Guilherme Goulart
postado em 28/04/2010 08:12
A exploração do sonho da casa própria segue como negócio lucrativo na capital do país. Inúmeras cooperativas habitacionais espalhadas pelo Distrito Federal ; há mais de 700, boa parte de fachada ; fazem parte do suposto esquema de venda e concessão de lotes investigado pelo Governo do Distrito Federal (GDF) Por trás de golpes e de falsas promessas, muitas associações têm em mãos o respaldo de documentos entregues por órgãos do governo. São autorizações de Ocupação de Lote, expedidas, há até pouco tempo, pela própria Companhia Habitacional do Distrito Federal (Codhab).[SAIBAMAIS]Ao longo da semana passada, o Correio saiu em busca de vítimas do golpe. Como base para a apuração, a reportagem utilizou uma lista disponível na internet que contém nomes, endereços e telefones de pessoas cadastradas na Codhab. Ao entrar em contato com algumas delas, a reportagem descobriu que, a partir da garantia da entrega de um lote, algumas cooperativas cobram de R$ 2 mil a R$ 15 mil só para cadastrar o associado. Concluído o processo, porém, as famílias passam a ser vítimas do golpe. Muitas entidades trocam de nome e desaparecem sem cumprir a falsa promessa.
Assim aconteceu com Maria Desinalva da Silva, 35 anos, moradora de Ceilândia. Ela estava entre as 50 pessoas cadastradas em uma associação local que prometia a entrega de terrenos no Riacho Fundo II. Pagou de R$ 6 mil a R$ 8 mil, divididos em diversas parcelas. O dinheiro seria investido, segundo a entidade, em infraestrutura para a urbanização do empreendimento. Até hoje, ela nada recebeu, mas processou o então presidente da cooperativa. ;O que era um sonho, acabou virando pesadelo;, lamentou (Leia depoimento).
A auxiliar administrativa Tânia Maria Cardoso, 40 anos, espera, há 20, por um lote. Ela tem inscrição na Codhab e se filiou a uma cooperativa de Ceilândia que sequer sabe o nome. Segundo Tânia, a entidade chegou a cobrar R$ 2 mil, em 2008, mas não sabe qual fim teve o dinheiro. ;Falaram para eu me cadastrar e pagar essa quantia, que era a taxa de iluminação. Me garantiram que um lote noRiacho Fundo ia sair até dezembro de 2009, mas aí me ligaram cobrando mais R$ 500 e eu paguei. Só que, até agora, nada;, reclamou.
;Coisa de bandido;
No Recanto das Emas, uma moradora identificada apenas como Giovana confirmou, por telefone, que recebeu de uma cooperativa do Riacho Fundo a promessa de um lote nas quadras 407 ou na 117. Essa última ainda nem existe. Apesar disso, a Codhab repassou a dirigentes de cooperativas candangas autorizações de Ocupação de Lote do local. Algumas pessoas pagaram pelo documento. Desconfiada da reportagem, Giovana evitou falar no valor investido. Limitou-se a dizer que as reuniões promovidas pela entidade ocorriam mensalmente, mas que ultimamente ;deram uma parada;.
Na conversa, a moradora acrescentou que a entidade pertence ao deputado distrital Batista das Cooperativas (PRP). Mas, em entrevista ao Correio, Batista negou que tenha qualquer relação com a associação habitacional. ;Eu não autorizei ninguém a entregar nenhuma autorização. Isso é coisa de bandido. O projeto é do Executivo e foi para a Câmara Legislativa há sete meses. Ninguém pode nem ventilar a possibilidade de entregar um terreno que não está aprovado no processo. As quadras 117 e 118 não estão criadas;, alertou.
As autorizações de Ocupação de Lote da Codhab também chegaram ao Conjunto 6 da QS 18 do Riacho Fundo II. O documento expedido pelo órgão e conseguido pela reportagem leva o nome de uma mulher, que seria a dona do lote. O Correio esteve, na última sexta-feira, no endereço indicado, mas não encontrou nenhum morador na casa. A casa faz parte do último conjunto habitacional da região administrativa. Ao lado, outras quatro residências estão em construção. A reportagem não conseguiu, ontem, contato com a Administração Regional do Riacho Fundo II.
Depoimento
"O presidente da cooperativa nos enganou. Cadastrou 50 pessoas para ganhar lote, mas na verdade seriam entregues apenas 30 casas. O que era um sonho, então, acabou virando pesadelo. A cooperativa cobrava um valor ;x; e as pessoas entravam com a mão de obra. Pegamos dinheiro emprestado para construir o imóvel. Ninguém tinha nenhum endereço fixo, mas sabíamos que era na C6 do Riacho Fundo II. A cooperativa deu prazo de um mês para cada um terminar a obra. Cheguei a pagar uns R$ 6 a R$ 8 mil, no mínimo. Isso por alto, porque tinha que pagar mão de obra e comida. O erro foi do presidente da cooperativa. Me sinto enganada. Até hoje não fomos favorecidos com nem um beco sequer. Quando se resolve fazer as coisas de maneira correta, acontece isso. Ficamos com dívidas penduradas e uma frustração. Na verdade, são pessoas que ludibriam as outras e enganam. O dinheiro das outras 20 pessoas foi parar no bolso de alguém, mas o meu se esvaziou."
Maria Desinalva, 35 anos, moradora do Riacho Fundo II
Maria Desinalva, 35 anos, moradora do Riacho Fundo II