postado em 13/04/2010 09:02
A dor arrebentou seis famílias. É uma dor que dói até sangrar. Grita em lágrimas. Grita no choro contido. E grita até em silêncio, quando o desespero é estrangulado pela absoluta falta de força e impotência. Essas famílias nunca mais serão as mesmas. E suas vidas estão marcadas definitivamente. Na sala da casa simples, com piso de cimento cru e paredes sem reboco, a foto de Márcio Luiz de Souza, de 19 anos, ainda está estampada em cima da imagem de Nossa Senhora de Aparecida. No cartaz, lê-se: desaparecido. No próximo domingo, Márcio completaria 20 anos.Naquela casa onde a luz do sol entra pouco, Maria Lúcia Souza, 55, esperava que o filho voltasse pelo portão quebrado. No sábado, ao saber da confissão do assassino, ela emudeceu. E o choro, antes compulsivo, deu lugar a um olhar perdido. De tanto desespero, o pai de Márcio, o vigilante José Luiz da Silva Lopes, 51, que havia tempos não bebia, voltou a tomar uns goles de cachaça, desde o desaparecimento do filho. ;É a forma que ele encontrou pra suportar a dor;, diz a filha Lúcia Maria de Jesus, de 25 anos, que tem arrancado força para amparar a família. E sob efeito dos tranquilizantes, que começou a tomar desde sábado, José tem desmaiado constantemente. ;A minha alma acabou. Esse homem me matou também. Matou meus sonhos.;
Aos prantos, José se revolta, antes de mais um desmaio na sala da casa humilde, repleta de netos e desolação: ;Há 12 dias, eu encontrei com esse assassino num bar aqui perto de casa. Ele me viu com a camisa que usava, que tem a foto do Márcio, e me perguntou se eu tinha alguma novidade. Se a polícia tinha alguma pista. Bateu nas minhas costas e ainda disse que era pra minha família ter fé que ele ia voltar;.
Lúcia, para concretizar a dor da perda do irmão, foi ao local onde o assassino o enterrou. ;Fui ali para buscar respostas. Naquele buraco, assimilei tudo o que aconteceu. Agora, começou o meu luto;. A espera e angústia dos 68 dias ; desde que Márcio saiu de casa e nunca mais voltou ; acabaram numa manhã de sábado. Maria Lúcia, a mãe, anda de um lado para o outro. Só ouve. O olhar se fixa no fundo do terreno, seu canto hoje preferido.
Era lá o quartinho de Márcio. Após desaparecer, Maria o fechou com cadeado. Entra só pra limpar e depois o fecha novamente. É como se alimentasse o desejo da volta do filho. De tão enfraquecida, nem consegue mais ajudar o marido quando ele chora ou desmaia. A falante Emily, a netinha de José e Maria, sobrinha de que Márcio mais gostava e mais apegada a ele, continua perguntando à mãe, Lucilene Lopes, 27: ;O tio Márcio ainda tá ;disparecido;?; Em lágrimas, ela responde: ;Ele vai voltar um dia;. Emily nunca conseguirá entender a morte nessa idade.
Cheiro do filho
Longe do humilde Parque Estrela Dalva, no Setor Fumal, outra mãe chora um choro mais abrandado. A copeira Sônia Vieira de Azevedo, de 45 anos, buscou na fé e na oração o entendimento para tanta dor. Mãe de Paulo Victor, 16, que desapareceu em 4 de janeiro, Sônia decidiu fazer do choro luta. ;Ele não gostava que eu ficasse triste;, ela diz. Sônia não foi e nem irá ao local onde o filho foi cruelmente assassinado. ;Eu pedi resposta a Deus e Ele me deu. Meu filho tá nos braços de Deus. Agora, eu vou poder enterrar o Paulo e ter um lugar para chorar, sempre que quiser.;
Na sala da casa com piso de cerâmica, o cartaz em cartolina com mensagem dos amigos pede a volta de Paulo Victor. Ele não mais voltará. Desde sábado, a mãe teve a certeza disso, mas o cartaz continua ali. No quarto dele, que Sônia adaptou ao lado da copa, os dois bonés, os óculos escuros de camelô e a última camisa que usou antes do desaparecimento permanecem pendurados no cabide de madeira improvisada. ;Sei que ele não voltará mais, que não precisa de mais nada disso, mas guardei a camisa pra sentir o cheiro dele. Foi o que me restou, além da saudade;, diz, em lágrimas.
Ao lado da máquina de lavar, Sônia ergueu um pequeno altar. Nossa Senhora Aparecida, de Fátima e das Graças olham a foto de Paulo Victor. ;Foi aqui, nesse cantinho, que me mantive forte.; Carmino Nunes Azevedo, de 65 anos, o avô paterno, chora choro de revolta: ;Esse homem tava preso e soltaram. Por que, meu Deus, deixaram ele solto?;. Sônia, dilacerada, ainda acha coragem para consolar o pai: ;O tempo vai nos dar entendimento de tudo. Vamos ter que aprender a conviver com a falta dele;. E promete: ;A nossa caminhada, das mães, tá apenas começando. Vamos usar a nossa dor pra que outras mães não sofram;.
Corte de cabelo
Noutro extremo da casa de Sônia, Valdirene Fernandes, 37, espera na sacada do pequeno apartamento onde agora mora ; depois que Flávio, de 14 anos, sumiu, em 18 de janeiro ; a volta dele. ;Eu fico imaginando ele jogando futebol na rua e eu, só com um grito, chamando por ele. E ele me dizendo: ;Mãe, para de me passar vexa;;. Evangélica, a contadora maranhense diz, com honestidade espantosa, que perdoa o assassino confesso do filho. ;Não tenho ódio. Só peço a Deus que tenha misericórdia da alma dele.;
Em lágrimas, a mulher que perdoou o homem que matou o filho lembra: ;Tudo acabou, mas ficaram as lembranças, o sorriso. Ele fazia piada de tudo. Quando chegava transformava a atmosfera do lugar, contagiava as pessoas;. E confessa, ainda com o choro que sangra, a dor da espera: ;Na minha visão, ele ia chegar todo sujo, de cabelo grande, dizendo: ;Mãe, eu voltei;. Aí, eu ia abraçar ele e levar pra cortar o cabelo ;;. Depois, desaba: ;É só esperança de mãe; .
Sirlene Gomes da Silva, de 42 anos, abandonou a casa pobre, no Parque Estrela Dalva, há uma semana. Naquele 10 de janeiro, dia em que George, de 17 anos, desapareceu, sem saber, ela também deixou de existir. ;Eu tinha um menino vivo. Encontrei ele morto, dentro daquele buraco imundo;. E, entre lágrimas e revolta, avisa: ;Quero que esse bandido pague e me conte como matou ele. Quero perguntar se ele chamou por mim quando tava morrendo;.
Perto dali, Mariza Pinto Lopes, 42, mãe de Divino Luiz, 16, acredita que o filho ainda está vivo. ;Enquanto esse exame de DNA não ficar pronto, eu não acredito nisso tudo.; E Aldenira Alves, 52 anos, mãe de Diego, 13, que desapareceu na antevéspera do ano-novo, se sustenta com calmante, chá e oração. ;A saudade nunca vai acabar. E eu tenho certeza que nunca mais terei um ano realmente novo na minha vida. Parte de tudo de mim acabou.; A vida daquelas seis famílias sangrará, em sangue de dor, todos os dias. E nada mais será como um dia foi. Nem o distante Parque Estrela Dalva conseguirá esquecer tamanha barbaridade.
"Meu filho tá nos braços de Deus. Agora, eu vou poder enterrar o Paulo e ter um lugar para chorar, sempre que quiser"
Sônia Vieira de Azevedo, mãe de Paulo Victor
"Eu tinha um menino vivo. Encontrei ele morto, dentro daquele buraco imundo"
Sirlene Gomes da Silva, mãe de George
"Enquanto esse exame de DNA não ficar pronto, eu não acredito nisso tudo"
Mariza Pinto Lopes, mãe de Divino
"Não tenho ódio. Só peço a Deus que tenha misericórdia da alma dele"
Valdirene Fernandes, mãe de Flávio
"A saudade nunca vai acabar. Parte de tudo de mim acabou"
Aldenira Alves, mãe de Diego
Sônia Vieira de Azevedo, mãe de Paulo Victor
"Eu tinha um menino vivo. Encontrei ele morto, dentro daquele buraco imundo"
Sirlene Gomes da Silva, mãe de George
"Enquanto esse exame de DNA não ficar pronto, eu não acredito nisso tudo"
Mariza Pinto Lopes, mãe de Divino
"Não tenho ódio. Só peço a Deus que tenha misericórdia da alma dele"
Valdirene Fernandes, mãe de Flávio
"A saudade nunca vai acabar. Parte de tudo de mim acabou"
Aldenira Alves, mãe de Diego