona Fabiana. Em setembro passado, o casal adotou Miguel, que tem síndrome de Down. O menino tem hoje 1 ano e 3 meses. ;A adoção é um ato de amor, não é um ato humanitário;, ensina a mãe.
O que diz a lei
Principais pontos da Lei n; 12.010/09, que traz as novas regras da adoção:
# Na impossibilidade de permanência na família natural, a criança e o adolescente serão colocados para adoção.
# O Estado deve proporcionar assistência psicológica e médica à gestante e à mãe interessada em entregar seu filho para a adoção, no período pré e pós-natal.
# As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude.
# A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não deve ser superior a dois anos.
# A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência.
# Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta.
Cadastro Nacional tem 5,2 mil nomes
A diferença entre o número de crianças na fila de espera e a quantidade de pais interessados na adoção é grande no DF, mas a discrepância é ainda maior em todo o Brasil. Existem hoje 5,2 mil meninos e meninas no Cadastro Nacional de Adoção, enquanto 27 mil pais sonham com um filho. A lei da adoção foi criada para tentar acelerar o acolhimento pelas famílias substitutas, mas os primeiros impactos só serão registrados nos dados consolidados de 2010.
O chefe do Setor de Adoção da Vara da Infância e da Juventude (VIJ), Walter Gomes, conta que a cultura já começou a mudar. ;Praticamente acabaram os pedidos de adoção consensual, em que a família era indicada pela genitora, mas não estava habilitada. A partir de agora, vamos trazer para o contexto da mediação judicial toda e qualquer adoção. Assim, evitamos acolhimentos ao arrepio da lei e acabamos com a possibilidade de tratativas comerciais relacionadas à adoção. A Justiça e o Ministério Público passam a ser mediadores de toda e qualquer adoção;, explica Gomes.
Isso vai beneficiar principalmente os pais que estão na fila de espera, já que 70% dos recém-nascidos nem sequer chegavam a ser cadastrados. ;Com a nova lei, essas crianças terão que ser acolhidas sob as regras legais, longe da informalidade;, acrescenta o chefe do Setor de Adoção da VIJ. (HM)