Criado há mais de 15 anos, o Riacho Fundo 2 tem 45 mil moradores, mas a comunidade precisa sair da região sempre que tem necessidade de serviços básicos. Lá não existem bancos, postos de gasolina nem grandes comércios. A falta de registro em cartório afasta os empreendedores da área e impede investimentos no Riacho Fundo 2. Sem escritura de seus imóveis, moradores e comerciantes não conseguem financiamento e a cidade fica estagnada.
A documentação definitiva dos terrenos é o sonho da comunidade desde a inauguração da área. Mas agora esse objetivo está mais próximo: no último dia 20, a Justiça Federal autorizou a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) a registrar toda a cidade em cartório. Em seguida, serão liberadas as escrituras individuais dos moradores. A expectativa é de que o processo de regularização da região seja concluído no segundo semestre.
O problema em torno dos terrenos do Riacho Fundo 2 começou no ano passado. As terras eram de propriedade da União, que as repassou ao GDF com o intuito de concluir a regularização fundiária. Quando o governo tentou registrar os lotes no Cartório do 4; Ofício de Registro de Imóveis, houve contestação judicial. O advogado Hércules Salomão Herculano Szervinsk recorreu à Justiça para pedir o bloqueio das matrículas, argumentando que seria proprietário de parte das terras. A Terracap garante que tanto os lotes ocupados quanto a área vazia que será usada para expansão urbana são públicos.
Em fevereiro, a Justiça Federal atendeu o pedido da família Szervinsk e determinou a paralisação do registro das terras. Mas a Terracap e o governo federal recorreram e, na semana passada, conseguiram reverter essa decisão. O desembargador Fagundes de Deus, do Tribunal Regional Federal da 1; Região, acatou os argumentos dos governos local e federal e autorizou o registro da área.
Em sua decisão, o magistrado afirmou que ;o bloqueio da matrícula do imóvel em questão implicaria no retardamento do registro do parcelamento do Setor Habitacional Riacho Fundo 2, pelo extenso período de tempo pelo qual certamente se prolongará a discussão judicial;. O desembargador alegou que, caso Hércules Salomão Herculano Szervinsk comprove na Justiça ser dono de parte das terras, ele poderá pedir indenização como decorrência de desapropriação indireta.
;A iniciativa governamental de implantar o loteamento e a construção de casas beneficiará uma série de famílias de baixa renda sem moradia;, concluiu o desembargador Fagundes de Deus. O Correio tentou localizar Szervinsk e seu advogado citado no processo do Tribunal Regional Federal, mas ninguém retornou as ligações.
Registro
Para a comunidade do Riacho Fundo 2, a decisão da Justiça vai acabar com uma espera que já dura mais de 15 anos. Desde que chegaram à região, os moradores reivindicam a liberação dos documentos de suas casas. O prefeito comunitário da cidade, Dargeon Nascimento de Assis, explica que os habitantes da região têm apenas a cessão de direito dos imóveis. ;Esse documento não nos autoriza a pegar financiamentos, por exemplo. Como a área não é regularizada, o governo não pode implantar aqui o programa Pró-DF, (1) ou seja, o crescimento econômico do Riacho Fundo 2 fica limitado;, reclama Dargeon. ;Não temos bancos, agências dos Correios... É preciso resolver esse problema da escritura de uma vez, para que a gente possa ter uma vida normal na cidade;, acrescenta o líder comunitário.
A dona de casa Florenir Matos da Silva, 37 anos, vive com a família na Quadra 8 do Riacho Fundo 2 desde 1997. Ela reclama de pagar IPTU sem ter em mãos a escritura de seu imóvel. ;A gente só tem a concessão de uso, mas ela não dá muita segurança. Só vou ficar totalmente tranquila quando tiver a escritura. Assim, terei certeza de que o lote é realmente meu e que poderei deixar a casa como herança para os meus filhos;.
Para Adriana Fonseca Neves, 36 anos, a escritura também é um sonho antigo. Mas ela conta que só vai acreditar na regularização quando o processo estiver de fato concluído. ;Já ouvimos tantas promessas que agora estou calejada. De qualquer forma, espero que isso saia logo. Vai ser importante para a cidade e também para nós, moradores;, comenta a dona de casa, mãe de seis filhos.
O chefe da Assessoria Jurídica da Terracap, Nader Franco, comemora o fim do imbróglio judicial que impedia o registro da cidade do Riacho Fundo 2. ;Esse cidadão entrou com uma ação demarcatória, mas a Terracap tem certeza de que as terras são públicas. Com essa decisão, poderemos dar continuidade ao registro. Em seguida, será feita a individualização das matrículas para que cada morador tenha a sua documentação;, explica Nader.
Ele afirma que a região já tem licença ambiental e projeto urbanístico aprovados, o que deve acelerar a conclusão do processo de regularização. ;A União fará a doação para que a Terracap regularize a região. Em contrapartida, vamos abrir mão de uma área menor, contígua à cidade, em favor do governo federal;, explica o assessor jurídico da Terracap.
A administradora regional do Riacho Fundo 2, Fátima Cabral, acredita que a legalização da cidade trará mais investimentos e maior valorização dos imóveis. ;Com isso, o governo poderá licitar lotes na região e criar projetos dentro do programa Pró-DF. Nos últimos anos, o desenvolvimento da cidade ficou comprometido por causa da falta de escritura;, avalia.
Além de regularizar os lotes onde vivem 45 mil pessoas, o governo também poderá concluir a implantação da chamada Quarta Etapa do Riacho Fundo 2, uma área hoje vazia que será destinada a cooperativas habitacionais. A região tem capacidade para acolher 5 mil famílias. ;Tem muita gente sem moradia esperando pela liberação dessa área no Riacho Fundo 2. Estamos na torcida para que tudo seja resolvido definitivamente;, conta Jeanne Marques de Souza, presidenta da Associação Habitacional pela Moradia do DF e Entorno.
1 - Estímulo ao crescimento
O Programa de Promoção do Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal (Pró-DF) foi criado em 1999 para estimular empresas a se instalarem na cidade. O objetivo do projeto é apoiar negócios que geram renda e empregos. Em contrapartida, as empresas têm alguns incentivos fiscais, como abatimento de impostos.
O número
45 mil
Número estimado de habitantes de Riacho Fundo 2
Para saber mais
Loteamentos desde 1994
O governo começou a lotear a região onde hoje existe o Riacho Fundo 2 em 1994. Os terrenos foram demarcados para o assentamento de famílias que antes viviam em uma invasão do Setor de Indústrias e Abastecimento. Ao todo, 562 famílias passaram a morar na QN 1. A primeira transferência foi em 13 de março, data que passou a ser lembrada como aniversário da cidade.
Em 2001, o governo criou a subadministração regional da cidade. Até então, os moradores precisavam recorrer ao Riacho Fundo 1 para resolver problemas administrativos. O Riacho Fundo 2 foi subdividido em quadras industriais (QI), quadras Norte (QN) e quadras centrais (QC). As quadras Sul (QS) são a etapa mais recente da cidade.
A região inclui ainda os Conglomerados Agrourbanos de Brasília ; Caub 1 e 2, destinados à produção agrícola. O Riacho Fundo 2 foi a 21; região administrativa do Distrito Federal. Ganhou esse título em maio de 2003.