Cidades

Nota Legal cai em descrédito

As dificuldades para obter crédito a cada cupom fiscal com CPF irritam e levam os consumidores a se sentirem vítimas de propaganda enganosa do governo local

postado em 27/04/2010 08:40
Haja paciência para conseguir os descontos do Nota Legal. Participantes do programa reclamam da ineficiência no processamento dos créditos. Pedir a nota fiscal com o CPF não tem sido suficiente para garantir o abatimento em impostos prometido pelo governo. O consumidor precisa guardar as notas, acompanhar o site da Secretaria de Fazenda (www.notalegal.df.gov.br) e torcer para que os estabelecimentos repassem as informações à Receita. Caso contrário, terá de se deslocar a alguma agência de atendimento e apresentar o documento fiscal, como prova da compra.

Ivani Alves afirma que 80% das notas pedidas não se converteram em crédito, apesar de ter apresentado mais de 30 reclamações à Secretaria de FazendaO Nota Legal foi criado por lei em junho de 2008. A campanha de divulgação, no entanto, só começou em setembro do ano passado, mês em que o Correio noticiou um calote de R$ 200 milhões dos varejistas no governo. O programa é uma cópia do Nota Fiscal Paulista, implantado no estado de São Paulo em 2007. Como forma de incentivar a emissão de notas fiscais e, assim, ajudar a combater a sonegação, são oferecidos descontos no Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) ou no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) aos consumidores que dizem o CPF na hora da compra.

No Distrito Federal, a proposta não convenceu. Das 365.890 pessoas que pediram a Nota Legal desde o início do programa, apenas 5% usaram os créditos para abatimento nos impostos deste ano. Dos R$ 4.861.098,50 gerados, foram distribuídos menos de 10%: R$ 461.659,55. A principal reclamação é que as notas não estão sendo processadas. O governo reconhece a falha e joga a culpa para os comerciantes. Até agora, a Secretaria de Fazenda diz ter aplicado cerca de 8 mil multas(1) em estabelecimentos que não repassaram as informações ao sistema.

Por ora, o governo diz que não há como fazer diferente. Continuará dependendo do consumidor para saber se houve falhas no processo. ;A maior arma que temos é a multa, mas para que ela ocorra o consumidor tem que registrar a reclamação no site;, diz o coordenador substituto do programa, Dalton Lira. Ele admite ser desgastante ter que provar ao governo que pediu a Nota Legal. No início da campanha, a Receita local chegou a anunciar que não seria necessário nem mesmo guardar os cupons fiscais. Bastaria dizer o CPF para ter direito aos créditos concedidos.

Apesar de a secretaria ter trocado o computador que opera o programa no início deste ano, participantes se queixam da lentidão no site. O aposentado Enio Célio Vieira, 67 anos, se irritou ao tentar reclamar de notas que não tinham sido processadas. ;Não consegui porque o sistema caía toda hora. Já que lançaram o programa, deveriam prever esse tipo de problema. Do jeito que está, fica muito difícil acreditar que isso possa dar certo;, comenta. O coordenador substituto do Nota Legal acredita que o programa ;já evoluiu bastante; e sustenta que as falhas serão corrigidas com o tempo.

Descrença
Para o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) José Carlos Oliveira, o governo ludibria o consumidor ao exigir dele a prova material da Nota Legal para conseguir os descontos. Ele defende que faltou transparência na campanha de divulgação e fala em ;armadilha; ao comentar que não é papel do cidadão fiscalizar as empresas. ;O governo não pode conceder o crédito somente se as empresas repassarem as informações. O programa não foi divulgado assim. Se a loja está errando, isso é problema do governo, é ele quem tem que resolver;, argumenta.

A tecnóloga Ivani Alves, 29 anos, fez mais de 30 reclamações no site da Secretaria de Fazenda. Ela conta que 80% das notas que pediu desde o início da campanha não foram processadas. Por duas vezes, se dirigiu a uma agência de atendimento para levar a original dos documentos, mas não conseguiu ser atendida porque disseram que o ;sistema estava fora do ar;. ;Isso é propaganda enganosa. Estou me sentindo enganada. A gente se esforça para ter o desconto, corre atrás e, ainda assim, não sabe se vai ter os créditos. Eles são um direito meu, por que esse desgaste?;, questiona.

O Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec) tem recebido queixas sobre o Nota Legal. Para o presidente da entidade, José Geraldo Tardin, o governo feriu o princípio da transparência, regente no Código de Defesa do Consumidor, durante a divulgação do programa. ;O governo disse o seguinte: você pede a nota e ganha o desconto. A ideia é boa, mas não é isso que está acontecendo. Está uma bagunça completa;, reforça. Segundo ele, as reclamações podem resultar em uma ação civil pública(2) contra o GDF.

1 - Punições
Cada nota não informada à Receita rende uma multa de R$ 50. As grandes redes de supermercados e as lanchonetes fast-food estão entre os estabelecimentos mais autuados. A Secretaria de Fazenda tem se reunido com sindicatos e associações, para um trabalho de conscientização.

2 - Falha
Por não se tratar de uma relação de consumo, o promotor Leonardo Bessa acredita que não seria o caso de uma ação movida na Promotoria de Defesa do Consumidor. No entanto, diz que há, sim, uma falha de governo e que o caso deve ser analisado pelo Ministério Público.


FISCAIS EM AÇÃO
; Uma operação de combate à sonegação fiscal realizada ontem pela Secretaria de Fazenda do DF e a Polícia Militar apreendeu R$ 280 mil em produtos sem nota fiscal ou com notas irregulares. Entre as mercadorias apreendidas estavam cerveja, material de construção, roupas, autopeças, cigarros, motocicletas, além de duas carretas carregadas de soja. A ação que resultou em 40 autuações ocorreu nas BRs 040, 060 e 251. Os produtos foram levados para o pátio da Subsecretaria da Receita. O trabalho contou com a participação de 40 fiscais, 20 auditores, 34 policiais militares, 14 unidades móveis da receita federal e 17 carros da polícia.

Se você tem alguma reclamação sobre o Nota Legal, mande seu relato para leitor.df@dabr.com.br

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