Quem passou pela estação de metrô da 114 Sul, ontem à tarde, não entendeu o motivo da festa nos corredores subterrâneos. As cadeiras espalhadas pelo hall ficaram todas praticamente ocupadas de gente que foi conferir a performance de artistas locais, dividir dor e espalhar solidariedade. A celebração era por conta do primeiro aniversário do programa Pró-Vítima, que funciona no local. A iniciativa presta apoio psicológico, jurídico e social a vítimas e familiares de quem sofreu algum tipo de violência. Em um ano de existência, foram contabilizados 955 atendimentos, 731 visitas domiciliares e 224 ações judiciais. Além da unidade do Metrô, há postos de atendimento no Paranoá e no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA). O Pró-Vítima é um braço da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejus).
Segundo a subsecretária de Proteção às Vítimas de Violência, Valéria de Velasco, a iniciativa é um caminho para que as vítimas e parentes possam sofrer menos. ;Esta é uma parcela da população que não é vista pelo poder público. Dar visibilidade a elas é uma forma da garantir seus direitos;, explica. A entrada no programa ocorre de três maneiras: os interessados procuram atendimento, órgãos oficiais encaminham os casos ou os próprios funcionários tomam a iniciativa. Munidos das ocorrências policiais, eles selecionam os casos de violência e procuram as famílias vitimadas.
;Nas visitas, encontramos pessoas abaladas, desesperadas, sem saber para onde ir;, afirma a psicóloga Lílian Marinho. Durante a visita, é definido o atendimento jurídico, social e psicológico que será oferecido. Segundo a psicóloga, a proposta é reestruturar famílias para que voltem a se inserir na sociedade e deixem de lado pensamentos nocivos, como a vingança. Em princípio, os participantes têm cerca de oito sessões de terapia, ao longo de dois meses. Sempre que se detecta uma questão mais complexa e anterior ao trauma que os levou ao Pró-Vítima, a instituição aciona as universidades parceiras e encaminha os pacientes para as clínicas-escola. Mesmo assim, alguns casos de terapia podem se estender dentro do projeto.
A aposentada Lourdes da Silva* é um exemplo de terapia de longo prazo. Ela já passou por 23 consultas psicológicas no programa. Vítima de violência sexual, teve um filho que, aos 9 anos, se envolveu com drogas. Enquanto crescia, o menino foi se tornando um jovem cada vez mais violento, que passou a espancar a mãe sistematicamente. Ela já chegou a apanhar a ponto de ir para o hospital. Em uma das surras, vendeu a casa e fugiu para o Rio de Janeiro. Viveu meses por lá e depois mudou-se para o Ceará. Um dia, resolveu voltar para Brasília e, com o pouco dinheiro que tinha, comprou um lote e construiu uma nova casa. O filho sabe que ela voltou, mas os dois não mantêm contato. ;Antes, eu vegetava. Agora, estou aprendendo a viver;, desabafa.
O cabeleireiro Benedito Guedes, 45 anos, perdeu uma filha em 2009, no Paranoá. Há cinco meses, frequenta sessões de terapia na unidade do Pró-Vítima na cidade. Ainda não consegue falar sobre o crime que vitimou a filha, mas já esboça sorrisos tímidos aos interlocutores. Ele explica que nunca se sentiu bem sozinho e procurou o projeto por ter contato com as mais variadas pessoas. ;Temos que melhorar aos poucos. Mas, na minha alma, sinto que já estou 50% melhor;, compara.
Ao contrário das trajetórias das pessoas atendidas pelo Pró-Vítima, que guardam doses de sofrimento, a festa esbanjou animação. Músicos tocaram canções de Jorge Ben Jor e Cazuza ao violão, estudantes do projeto Picasso não Pichava mostraram suas habilidades no break e no hip-hop. Maquiados e vestidos com roupas coloridas, os integrantes do grupo de acrobacias e teatro Esquadrão da Vida mostraram sua arte elástica e mambembe. ;Para combater a violência, temos que valorizar a vida. E a arte é a melhor representação da vida;, afirmou Velasco. Na hora do parabéns, aplausos e força nas vozes que entoaram a canção. O bolo foi distribuído ao som do sanfoneiro Sivuquinha. Por alguns momentos, mesmo que breves, foi possível esquecer a tristeza.
* Nome fictício
OS NÚMEROS
955
Total de atendimentos em um ano de existência do Pró-Vítima
63%
Porcentagem do total de atendimentos cujas vítimas são mulheres