Um ano e sete meses antes de conquistar a liberdade pelas mãos da Justiça, o pedreiro Adimar Jesus da Silva, 40 anos, passou por um exame criminológico. O resultado é revelador. O laudo detectou ;indícios sérios que favorecem a prática de delitos sexuais. Sinais de sadismo, uma perversão sexual em que a busca de prazer se efetua através do sofrimento do outro. Sinais de transtornos psicopatológicos também se fizeram presentes;.
O laudo é assinado por três psicólogos do Centro de Observação da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal. E foi feito a pedido da Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do DF. Na época não foi requisitado, nem os profissionais opinaram sobre a progressão de regime ou se o preso estava apto para o convívio fora dos muros da prisão. Exatamente um ano depois, um relatório que subsidiou a progressão da pena descreveu o mesmo homem de maneira completamente diferente: polido, coerente e sem sinais de doença mental.
O ;novo; homem aparece retratado no item 6 da nota divulgada ontem pela Vara de Execuções Penais (VEP). Segundo o documento (veja íntegra da nota no site www.correiobraziliense.com.br), antes de autorizar as saídas quinzenais de Adimar Jesus da Silva, em 31 de agosto de 2009 (veja cronologia do processo), levaram-se em conta dois relatórios anexados aos autos, um psicológico e outro psiquiátrico, datados de 11 e 18 de maio de 2009. O primeiro dava conta de que Adimar Jesus da Silva ;fora atendido outras duas vezes por psicólogo na penitenciária, bem como sempre se apresentou com polidez e coerência de pensamento e demonstrou crítica acerca dos comportamentos a ele atribuídos;.
O relatório psiquiátrico, segundo nota da VEP, informava ;que (Adimar) não demonstra possuir doença mental, nem necessitar de medicação controlada e que a continuidade de atendimento psicológico fica condicionada à avaliação de tal necessidade por parte do psicólogo do sistema prisional;. A nota não informa a autoria dos relatórios que subsidiaram a decisão do juiz. A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça explicou que seria preciso averiguar no processo, mas este já estaria com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. O MP, por sua vez, garante que os autos foram pedidos, mas continuariam em poder da VEP.
Antes de colocar Adimar Jesus da Silva nas ruas, a VEP recebeu parecer do Ministério Público. O Correio tentou ouvir o promotor que relatou o caso, mas a assessoria de imprensa informou que ninguém se pronunciaria a respeito. Também não indicou quem foi o promotor que opinou no processo de Adimar.
Contradição
A pedido do Correio, a psicóloga Sonia Prado, especialista em violência sexual, avaliou a possibilidade de dois pareceres tão diferentes num intervalo de tempo tão curto. Sonia Prado afirmou que, apesar da habilidade de manipulação por parte de psicopatas, não é possível haver dois laudos médicos com conclusões tão diferentes. ;Acho pouco provável que o segundo examinador tenha tido acesso ao primeiro laudo, ou mesmo feito uma investigação sobre o histórico do paciente.; A psicóloga explica que o conhecimento da primeira análise levaria o profissional a procurar uma terceira opinião ou estudar mais a fundo o quadro do paciente. ;Ele tomaria mais cuidado, especialmente com um paciente com diagnóstico de pedofilia;, acrescenta.
Sonia Prado explicou ainda que existem dois tipos de pedófilo: o abusador, que tem consciência do crime e sofre após ter relações com menores, e o molestador, categoria na qual se enquadraria Adimar Jesus. ;Além de cometer a pedofilia, o molestador tem traços de perversidade, não mostra arrependimento. Geralmente, são esses que se envolvem em crimes em série;, explica.
Respondendo às críticas por ter colocado em liberdade o homem que viria a confessar o assassinato de seis jovens, segundo a Polícia Civil de Goiás, a VEP afirmou em nota não ter praticado nenhuma ilegalidade. ;Ao contrário, verifica-se no presente caso a adoção das cautelas necessárias, mas, infelizmente, não há como antever que certos condenados agraciados com benefícios externos ou com a progressão para o regime menos rigoroso cometerão atos tão graves como os noticiados recentemente pela mídia;, diz o texto. A VEP destaca ainda que a atitude do sentenciado não deve resultar em prejuízo para as centenas de condenados que cumprem regularmente a sua punição.
Adimar Jesus da Silva foi preso em flagrante em 2 de novembro de 2005 e acabou condenado a 15 anos de reclusão. Recorreu da sentença e conseguiu, por maioria de votos, a redução da pena para 10 anos e 10 meses. O pedreiro foi avaliado em pelo menos quatro vezes, uma em 2006, duas em 2008 e uma em 2009. Em todas elas, obteve o conceito de ;bom comportamento;. Enquanto esteve preso, Adimar recebeu as visitas da mãe, de duas irmãs e um irmão e de dois sobrinhos.
Colaborou Ariadne Sakkis
Sonia Prado, psicóloga
Progressão Penal
A Lei de Execuções Penais (LEP) (Lei 7.210 de 11 de julho de 1984) estabelece as regras para reduzir a pena de um condenado. Cabe ao juiz da vara de execução penal decidir sobre a transferência do regime mais rigoroso para o menos rigoroso. Para ganhar esse benefício, o preso precisa cumprir alguns critérios. Ter bom comportamento carcerário, ter feitos trabalhos no presídio e ter cumprido 40% da pena, em caso de réu primário, ou 60% para reincidentes, são fatores levados em consideração pelo juiz para conceder o regime semi-aberto, prisão domiciliar ou regime aberto a um detento. Veja abaixo o que diz a lei e suas alterações:
A regressão da pena pode ser dada se o preso tiver cumprido ao menos 1/6 da pena no regime anterior e ter tido bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor da penitenciária. Em caso de crime hediondo, cometido depois de 29 de março de 2009, o reú primário deve cumprir 2/5 e o reincidente 3/5 da pena.
Não é mais exigido exame criminológico e parecer técnico para fundamentar a mudança de regime de um preso. A alteração no texto original da LEP consta na Lei 10.792, de 2003.
A decisão do juiz de reduzir a pena precisa ser acompanhada de manifestação do Ministério Público e da Defensoria Pública.
Só ingressa no regime aberto o condenado que estiver trabalhando no presídio, apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime.
O preso que trabalhar poderá diminuir o tempo de pena. A cada três dias trabalhados, é reduzido um dia.
O juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto. Determinar horário para voltar para casa, limitar a saída da cidade à concessão de autorização judicial e comparecer a vara para prestar contas são algumas das concessões previstas em lei.
Defensor conseguiu redução
Em entrevista exclusiva ao Correio, o defensor de Adimar Jesus da Silva no caso em que foi acusado e condenado por abusar sexualmente de dois menores de idade em 2005, afirmou que os familiares do pedreiro nunca acreditaram que ele tivesse molestado as crianças. ;Ele sempre se mostrou muito seguro e sempre negou os crimes. Parecia uma pessoa tranquila e equilibrada, de família;, lembra o advogado Eurípedes Freitas.
Quando da condenação de Adimar em 1; instância ; quando foi condenado a 15 anos ;, o advogado recorreu da decisão e, em 2008, conseguiu a revisão da pena para 10 anos e 10 meses de detenção. Ele conta que acabou não sendo pago pelos serviços. ;A família não teve condições de honrar os honorários. Acabei me compadecendo com os parentes, que são muito queridos e honrados.; Freitas disse que ficou chocado ao saber que o antigo cliente é o responsável pelos assassinatos dos garotos de Luziânia.
Ministro da Justiça quer revisão da lei
>>Edson Luiz
Depois do assassinato de seis jovens em Luziânia por um ex-presidiário beneficiado pelo regime de progressão de pena, o governo federal está estudando aprimorar a Lei de Execuções Penais para controlar os detentos que ganham liberdade e que necessitem de acompanhamento psicossocial. Ontem, o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, afirmou que não é necessário modificar a legislação, mas aprimorá-la. A mesma atitude deverá ser tomada no Legislativo, uma vez que parlamentares se movimentam para evitar novos casos como o do pedreiro Adimar de Jesus Silva, 40 anos, que confessou ter matado os rapazes sete dias depois de deixar a cadeia.
;A primeira impressão que temos é que faltam procedimentos para melhorar o controle dessas pessoas;, afirmou Barreto ao Correio. Segundo ele, uma equipe técnica do Ministério da Justiça começou a fazer um estudo para verificar os pontos falhos da legislação, principalmente no tocante a medidas preventivas. ;O que aconteceu foi uma falha na proteção social;, disse o ministro, que já havia criticado a falta de acompanhamento psicossocial de Adimar, que levou o pedreiro a matar os seis rapazes.
A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados também deve apresentar, ainda esta semana, uma proposta para obrigar a Justiça e o Poder Executivo a controlar os presos condenador por crimes hediondos que tenham direito a progressão de pena e estejam livres. Segundo o deputado Pedro Wilson (PT-GO), que acompanha o caso representando a comissão, mesmo que o detento tenha direito à liberdade é necessário que ele seja monitorado pelo Estado.
;Estamos à descoberto de medidas que mantenham um preso sob controle;, afirmou Pedro Wilson, explicando que é necessário uma reavaliação da atual legislação de execuções penais para evitar que ex-presidiários pratique novos crimes.;Temos que rever os procedimentos;, disse o parlamentar, que defendeu também outras medidas para que o ex-detento seja socialmente reinserido e não volte a cometer delitos, já que, segundo Pedro Wilson, não há processo de ressocialização no país.
O deputado também reclamou do tempo que a Polícia Civil de Goiás, com auxílio da Polícia Federal, levou para desvendar o crime, permitindo que o criminoso agisse com tranquilidade. ;Ele só parou de matar quando os casos começaram a aparecer;, afirmou Pedro Wilson. ;Se tudo fosse esquecido, ele voltaria e mataria mais. Fiquei perplexo pelo fato de que o celular que estava com ele ; de uma das vítimas ; só ter começou a ser monitorado muito depois;, acrescentou.