Cidades

Lei que trata da ressocialização e monitoramento de presidiários é completa, mas ineficiente

postado em 13/04/2010 07:42

Detentos em presídio de Águas Lindas: autoridades devem cuidar dos sentenciados dentro e fora da cadeiaA legislação brasileira determina que a reintegração de um preso à sociedade e a prevenção de crimes já cometidos por ele é um dever do poder público. A assistência a condenados, dentro e fora do sistema penitenciário, está previsto na Lei de Execuções Penais (LEP). Mas o que está escrito no papel, não se aplica na prática. A realidade das varas de execução penais é diferente do estabelecido em lei. Não há número especialistas psicólogos, psiquiatras, terapeutas funcionais, assistentes sociais ; em número suficiente para acompanhar os desdobramentos processuais de cada caso e auxiliar o juiz na concessão de mudança do regime prisional. A deficiência motiva questionamentos quanto a progressão de pena. Uma semana depois de ser solto, o pedreiro Adimar de Jesus da Silva, 40 anos, atraiu com uma promessa de emprego o primeiro dos seis garotos que matou em Luziânia, cidade goiana a 70km de Brasília.

A progressão de regime é defendida por juristas como um instrumento fundamental para promover a reinserção social do detento. Para o juiz Douglas Martins, da Vara de Execução Penal de São Luis (MA), o benefício é um estímulo para quem tem bom comportamento na cadeia, trabalha e demonstra interesse de voltar à convivência social. O mesmo não é aplicado aos detentos que tentam fugir ou agridem o colega. ;O que não cabe é discutir o fundamento da progressão. O problema está na falta de estrutura das varas de execução penal, que não tem técnicos suficientes para dar sustentação ao trabalho do juiz e o acompanhamento do preso dentro e fora do sistema. É lamentável que exista previsão legal, mas o número de técnicos seja insuficiente;, afirma o juiz.

O assassino confesso dos garotos do bairro Estrela Dalva não tinha antecedentes criminais até ser preso por abusar sexualmente de dois meninos em 2005. Como réu primário conseguiu que a sentença que o condenou a 15 anos em regime fechado fosse revista pelo Tribunal de Justiça do DF (TJDF) e reduzida a 10 anos e 10 meses. À época, não foi levantada suspeita sobre possíveis desvios psicológicos do criminoso. No tempo em que permaneceu preso, Adimar tinha um bom comportamento na prisão e trabalhava. Ele foi seguindo à risca os critérios de concessão para transferência para os regimes menos rigorosos , resultando na soltura, em dezembro do ano passado, pelo juiz substituto do TJDF Luis Carlos de Miranda.

Reincidência
Para decretar a liberação do serial killer, o magistrado não precisou ser amparado por laudos médicos ; apesar de um laudo emitido em 2008 apontar os problemas psicológicos de Adimar. Uma alteração na Lei de Execuções Penais retirou, em 2003, a obrigatoriedade do exame criminológico ou de parecer de comissão técnica para o juiz decidir pela mudança do regime. ;O formato do exame só servia para retardar a concessão do benefício de progressão. Qualquer pessoa poderia fazer a pesquisa dos antecedentes criminais, pessoais, familiares. Mais importante que isso é acompanhar os presos dentro do sistema e quando eles saem. Como definir se a pessoa tem ou não tendência para o crime?;, questiona Douglas Martins. Para o advogado criminalista Délio Lins Júnior, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil no DF (OAB-DF), mesmo com a precariedade de como era feito o exame, a alteração na legislação é absurda. ;O mais importante para o sujeito aferir a progressiva é saber se ele pode viver socialmente;, diz.

O presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), Emanuel Messias Oliveira Cacho, destaca que pedófilos ou deliquentes sexuais têm um alto índice de reincidência e, mais do que outros presos, precisam de acompanhamento médico, o que acaba não ocorrendo. ;O estado brasileiro não se preocupa na prevenção do crime, no controle da criminalidade. A Lei de Execuções Penais é bonita, mas não tem efeito prático porque os magistrados não têm estrutura para acompanhar isso. Fica só na poesia;, resumiu ele. Nos Estados Unidos, existe uma lei que obriga o Estado a informar à população dados pessoais de ex-presos condenados por crimes hediondos. Há um projeto em tramitação na Câmara do Deputados com o mesmo propósito. Mas Cacho é discrente quanto à aprovação. ;Toda vez que existe uma tendência de endurecimento da lei, não há respaldo financeiro do Estado para criar programas específicos;, afirma.

Repercussão
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),Gilmar Mendes, comentou a prisão do assassino confesso dos adolescentes de Luziânia, destacando que requer do sistema judiciário uma reflexão profunda. Crimes de caráter sexual que incluem distúrbios psicológicos talvez necessitem de medidas adicionais, como o monitoramento eletrônico. Na opinião do ministro, o uso desse equipamento poderia ter evitado o assassinato dos seis jovens.

Deu no...
Adn
Espanha
Desaparecimento de seis menores em cidade vizinha a Brasília é finalmente esclarecido

National Post
Canadá
;Brasil é sacudido por estupro e assassinatos de seis jovens perto de Brasília;

Ansa Latina
Mistério da desaparição de seis adolescentes é descoberto com a detenção de pedófilo que confessou ter violentado e assassinado as vítimas.

IBN
Estados Unidos
Pedófilo confessa ter estuprado, matado e enterrado seis jovens em cidade próxima à capital brasileira.

Rádio Programas del Peru
Resolução do caso estremeceu a opinião pública,já que o acusado acabara de sair da cadeia após condenação de pedofilia

Le Figaro
França
;Brasil: um assassino em série confessa;


Artigo por Haroldo Caetano da Silva
Breve reflexão sobre os crimes de Luziânia
Esqueça tudo o que você ouviu sobre a função preventiva do cárcere. Prisão não é lugar de reeducação, tampouco tem função ressocializadora. Prisão é espaço de castigo. Se nos presídios bem estruturados dos países civilizados a prisão não melhora o criminoso, nas nossas masmorras, ela aniquila o sujeito. O que é comemorado pelo senso comum como justo castigo é também fator que leva ao incremento da criminalidade mais violenta.

Ressocialização não passa de um discurso mentiroso e vazio, construído para justificar o encarceramento de homens e mulheres que um dia cometeram crimes. É assim que nasce a progressão prisional e os regimes semiaberto e aberto ; ;mais suaves;; de cumprimento da pena, como se o preso fosse uma máquina programável, objeto dessa prática que melhoraria gradativamente o criminoso: a prisão. Tais regimes prisionais merecem reflexão serena. Ou o homem deve estar preso ou em liberdade. Esse meio termo do regime semiaberto, nos moldes atuais, apresenta-se insustentável.

Reflexo da desumanização daquele que vai para a prisão, o sujeito que chega ao semiaberto está certamente em piores condições do que antes. Surpresa haveria se ocorresse o contrário. O que esperar desse homem desumanizado? Que seja dócil, amável, respeitador dos seus semelhantes? O criminoso, tratado como coisa desde a primeira detenção, em que foi transportado como bagagem em porta-malas de viaturas policiais deve agora, após anos de confinamento em espaços altamente degradados, comportar-se de forma exemplar...

Os crimes de Luziânia aconteceram não porque soltaram um bandido perigoso, mas porque um homem brutalizado, com a saúde mental comprometida, bastante piorado após um longo período de encarceramento, foi devolvido pelo sistema penal ao seu meio. Basta examinar qualquer preso brasileiro para que se detecte o comprometimento, em maior ou menor intensidade, de sua saúde mental, muitas vezes com transtornos severos, preexistentes ou agravados pelo cárcere.

Agora, virão as propostas emergenciais de sempre, de forma a incrementar o discurso da vingança nos momentos de comoção em que se clama por justiça: pena de morte, redução da idade penal, prisão perpétua, exames psicológicos para avaliar a liberação de presos. As receitas de sempre, no entanto, trarão previsivelmente os resultados de sempre. E logo teremos novas tragédias, derivadas desse comportamento da sociedade brasileira que, tal qual faz o avestruz, esconde a cabeça na areia ao primeiro sinal de perigo.

Isso quando, escapando do discurso fácil, poderia o momento ser aproveitado para um repensar do cárcere, sobre bases mais verdadeiras e consentâneas com a sua função. Afinal, prisão é castigo, sim. Mas deve ser aplicada e executada de forma que respeite a condição humana do preso. A barbárie cometida contra os jovens de Luziânia, cidade tão próxima do centro das decisões nacionais, talvez possa trazer luz, iluminar esse caminho e, sob uma receita nova, fazer alguma diferença.

Haroldo Caetano da Silva é promotor de Justiça em Goiânia, atuando na área de execução penal

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