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Aniversário reavivou lembranças de quem viu Brasília nascer

postado em 22/04/2010 07:53
Affonso Heliodoro ponderou: Distante do tumulto dos palcos montados na Esplanada dos Ministérios para celebrar a chegada dos 50 anos, havia comemorações silenciosas. O dia teve um gosto especial para quem viu Brasília nascer. Há um pedaço de cada um deles nessa história cinquentenária. Alguns foram amigos próximos de Juscelino Kubitschek e o acompanharam do auge ao exílio. Ver o Eixo Monumental lotado de gente ; mesmo que pela televisão ; deu um novo alento às memórias de quem conviveu com a Brasília dos sonhos, recém-realizada, e que desfruta dela agora, na maturidade.

A data reavivou lembranças nunca esquecidas, mas às vezes empoeiradas pelo passar do tempo. Como as do militar aposentado baiano Geraldo Silva, 82 anos. Ele estava na missa de inauguração de Brasília não apenas como espectador, mas também como organizador do esquema de segurança do evento. O militar fez parte da primeira companhia de polícia do DF, a Guarda Especial de Brasília (GEB).

Na primeira hora de ontem, Geraldo acompanhou a missa celebrada em um grande altar na Esplanada em memória da cerimônia religiosa realizada na presença de JK, à 0h de 21 de abril de 1960. Católico, o pioneiro não esquece as lágrimas do presidente ao ver Brasília nascer tão abençoada. ;JK estava muito emocionado. A voz do papa João XXIII ecoou de alto-falantes (naquela ocasião) e ele abençoou Brasília em português. Foi inesquecível, memorável.; Na noite de ontem, Geraldo reviveu sentimentos. ;Eu não aguentei, fiquei comentando com quem estava perto que estive lá na primeira missa e estava na de 50 anos;, orgulhou-se.

Ontem, Geraldo escolheu ficar na 206 Sul, onde vive há 43 anos. Um de seus passatempos preferidos é fotografar a cidade, principalmente da janela de casa, que emoldura um céu espetacular e fotogênico sob todos os ângulos. No último sábado, Geraldo comemorou os 50 anos de sua chegada a Brasília. O jantar com a família teve até bolo especial com imagem da escultura Dois candangos e um bonequinho simpático.

Na casa de Geraldo, todo ano tem festa em 17 de abril, data de sua chegada ao solo brasiliense. ;Sempre comemoro a minha vinda para Brasília. Esta cidade me trouxe muita alegria;, disse, ao lado da mulher, Regina Pelosi Silva, 75 anos. Natural de Ilhéus (BA), ela veio para Brasília há 48 anos. ;Gostei daqui logo de cara e me mudei. Brasília era muito solidária;, lembra. Como policial, o marido esteve presente nos momentos mais marcantes da história da cidade. Hoje, não carrega armas no bolso, mas sim um terço, que reza todos os dias, como bom devoto de Nossa Senhora. Faz preces pelos seus queridos e pela menina de seus olhos, Brasília.

BagunçaGeraldo Silva acompanhou a missa de inauguração:
Um dos melhores amigos de JK e uma das poucas pessoas que acompanhou o ex-presidente no exílio (leia Para saber mais), o coronel Affonso Heliodoro, 94 anos, rejeitou participar de qualquer festa do governo. ;Essa festa não fala em nome de JK. Trazem um monte de gente que não tem nada a ver com a cidade e fazem uma bagunça;, justificou. O coronel optou por participar de uma celebração, na terça-feira passada, no Instituto Histórico Geográfico do DF, do qual é presidente.

;Vi as primeiras horas desta cidade. Senti de perto quando os canalhas da ditadura cassaram JK. Isso mudou o rumo da história. Brasília foi feita para ser a capital administrativa e não essa megalópole. Superlotaram a cidade e não deram educação nem estrutura para o povo. Há muita especulação imobiliária. Não era isso que JK queria;, lamentou. ;Mas o presidente viu seu maior objetivo, o de trazer desenvolvimento para o Centro-Oeste, ser cumprido. Então, Brasília realizou seu papel. Se JK não tivesse morrido, Brasília nunca teria um governador, mas sim um prefeito, e uma Câmara de Vereadores no lugar da Câmara Legislativa.; Nem por isso ele perde o encanto pela cidade: ;Brasília, porém, é 100% positiva. A despeito dos maus governantes que por aqui passaram, vejo Brasília com uma vitória dos brasileiros;.

A amiga
Nos 50 anos de Brasília, a escritora Vera Brant, 74 anos, amiga e confidente de JK, relembrou a volta do presidente a Brasília, em 1973, três anos antes de morrer. Vera o recebeu e o hospedou durante a visita. Ela veio a Brasília, em 1960, para ajudar Darcy Ribeiro a implantar a Universidade de Brasília (UnB). Também viu a ditadura abalar sonhos.

Vera faz um balanço positivo sobre este meio século de vida: ;O povo brasileiro construiu uma cidade com muita dificuldade. Brasília, até na parte política, está dando o exemplo. Mostrou que quem rouba vai para a cadeia. Você não ouve falar que quem nasceu aqui é desonesto, as vergonhas são importadas;. Vera passou o dia em casa. Acompanhou a festa do cinquentenário somente pela televisão. ;A cidade está lindíssima. JK se orgulharia de vê-la em um dia como hoje;, emocionou-se.


"O povo brasileiro construiu uma cidade com muita dificuldade. Brasília, até na parte política, está dando o exemplo. Mostrou que quem rouba vai para a cadeia. Você não ouve falar que quem nasceu aqui é desonesto, as vergonhas são importadas"
Vera Brant, escritora e pioneira


Para saber mais
Sob as patas da ditadura
Durante a ditadura, em 8 de junho de 1964, JK teve seu mandato de senador cassado e os direitos políticos suspensos por 10 anos, pelo regime militar. Cinco dias depois, partiu para o exílio, em Paris. Em outubro, voltou para o Rio de Janeiro. Em novembro do mesmo ano, deixou o Brasil outra vez, abatido pelos massacrantes interrogatórios aos quais vinha sendo submetido. Voltou em outra ocasião, para o enterro da irmã, e só pôde permanecer no país por 72 horas.

Em 9 de abril de 1967, JK voltou definitivamente ao país, depois de 976 dias. Morreu em 26 de agosto de 1976, em um acidente de carro, enquanto ia de São Paulo para o Rio de Janeiro.

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