Juliana Boechat
postado em 02/05/2010 08:05
A falta de estrutura dos conselhos tutelares tem influência direta no atendimento prestado às crianças e aos adolescentes do Distrito Federal. Sem um carro, por exemplo, os conselheiros não conseguem apurar denúncias de maus-tratos contra jovens ou, ainda, entregar documentos com prazos determinados ao juiz. Sem telefone e conexão à internet, não há comunicação. E, com apenas uma sala de atendimento, os conselheiros se revezam para atender uma pessoa de cada vez. A falta de privacidade fere a legislação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Dessa forma, as equipes fazem malabarismos no dia a dia para atender a toda a demanda apesar das condições precárias.Na última quinta-feira, uma adolescente de 17 anos, que mora na rua, foi levada ao Conselho Tutelar do Recanto das Emas. O pai dela morreu há oito anos e a mãe está presa. Sem familiares por perto, a garota vivia há algum tempo em um abrigo. Mas teria fugido na semana passada, após ser induzida a manter relações sexuais e a usar drogas. Em conversa com um dos conselheiros, ela contou que parte da família mora em Vazante (MG). Antes de ser levada aos braços dos avós, a jovem aguardará os trâmites legais em um abrigo da Secretaria de Desenvolvimento Social. Na última quinta-feira, por volta das 17h, não havia carro para levá-la ao local. Após longa espera, a administração regional cedeu um veículo.
O conselheiro Paulo Moura, 45 anos, convive com as dificuldades no Conselho Tutelar do Recanto das Emas, que funciona provisoriamente na Administração Regional. Na unidade não tem computador, internet e fax. ;Funcionamos de forma precária, apesar do decreto do governo garantir suporte para os conselhos. Isso não existe. Já reclamamos na Secretária de Justiça e eles informaram que não têm verba para oferecer a estrutura completa;, disse. Pelo menos 15 pessoas são atendidas por dia no conselho e, normalmente, são casos de maus-tratos, violência familiar, dependência de drogas e comportamento agressivo dos jovens.
O Conselho Tutelar de Taguatinga Norte também está na mesma situação. Ao contrário da sede de Taguatinga Sul ; que tem condição-padrão ; as conselheiras brigam por espaço em duas pequenas salas localizadas ao fim de um corredor apertado na administração regional. O conselho não conta com conexão à internet e telefone próprio. Há apenas uma sala para atendimento. Enquanto uma criança se reúne com o conselheiro, a outra espera do lado de fora. Sem viatura oficial, as conselheiras utilizam o carro particular para verificar denúncias urgentes. ;Não sabemos com quem vamos lidar. É muito perigoso;, disse uma delas. Entidades parceiras cedem o veículo ao conselho durante a semana para os trabalhos de rotina, como visitas domiciliares e entrega de documentos aos juizes.
Fila de espera
Com tantas dificuldades, algumas denúncias entram na fila de espera. Um caso de maus-tratos contra três crianças em um bar da cidade chegou ao Conselho Tutelar de Taguatinga Norte pelo Disque 100(1). As conselheiras não conseguiram ir até o local onde as crianças são agredidas pelo pai alcoólatra. Uma semana depois, os vizinhos voltaram a reclamar. Os irmãos estariam com hematomas e com traumas psicológicos. ;Temos que ir até lá e ver se a denúncia é verdadeira ou não para, depois, tomarmos as providências. Mas como vamos fazer isso sem estrutura?;, questiona uma das conselheiras, com olhar de desespero. O crachá de identificação, que facilita o trabalho do conselho, ficou pronto há pouco tempo. Os coletes foram feitos com dinheiro de cada uma.
O mais recente Conselho Tutelar do Gama funciona com o apoio de parceiros. ;Atendemos à população. Mas não é da maneira mais adequada;, contou um dos funcionários. Localizado na Administração Regional do Gama, o espaço é provisório e inadequado para realizar os atendimentos. O veículo cedido uma vez por semana é utilizado para as visitas domiciliares e entrega de documentos. Os funcionários reuniram dinheiro para comprar um modem de internet para receber as denúncias por e-mail. A única linha telefônica é extensão da administração e o conselho não oferece um número 0800 para a população. ;Os móveis são cedidos e temos de usar a máquina de xerox da administração;, explicou.
Dois conselhos tutelares, no entanto, podem ser considerados modelo de atendimento: o de Taguatinga Sul e o da Asa Sul. Os dois fazem parte do grupo de 10 unidades pioneiras no DF. Um antigo prédio da Administração de Taguatinga, de 260 metros quadrados, foi ocupado ano passado pelo serviço de atendimento à criança e ao adolescente. Hoje, conta com gabinetes individuais para cada conselheiro, sala de espera, computadores para cada funcionário, móveis em boas condições e local centralizado. O conselho da Asa Sul tem uma Kombi à disposição, dois motoristas, materiais de trabalho e salas separadas para atendimento. ;Temos uma estrutura eficiente para atender os quase 40 casos que recebemos por dia;, disse o conselheiro José Eriberto de Arruda. Os conselhos que estão em boas condições ganham, então, uma obrigação a mais: ajudar os menos beneficiados.
Denúncias
Para receber denúncias de exploração sexual contra crianças e adolescentes, o disque-denúncia atende também casos variados de violência e até de crianças desaparecidas. As denúncias são encaminhadas aos órgãos competentes em até 24 horas. O serviço funciona das 8h às 22h, inclusive aos finais de semana e feriados. A ligação é gratuita.
Palavra de especialista
Importância ímpar
Os conselhos tutelares são instâncias importantíssimas na garantia do direitos da criança e do adolescente. São órgãos que recebem, na maioria das vezes, as denúncias em primeira mão. Têm o dever de aplicar as medidas de proteção a meninos e meninas e articular com os demais órgãos o atendimento ao menor. Criados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os conselhos são sustentados pelo princípio da participação da comunidade e da desburocratização. Os conselheiros são eleitos na comunidade para garantir a criança e adolescente mais acolhimento. Proporciona a eles um espaço onde podem ser sentir mais a vontade para conversar com rostos conhecidos ou denunciar a violação do direito deles. São órgãos fundamentais da sociedade, mas o Poder Executivo não tem fortalecido a atuação deles.
Perla Ribeiro ; coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca)
O que diz a lei
A criação dos Conselhos Tutelares está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Entre as determinações previstas em lei, estão:
Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta lei.
Art. 132. Em cada município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar: composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução.
Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar: atender as crianças e adolescentes; atender e aconselhar os pais ou responsáveis; promover a execução de suas decisões, podendo requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária para o adolescente autor de ato infracional;
Parágrafo único ; Se, no exercício de suas atribuições, o Conselho Tutelar entender necessário o afastamento do convívio familiar, comunicará o fato ao Ministério Público, prestando-lhe informações sobre os motivos de tal entendimento e as providências tomadas para a orientação, o apoio e a promoção social da família.
Art. 137. As decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse.
Onde está?
Para encontrar o conselho tutelar mais próximo da sua casa, entre em contato com a Coordenação de Apoio Técnico-Administrativo dos Conselhos Tutelares do Distrito Federal pelo telefone 0800-644-0808. Os funcionários informarão endereço e telefone de um dos 33 conselhos existentes.