Naira Trindade
postado em 01/05/2010 09:37
Um suposto esquema de cartel no fornecimento de gás de cozinha no Distrito Federal acabou desmantelado na manhã de ontem pela Operação (1)Júpiter, comandada pela Polícia Civil do Distrito Federal,em parceria com a Secretaria de Direitos Econômicos (SDE) do Ministério da Justiça e o Núcleo de Combate às Organizações Criminosas do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Três das cinco distribuidoras em Brasília são alvo de investigações da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Deco). Ontem, em cumprimento a 34 mandados de busca e apreensão ; 32 no DF e dois em Goiânia ; policiais e promotores recolheram, nas três distribuidoras do Setor de Inflamáveis do SIA, em residências e revendedoras, malotes com pastas, documentos, mapas com os todos os pontos de revendas, 19 computadores e dois notebooks.As investigações começaram em setembro do ano passado após uma denúncia recebida pela SDE de que a comercialização do gás nesta região seria feita com base em ajustes de preços e reserva de mercado, o que caracterizaria um cartel. O preço do botijão de gás de cozinha no DF é o mais caro do país, segundo a Agência Nacional de Petróleo. Em fevereiro do ano passado, por exemplo, o valor do botijão estava em torno de R$ 35. Dez meses depois, em dezembro, o custo do mesmo produto passou para R$ 45, um aumento superior a 25% em menos de um ano, contra uma inflação no período de 4,31%.
Estudos preliminares da SDE apontam para um suposto esquema de preços combinados entre os empresários das distribuidoras Liquigás, Nacional Gás Butano e SHV Gás (Supergasbrás e Minasgás). Duas delas têm filiais em Goiânia e também são investigadas. Segundo o diretor-geral da Polícia Civil, Pedro Cardoso, os donos das empresas mapearam os 29 pontos de revendas do DF para os quais fornecem os botijões. Depois, eles combinavam o aumento dos preços dos produtos e informavam ao Sindicato dos Revendedores Varejistas de Gás (Sindivargas), que é acusado de apoiar o esquema. ;O mapa deixa claro o controle da distribuição com as empresas. Os preços eram ajustados de acordo com decisão dos distribuidores;, afirmou Pedro Cardoso.
A ordem repassada aos representantes era de reajustar os valores dos botijões numa data previamente agendada. Os revendedores que desrespeitassem a orientação correriam risco de ter o fornecimento do produto cancelado. Acuados, os revendedores procuravam pelo presidente do Sindivargas, José Carlos Lelis dos Santos, a fim de denunciar o suposto esquema. Mas não entendiam por que nenhuma medida era tomada. O aumento, então, era repassado aos produtos e sentido pela dona de casa, que se via obrigada a comprar o gás pelos altos preços regulares em todas as 29 revendedoras das três distribuidoras. Há pontos de venda em todas as cidades do DF.
As apurações reforçam a suspeita de envolvimento do presidente do sindicato na formação de cartel. Ontem, a Operação Júpiter bateu à porta da casa de José Carlos Lelis dos Santos, em Brazlândia, para levantar provas do suposto envolvimento dele no esquema. O homem acabou detido por porte ilegal de arma de fogo. De acordo com o diretor Pedro Cardoso, a polícia não tem escutas telefônicas sobre os esquemas, mas os documentos apreendidos podem comprovar o comportamento das distribuidoras. Ninguém foi detido pela formação de cartel.
As investigações administrativas e policiais continuarão pelos ministérios e pela polícia. Caso comprovada a prática ilícita de combinação de preços, os empresários podem responder criminal e administrativamente. As penalidades para o caso de formação de quadrilha é detenção, de 3 a 5 anos, além de multa de até 30% do faturamento do ano anterior ao da infração cometida para as distribuidoras. ;Os representantes que são pessoas físicas também podem ser multados em até 10% em cima do valor da sanção das distribuidoras;, explica o chefe de gabinete da SDE, Diego Faleck. O promotor de Justiça Alexandre Sales acredita que a população deva sentir os reflexos de uma redução imediata nos preços dos botijões de gás. ;A ação contundente pode possibilitar uma baixa nos valores. Ainda estamos em fase de investigação e pretendemos usar os dados para estabelecer mais segurança;, explicou.
Desarticulação
A reportagem tentou falar com José Carlos Lelis dos Santos ao longo de todo o dia, mas o celular dele permaneceu desligado. O telefone da sede do Sindivargas, que fica no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), está desativado. O único representante da entidade localizado pelo Correio foi Lineu Garcia, que presidiu o sindicato há dois anos.
Garcia disse que o Sindicato dos Revendedores de Gás está desarticulado e que a sede está fechada há cerca de seis meses. O motivo, segundo ele, foi uma disputa interna de poder. ;Eu estou afastado e soube pela imprensa que o José Carlos havia sido detido. Não sei se (o sindicato) compactuou ou não com cartel. Como pode ter compactuado se estava inativo?;, disse.
Procuradas, duas das três distribuidoras de gás investigadas pela Operação Júpiter se pronunciaram por meio de notas. A Liquigás, que pertence à Petrobras Distribuidora e tem sede em São Paulo, afirmou, por meio de sua assessoria de comunicação, que ;irá acompanhar o andamento das investigações e prestará toda a colaboração necessária ao esclarecimento do caso;. A SHV Gás, que tem sede no Rio de Janeiro e engloba as empresas Minasgás e Supergasbrás, disse que ;também está empenhada em obter mais informações sobre a motivação que originou a ação em sua base de engarrafamento em Brasília;. A Nacional Gás Butano, cuja matriz fica em Fortaleza (CE), declarou, por meio de sua assessoria de comunicação, que não iria se pronunciar sobre a Operação Júpiter.
1 - Forte aparato
A Operação Júpiter começou às 5h e terminou às 10h. A ação contou com a participação de 211 policiais civis, entre delegados e agentes, 58 viaturas, e um helicóptero da divisão de Operações Aéreas (DOA). Uma arma de fogo foi recolhida e uma pessoa detida por porte ilegal.