postado em 03/05/2010 07:55
Eles são o que se pode chamar de ;um barato;. A idade mínima para fazer parte desse seleto e inconfundível grupo é 35 anos. Idade máxima não existe. Funciona mais ou menos como disse Vinícius de Moraes: ;Eterno enquanto dure;. Todas as quartas-feiras e sábados, os 65 membros do Grupo de Pelada Congraçamento têm um encontro marcado e impreterível com o futebol. Um encontro, na verdade, entre cavalheiros que não distinguem profissão, credo, cor ou conta bancária. ;Posição social não nos interessa. O que interessa é a amizade e o futebol;, afirma Salim Elahel, fundador do grupo. Excluídos, aqui, apenas os pernas de pau. É justo.Ontem, as peladas do Congraçamento chegaram aos 35 anos de existência. ;Eu me sinto muito orgulhoso de termos chegado até aqui. Deu certo porque nos esforçamos para preservar o grupo com membros que acreditavam na filosofia do Congraçamento;, explica Elahel, referindo-se à doutrina de companheirismo, amizade e harmonia dentro e sobretudo fora de campo. Aos 81 anos ; ele prefere ;18 ao contrário; ;, Elahel continua jogando bola, apesar de ter problemas no joelho. ;Como já não tenho tanta velocidade, me colocam na frente da área só pra fazer o gol;, conta. Garrincha explica.
Podem chamar de pelada, mas a organização do grupo é de dar inveja a muito time profissional. Os dados da partida são registrados e colocados em um site, trabalho incumbido a um misterioso companheiro apelidado de Dataflávio. Ele atualiza estatísticas, perfil dos jogadores e o calendário dos jogos, sempre disponíveis na rede. Improviso também não tem vez em campo. O uniforme é obrigatório. Cada jogador tem seu enxoval completo, com as camisas azul e vermelha, que separam os times. Treinos não há, mas quem, por acaso, seguir a onda (in)disciplinar do atacante Adriano, do Flamengo(1), provavelmente amargará o banco de reservas. ;Somos escalados por assiduidade. Quem comparece mais aos jogos, mesmo que não entre em campo, tem preferência. Chegou depois da hora marcada do jogo, está fora;, explica Paulo Roberto de Azevedo, 68 anos.
Clube fechado
A camisa de Paulo Roberto tem estampado o número três. Não é superstição, ele nem sequer teve escolha. A numeração se dá pela ordem de entrada do jogador no grupo. Paulo Roberto foi um dos fundadores e conhece como poucos a evolução do Congraçamento. ;A gente chegou aqui alto, forte, louro, de olhos azuis, mas o tempo passa e a gente fica assim;;, brinca. Luisinho Loiola, o craque do mês, de 68 anos, passou sete longe dos encontros porque foi transferido para Belo Horizonte (MG). ;Realizei o sonho de voltar para Brasília e voltar para o grupo;, conta, suado, após disputar os 45 minutos do primeiro tempo da partida. A preocupação no momento de elencar as equipes é haver equilíbrio entre os rivais devido ao leque abrangente de idades. Pegue Artur Montana, camisa 7, como exemplo. São 77 anos, sem medo de entrar em campo. ;Existe muito respeito entre nós. Além de tudo, viemos nos divertir;, conta.
Entrar para o clube pressupõe aquela prática de que querer nem sempre é poder. Primeiro, é preciso ser apadrinhado por alguém de dentro. Segundo, os candidatos ; vulgo ;perus; ; passam por um período de avaliação. ;Existe um rito de passagem. O cara precisa ter bom relacionamento com os colegas e, claro, jogar direito. Quem não sabe jogar bola tem menos chances;, diz Moacir Vieira de Souza, 44 anos, ex-presidente. O bom comportamento não vale só para os que vislumbram o passe, mas para os próprios membros. Aqueles que esquentam a cabeça em campo vão a julgamento. ;Temos uma comissão de nove membros que julga quem se excedeu ou criou confusão. O réu pode ser suspenso ou, em casos extremos, até expulso do grupo;, conta Bernardo Milano, 51, novo presidente do Congraçamento. O presidente e os membros da comissão são eleitos por votação secreta e direta e permanecem no cargo por um ano. ;Somos muito democráticos;, completa Yoshinori Tominaga, 68, o camisa 11.
Democracia pode até estabelecer igualdade, mas não consegue tirar o brilho do craque. Paulo Campos Alves, o Brinco, é, digamos, o Pelé da confraria. Em 12 anos, fez 1021 gols. ;Dos mil que fiz, perdi 10 mil;, minimiza, fanfarrão. Talentoso e humilde. Se Brinco sabe que seu destino é o gol, as certezas são mais voláteis para outros jogadores. Questionado sobre seu posicionamento em campo, Sotero Castro, 72 anos, é bem específico: ;Eu? Eu jogo de teimoso;.
Ambiente familiar
O campo de futebol é um reino do bom humor. Idade é o principal motivo das chacotas. ;Quando escutei o ministro (da Saúde), José Gomes Temporão, recomendando sexo cinco vezes por semana para curar hipertensão, pensei: ;Não custa nada a gente sonhar;;, zomba Paulo Roberto. ;Esquecemos de trazer a faixa de aniversário. Você sabe; Esquecemos também de tomar o remédio para memória;, completa Luisinho. O grupo não se cansa de dizer que os benefícios vão além do prazer pelo futebol. Melhora o astral, os problemas vão-se embora e a saúde agradece. É um banho de vitalidade.
Se mulheres não são permitidas no clube da bolinha, os maridos compensam com diversas homenagens fora das partidas. ;Eles fazem festa de Dia das Mães, comemoram o aniversário da gente. São muito festeiros e isso congrega. Hoje, as famílias são amigas;, explica Cláudia, 68 anos, mulher de Luisinho Loiola. O apito final da partida do último sábado do mês significa o início da festa mensal e já sagrada entre os convivas. É parte do que eles chamam de terceiro tempo, um momento de descontração e comemoração após o jogo. ;Isso é uma extensão da minha família;, resume Elahel, emocionado.
Hoje, os filhos que viam os pais se aprumarem para o jogo dividem a bola com eles. ;Estamos aqui porque tivemos a disciplina para continuar. Queremos que o Congraçamento seja uma coisa contínua, que não acabe nunca;, diz Tominaga. Eterno enquanto dure.
O grupo se reune nas quartas e sábados, nos campos da Base Aérea, do Ascade ou na casa do Chaves. Mais informações no site www.congracamento.com.br.
1 - Mau exemplo
O jogador Adriano é conhecido por seu caráter indisciplinado. Só este ano, já faltou aos treinos do time 12 vezes. Também costuma sair mais cedo das reuniões e, muitas vezes, vai embora dos encontros sem praticar nenhuma atividade física. O resultado é um mau condicionamento.