Adriana Bernardes
postado em 14/04/2010 08:22
Todas as tentativas do Ministério Público para reavaliar as condições psicológicas de Adimar Jesus da Silva, que daria início a uma série de crimes em Luziânia (GO) uma semana depois de ser solto, foram em vão. Sempre que chamado para se posicionar sobre a progressão do regime da pena, o MP destacou a necessidade de tratamento psicológico e psiquiátrico regular para o pedreiro de 40 anos, que confessou o assassinato de seis garotos do município goiano. O órgão nem sempre foi ouvido. No processo ao qual o Correio teve acesso, constam pelo menos quatro pedidos de atendimento especializado ao preso, o que não teria ocorrido, segundo o próprio MP.Em novembro, o MP foi chamado a opinar sobre a concessão do benefício da prisão domiciliar, mas alertou para a necessidade de repetir os exames a fim de descartar os sinais de transtornos da sexualidade apontados no único laudo criminológico de maio de 2008. Como antecipou o Correio com exclusividade, o exame apontava sinais de sadismo ; uma perversão sexual em que a busca de prazer se efetua através do sofrimento do outro ; e de transtorno psicopatológico. Isso não pesou na decisão do juiz Luís Carlos de Miranda.
O magistrado destacou que o preso vinha cumprindo as medidas previstas na progressão de pena sem cometer faltas. E argumentou que dois relatórios de maio de 2009 não mencionavam os problemas detectados no exame anterior. Para a promotora Maria José Miranda, que atua na Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas (Vepema), a soltura de Adimar Jesus da Silva foi uma sequência de falhas. A principal delas é da legislação. ;Se o ministro Gilmar Mendes (Supremo Tribunal Federal) não tivesse votado pela inconstitucionalidade da Lei de Crimes Hediondos, o Adimar estaria preso pelo menos até 2013. Agora é fácil ele vir a público dizer que houve falha do MP e dos juízes na soltura do preso. O Adimar foi solto porque cumpriu os requisitos que o próprio Gilmar Mendes julgou suficientes;, desabafa.
As promotoras que deferiram a progressão para regime do suspeito de ter matado os seis jovens de Luziânia negaram-se a dar entrevista. Em conversa com a promotora Maria José Miranda, elas teriam dito que cederam aos pedidos para liberação do preso porque poderiam ser consideradas autoridades coatoras. ;Elas argumentaram que ele cumprira os requisitos da lei: um sexto da pena e bom comportamento. Além disso, estava em semiliberdade sem transgredir nenhuma norma. Como cansaram de ter pedidos de laudos criminológicos indeferidos por juízes ; porque deixou de ser obrigatório ; concordaram com a progressão sem o exame final;, explicou Maria José.
Atos libidinosos
O primeiro a perceber os distúrbios de Adimar Jesus da Silva foi o juiz Gilmar Tadeu Soriano, da Segunda Vara Criminal de Taguatinga. Na sentença que condenou o pedreiro a 15 anos de reclusão em regime totalmente fechado, o magistrado escreveu que o pedreiro ;possui personalidade voltada para o cometimento de crimes sexuais. Procura vítimas com tenra idade, induzindo-os à pratica de atos libidinosos. Tudo indica que o condenado necessite de acompanhamento psicológico;.
Somente um ano e sete meses depois, a Vara de Execuções Criminais enviou à direção da Penitenciária do DF 2, na Papuda, onde Adimar Jesus da Silva cumpria pena, o pedido para que fosse acompanhado por psicólogo. Na consulta com a psicóloga em maio de 2009, Adimar respondeu que era a terceira vez que recebia tal atendimento. O subscretário do Sistema Penitenciário do DF, Anderson Espíndola, garantiu que, no tempo em que esteve preso, Adimar Jesus da Silva recebeu tratamento psicológico solicitado. Ele concorda que a equipe é pequena: são 18 psicólogos, sendo que metade só faz laudos criminológicos e a outra atende os 8,5 mil presos na capital do país.
Em nota publicada no site do Tribunal de Justiça do DF e Territórios, a Vara de Execuções Penais (VEP), em nome dos juízes responsáveis pelo caso do pedreiro, explica que nos autos consta um laudo criminológico que ;apenas indica sinais de transtornos psicopatológicos;. Com base nesse documento, os juizes e o Ministério Público teriam pedido o encaminhamento de Adimar para tratamento psicológico. Os juízes argumentam que ;em momento algum houve o diagnóstico de doença mental; do maníaco. E que a decisão tomada pelos juízes é defendida no texto como ;um árduo trabalho; que se pauta pelo princípio constitucional da legalidade e pelo bom senso em suas decisões.
Ainda na nota os juízes ressaltam que, em se tratando de indivíduo apontado como psicopata, mesmo que se imagine um tratamento psicológico perfeito dentro do estabelecimento prisional, nunca será possível afirmar que não haverá a reincidência, por ser impossível prever o seu futuro e muito menos o que se passa em sua mente.
Ponto assinado
; A promotora Maria José Miranda está espantada com a frieza do assassino. Diz que, em 22 de fevereiro, um mês após o último dos garotos ter desaparecido, o pedreiro apresentou-se à Justiça para assinar o livro de presença, prática obrigatória entre condenados que cumprem pena em regime aberto. Circulou entre juízes e promotores sem levantar qualquer suspeita.
Vítimas
Em menos de um mês, o pedreiro teria matado os seis jovens. Diego Alves Lopes da Silva, 13 anos, foi o primeiro a desaparecer, em 30 de dezembro passado. Paulo Victor Vieira de Azevedo Lima, 16, foi visto pela última vez em 4 de janeiro deste ano. George Rabelo dos Santos, 17, sumiu em 10 de janeiro. Divino Luiz Lopes da Silva, 16, no dia 13 do mesmo mês. Os outros dois jovens, Flávio Augusto dos Santos, 14, e Márcio Luiz de Sousa Lopes, 19, desapareceram em 18 e 22 de janeiro, respectivamente.
Da condenação à liberdade
2 de novembro de 2005
Adimar Jesus da Silva comete os primeiros crimes sexuais contra dois meninos ; um de 11 e outros de 13 anos ;, em Águas Claras e no Núcleo Bandeirante. Atraiu as vítimas com a promessa de dar dinheiro em troca de serviços de pedreito. Denunciado por um dos garotos, acabou preso.
10 de fevereiro de 2006
Na sentença, o juiz Gilmar Tadeu Soriano escreveu: ;Possui personalidade voltada para o cometimento de crimes sexuais. Procura vítimas com tenra idade, induzindo-os à pratica de atos libidinosos.; O pedreiro foi condenado a 15 anos de reclusão em regime integralmente fechado e mandado ao Núcleo Psicossocial Forense do Tribunal de Justiça para avaliar a necessidade de ter acompanhamento psicológico.
12 de setembro de 2007
O juiz da Vara de Execuções Criminais envia o Ofício n; 11.887 ao diretor da Penintenciária do DF, em que pede que o sentenciado seja submetido a acompanhamento psicológico.
6 de setembro de 2007
Os desembargadores José de Aquino Perpétuo, Nilsoni de Freitas Custódio e Gislene Pinheiro de Oliveira, da 2; Turma Criminal do TJDFT, acatam parte da apelação da defesa de Adimar e a pena é reformada de 15 anos para 10 anos e 10 meses de reclusão.
9 de abril de 2008
O MP se manifesta favoravelmente à progressão ao regime semiaberto, com autorização para trabalho externo. Mas, ;diante da gravidade do delito cometido pelo condenado e dos traços de sua personalidade, o MP requer a realização de exame criminológico;. E cobra do estabelecimento prisional informações sobre quais medidas foram adotadas após o Ofício n; 11.887, que solicitava acompanhamento psicológico do preso.
28 de maio de 2008
Atendido o pedido do MP, Adimar é submetido a avaliação criminológica por três profissionais. Os psicólogos concluíram que ;entre suas características de destaque, citamos conflitos sérios que favorecem a prática de delitos sexuais. Há sinais inclusive de sadismo, uma perversão sexual em que a busca de prazer se efetua através do sofrimento do outro e de transtorno psicopatológico.; O grupo recomendou avaliação psiquiátrica e tratamento psicológico semanal.
9 de março de 2009
Em duas folhas manuscritas, o juiz Renato Magalhães Marques determina que Adimar seja imediatamente submetido ao programa de acompanhamento psicológico com encontros no mínimo semanais.
Fixa ainda o prazo de 30 dias para envio do primeiro relatório.
18 de maio de 2009
O relatório da médica Ana Cláudia Sampaio informa que Adimar foi avaliado por ela uma única vez e que demonstrava não possuir doença mental nem necessitar de medicação controlada.
9 de novembro de 2009
A promotora de Justiça Cleonice Maria Resende Varalda pede nova avaliação psiquiátrica do preso para verificar se persistem os transtornos de sexualidade apontados no exame criminnológoco para, só depois disso, o MP se manifestar sobre a progressão para o regime aberto.
18 de dezembro de 2009
O juiz Luis Carlos de Miranda concede a Adimar a progressão para o regime aberto alegando que o reú cumpriu o tempo necessário da pena para conquistar o benefício. Uma semana depois, ele começa a matar.