Jornal Correio Braziliense

Cidades

Vendedores ambulantes seguem driblando a fiscalização

Camelôs continuam no centro de Brasília apesar de terem sido banidos do centro da cidade em 2008

Sorrateiros, eles fogem da fiscalização. De boné, mochila nas costas e com caixotes de papelão ou isopor nas mãos, os ambulantes se misturam em meio à multidão na Rodoviária do Plano Piloto, por onde circulam diariamente mais de 700 mil pessoas. Vendem de tudo: água, suco, refrigerante, bijuterias, brinquedos, tapetes. Mas, entre todas as mercadorias, os CDs e DVDs piratas assumem a liderança. A reportagem do Correio acompanhou, na tarde de segunda-feira (26/4), por quase três horas, a forma de agir dos camelôs. De olho na movimentação dos fiscais, eles se escondem entre os carros estacionados quando os agentes ; acompanhados de policiais militares ; se aproximam. A população reclama que, muitas vezes, os responsáveis pela repressão e apreensão desses produtos não conseguem flagrá-los em ação. ;Que tem, tem. Todo mundo vê, mas tem gente que faz vista grossa e esse é o problema;, comenta um funcionário público que trabalha há mais de 20 anos na Rodoviária, mas preferiu não se identificar.

Na plataforma superior, as calçadas que dão acesso ao Conjunto Nacional estavam livres. No máximo, alguns poucos panfleteiros. Isso porque, bem na frente do shopping, uma van da Agência de Fiscalização (Agefis) fica estrategicamente estacionada para coibir a venda de produtos no local. Os agentes e alguns policiais passam a maior parte do tempo no mesmo ponto, o que facilita a atuação dos camelôs. Do outro lado, no Conic, um grupo também intimidava os comerciantes ilegais, mas não percebeu a atuação de um casal que vendia meias e bolsas de crochê em frente ao Boulevard Center. ;Olha os fiscais ali, gente;, alerta um vendedor de joias. ;Eles já passaram por aqui. Dá nada, não (sic);, responde o vendedor.

Por volta das 15h, cerca de oito jovens vendiam CDs e DVDs piratas(1) livremente ao redor da Rodoviária. Próximo ao semáforo da plataforma superior, eles chegaram a ficar enfileirados, um do lado do outro para ofertar a mercadoria a quem seguia em direção à parada de ônibus. Não demoraram 10 minutos para trocar o posto. E foi assim durante todo o dia. Em menos de 30 minutos, o grupo mudou de lugar, pelo menos, quatro vezes e deu a volta em toda a área para despistar a fiscalização. Dois vendedores de salgadinhos se esconderam atrás dos carros no estacionamento no momento em que os agentes circulavam pela rodoviária. Depois de 15 minutos percorrendo o local, a fiscalização retornou ao ponto localizado em frente ao Conjunto Nacional e nenhuma mercadoria foi apreendida.

Na plataforma inferior, o cenário é ainda pior. É só descer as escadas para se deparar com uma grande quantidade de vendedores. Balinha, água em caixas de isopor, bugigangas, relógios, óculos e brincos fazem parte do cardápio. Muitos espalham brinquedos pelo chão e é preciso ter cuidado para não pisar nos produtos. Duas bancas também estão instaladas irregularmente e competem com os trabalhadores formais instalados, há anos, no local. Os donos conseguiram uma liminar na Justiça para permanecerem na área, logo após uma operação de retirada dos ambulantes, realizada em setembro de 2008.

Segundo o administrador da Rodoviária, Júlio César Mariano Figueira, as operações de retirada ocorrem com frequência. Ele, no entanto, admite que não é fácil controlar a atuação dos camelôs em um espaço amplo e movimentado. ;Fazemos toda semana uma operação conjunta com a Agefis, a Polícia Militar e a Secretaria da Ordem Pública, mas todo mundo quer vender alguma coisa ali porque é por onde passam cerca de 700 mil pessoas todos os dias. O público é um atrativo;, destaca.

1 - Programa contra os ilegais
Em dezembro de 2009, o governo federal e as prefeituras de São Paulo, Curitiba, Ribeirão Preto e do Rio de Janeiro, bem como o GDF, anunciaram a intenção de elaborarem um plano de ação conjunta de combate ao comércio ilegal de produtos piratas ou contrabandeados dentro do programa Cidade Livre de Pirataria e do Comércio Ilegal. A prefeitura de São Paulo foi a primeira a assinar o convênio, que prevê, entre outras medidas, a elaboração de mudanças legislativas para coibir esse tipo de crime com punições mais rigorosas.


MEMÓRIA
Atividade irregular


Diversas iniciativas foram pensadas para resolver o problema dos camelôs no Distrito Federal, mas muitas dessas alternativas ainda funcionam de modo precário. Entre elas está o shopping popular, que fica ao lado da Rodoferroviária, criado para abrigar os ambulantes do Setor Bancário Sul, do Conic, da W3 Sul e da Esplanada dos Ministérios. Mas a estrutura, pouco frequentada, não resolveu o problema. Do 1,74 mil feirantes beneficiados com o sorteio de bancas, apenas 650 cumprem a rotina de trabalho no local. Muitos voltaram a ocupar a área central de Brasília e, em março deste ano, o Correio denunciou a existência de um verdadeiro camelódromo na Esplanada dos Ministérios. Os ambulantes voltaram a ocupar as margens do Eixo Monumental dois anos depois de uma operação de retirada realizada pelo Governo do Distrito Federal. A reportagem flagrou 39 bancas espalhadas na região. Em 6 de março, o Ministério Público do DF pediu explicações sobre a falta de providências por parte do governo local e deu prazo de 10 dias para que a Agefis apresentasse um cronograma de ações à Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística. Quatro caminhões carregados de mercadorias foram recolhidos e, atualmente, um ou outro camelô é visto no local. Ontem, três deles (todos vendedores de frutas e de refrigerantes) insistiam em permanecer no local.


Troca de turno é o horário favorito

Atentos ao movimento da fiscalização, os ambulantes sabem bem a hora de agir. O horário de concentração da maioria é durante a troca de turno dos agentes e policiais. O vendedor de brincos Júnior Cordeiro de Lima, 23 anos, conta que já viu muitos colegas perderem as mercadorias, mas, em cinco meses de atuação, não foi pego pela fiscalização. ;Eles (os fiscais) chegam tomando tudo;, conta. Para evitar a apreensão das bijuterias que vende, o rapaz prefere trabalhar durante a noite. ;Eu chego sempre depois das 17h, quando os fiscais vão embora, e fico até às 20h;, diz. Com o dinheiro arrecadado nas poucas horas de trabalho, ele diz conseguir quitar o aluguel de R$ 420. ;É a única forma que eu tenho de pagar minhas contas;, admitiu.

De acordo com o assessor da diretoria de fiscalização da Agefis Cláudio Caixeta, os fiscais estão atuando durante toda a semana para impedir a ação dos ambulantes e deixar as calçadas livres para circulação das pessoas. São quatro fiscais por turno e mais uma equipe de apoio para realizar as operações. ;Não é para ter ambulante algum, mas é difícil repreender. Muitas vezes, eles esperam a troca de turno para agir;, explica. Somente este ano, mais de 10 mil CDs piratas foram recolhidos pela Agefis na Rodoviária do Plano Piloto.

Vários fiscais também ficam espalhados pelaRodoviária, mas eles estão impedidos de recolher as mercadorias ou de prender aqueles que cometem algum crime. São encarregados apenas de garantir a passagemdas pessoas pelo espaço e evitar a depredação do bem público. Esses fiscais observam os camelôs, mas não há um trabalho integrado com a polícia e a fiscalização.