Planejada para ter 500 mil habitantes no ano 2000, Brasília comemorou seu cinquentenário com uma população de 2,6 milhões de pessoas. O crescimento desordenado das últimas décadas trouxe problemas difíceis de serem contornados, como o caos no trânsito, o surgimento de invasões sem nenhuma infraestrutura e a superlotação de hospitais públicos. Ao comemorar meio século de existência, a cidade se convence, cada vez mais, da importância do planejamento urbano para colocar ordem no território. Para chegar ao centenário mais organizada, Brasília terá que se preparar com antecedência para seus novos moradores. Em 2060, a capital federal deverá ter 3,5 milhões de pessoas e 30% de seus habitantes terão acima de 60 anos.
O envelhecimento da população é uma tendência brasileira, que vai exigir uma nova forma de planejar as cidades. Hoje, menos de 10% dos brasilienses são sexagenários. Em meio século, os idosos vão representar uma parcela muito mais expressiva da sociedade do Distrito Federal. Com isso, as autoridades terão que pensar Brasília de acordo com as necessidades futuras da população. Será preciso garantir uma maior acessibilidade e observar até pequenos detalhes, como a segurança das calçadas, para evitar tombos, por exemplo.
A pesquisadora e professora da Universidade de Brasília (UnB) Ana Maria Nogales, estatística e doutora em demografia, explica que os idosos vão exigir do governo novas políticas públicas. "A partir dos 60 anos, as pessoas ficam muito mais suscetíveis a atropelamentos. Além disso, nessa faixa etária, a demanda pelos serviços de saúde é muito maior. É preciso investir em prevenção e em melhorias efetivas na saúde pública da cidade para atender a essa demanda daqui a 50 anos", afirma Ana Maria Nogales.
A especialista destaca a necessidade de investimentos em educação, saúde e geração de empregos para garantir qualidade de vida para os futuros idosos. "A população idosa do futuro são os nossos jovens de hoje. E a maioria deles está em situação de vulnerabilidade, com acesso precário às escolas e ao mercado de trabalho. Para que Brasília chegue aos 100 anos com uma sociedade mais equitativa e com qualidade de vida, é fundamental pensar nos jovens", destaca Nogales.
Ritmo desacelerado
O ritmo de crescimento da população será bem mais lento no segundo cinquentenário de Brasília. De 1991 até agora, o número de moradores saltou de 1,6 milhão para 2,6 milhões, um crescimento de 62% em menos de 20 anos. Nas próximas cinco décadas, o aumento da quantidade de habitantes será de apenas 34%. ;O ritmo de crescimento da população registrado até agora não vai se repetir no futuro. Estamos observando a queda contínua da taxa de fecundidade, as mulheres estão tendo cada vez menos filhos;, finaliza a demógrafa Ana Maria Nogales.
A estudante Lidyane Miranda, 23 anos, mostra-se preocupada com os próximos 50 anos da capital e considera, inclusive, nem ter filhos. ;Quero ter uma velhice tranquila, sem preocupação. Quanto a constituir uma família, eu tenho um certo receio. A criminalidade não para de crescer. Imagine a preocupação de ter um filho daqui a algum tempo, porque a tendência é piorar. Porém, como uma boa brasileira, tenho esperança que tudo vai melhorar até os 100 anos de Brasília;, afirmou.
Além de prever a quantidade de habitantes e as necessidades da sociedade daqui a 50 anos, os governantes terão também que antecipar as demandas por moradia e a expansão urbana da cidade. O Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot), sancionado em abril do ano passado, trouxe as diretrizes da ocupação para as próximas décadas. O Ministério Público do Distrito Federal entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade para tentar derrubar todo o Pdot. Mas a tendência do Tribunal de Justiça é de suspender a validade apenas dos artigos incluídos pelos deputados distritais por meio de emendas.
Pelo Plano Diretor, as regiões sul e sudoeste do DF serão a principal direção do crescimento urbano nos próximos anos. As novas zonas urbanas se concentrarão em áreas como Samambaia, passando por Santa Maria e pelo Gama, até chegar ao Setor Tororó. A ideia do governo é adensar áreas já consolidadas e que contam com infraestrutura e transporte público.
O geógrafo Aldo Paviani, professor da Universidade de Brasília e especialista em planejamento urbano, diz que os governantes precisam pensar a longo prazo para que a cidade consiga se organizar. "Precisamos ter certeza de que os governantes não vão pensar apenas nos mandatos deles. Temos que fazer projetos para 30, 50 anos", justifica Paviani.
Preservação
Inscrita na lista do Patrimônio Mundial da Unesco em 1987, Brasília exige atenção extra para que o crescimento urbano não macule as características originais da cidade. Em agosto, representantes da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura se reúnem para avaliar a situação da capital brasileira e a tendência é que os especialistas mantenham o título, mas entreguem ao GDF uma lista com determinações a serem cumpridas no sentido de melhorar a fiscalização e a preservação do patrimônio.
A arquiteta Maria Elisa Costa, filha do urbanista Lucio Costa, espera que a cidade chegue aos 100 anos com respeito às ideias de seu pai para a nova capital. "Espero que, ao alcançar o centenário, Brasília esteja preservada, com o entorno da área tombada definido, para que exista algum controle capaz de preservar o horizonte", afirma Maria Elisa. "Brasília foi um marco ímpar na nossa história. Quem não guarda seus rastros, perde o rumo", acrescenta a arquiteta.
Colaborou Saulo Araújo