Cidades

Menina de 10 anos que vivia no Paraguai conta que era abusada sexualmente

Padrasto da garota, que cometia os abusos, também a obrigava a usar drogas e álcool. Até a Interpol foi acionada

postado em 07/05/2010 08:22
Fac-símile do ofício enviado pela Polícia Civil ao Ministério das Relações Exteriores: Itamaraty também recebeu os laudos que comprovam os abusosA Polícia Civil do Distrito Federal apura, com ajuda do Ministério das Relações Exteriores, um caso cruel de pedofilia e maus-tratos que ultrapassa os limites do Brasil, mas foi descoberto em Brasília. A vítima é uma menina de 10 anos, que tem dupla nacionalidade e é filha de mãe paraguaia, 38 anos, e pai brasileiro, morto há quatro em um acidente de moto. Desde os 6 anos, a vítima era obrigada pelo padrasto a fumar maconha, consumir bebida alcoólica e manter relações sexuais com ele em um sítio na fronteira do Brasil com o Paraguai, em Juan Pablo Caballero. O homem chegou até mesmo a fazer, com agulhas, um esboço de tatuagem no antebraço da criança.

Padrasto da garota, que cometia os abusos, também a obrigava a usar drogas e álcool. Até a Interpol foi acionadaDe acordo com informações obtidas com exclusividade pelo Correio Braziliense, o acusado de ser o algoz é um paraguaio de 24 anos, usuário de drogas. Ele e a mãe da menina seriam traficantes, segundo relatos da própria vítima. A criança está no DF há três meses. Veio a passeio para a casa da tia e madrinha ; irmã do pai dela ; e do irmão mais velho, que moram na Colônia Agrícola Vicente Pires. Quando descobriam o abuso, os familiares recorreram à 38; Delegacia de Polícia (Vicente Pires), onde registraram um boletim de ocorrência, em 6 de abril.

O delegado-chefe da unidade, Gerardo Carneiro, pediu a realização de exames de lesão corporal e de conjunção carnal ao Instituto de Medicina Legal (IML) para comprovar a denúncia. Dias depois, os laudos trouxeram as más notícias. ;O documento atestou a penetração (;) e as agressões com pedaços de pau em várias partes do corpo. Tomamos o cuidado de reunir todas as provas para que o melhor seja feito por ela;, afirmou o delegado.

Autoridades do DF avisaram a Interpol(1) para evitar a fuga do padrasto. Além disso, a polícia do Paraguai também será contatada. ;Enviamos um pedido e o Minsitério das Relações Exteriores deve entrar em contato com a embaixada do Brasil em Assunção (capital do Paraguai) para que a investigação criminal prossiga com a polícia de lá. Não acionamos a Justiça brasileira sobre esse crime e vamos esperar a ação do Itamaraty;, explicou Carneiro.

A menina está em situação irregular no Brasil, mas veio com o consentimento da mãe. A criança tem pele morena, cabelos pretos e lisos, que emolduram o olhar desconfiado, cortados na altura dos ombros. Se veste de rosa, fala baixo e gosta de brincar com bonecas. Durante a entrevista, transmitiu tranquilidade por estar longe do pesadelo e até sorriu. Mas quando falou em voltar ao Paraguai, era o retrato do medo. Para evitar o retorno da criança, os advogados da família brasiliense enviaram ontem à Vara de Família de Taguatinga um pedido de guarda provisória emergencial em nome da tia e do irmão de 20 anos. A decisão deve ser divulgada hoje. A mãe, que segundo a polícia é alcoólatra e viciada em drogas, demonstrou a intenção de levar a menina para o Paraguai. Há suspeitas de que o padrasto tenha deixado a companheira e fugido quando soube das suspeitas do abuso.

Olhos vermelhos
Aos 6 anos, Alice* mudou-se do Brasil para o Paraguai, depois da morte do pai. À época, a mãe tinha iniciado um relacionamento com o padrastro e já vivia com ele. Foi quando começaram os abusos. Ele passou a forçá-la a fumar maconha, ingerir bebida alcoólica e manter relações sexuais com ele no sítio onde a família vivia. As sessões de horror ocorriam quando os dois estavam sozinhos em casa. A criança tinha também que trabalhar, capinando a roça, e fazer o almoço. Durante quatro anos, ela foi privada de frequentar regularmente a escola.

Hoje, a vítima tem 10 anos e as marcas da violência sofrida por ela se exteriorizam em uma tatuagem apagada no braço frágil, feita àforça. ;Ele me pegava com muita força. Me batia e me fazia usar drogas. Minha cabeça doía, meus olhos ficavam vermelhos e eu gritava demais. Ele dizia que ia me matar se eu contasse para a minha mãe. Mesmo assim, eu dizia a ela, mas ela não acreditava. Os dois brigavam o tempo todo e minha mãe também usava droga;, relatou, com a voz embargada e jeito tímido.

Socorro
Os parentes estranharam o comportamento ao mesmo tempo triste e arredio da criança. Durante uma conversa com a tia, a garota pediu socorro ao relatar os abusos sofridos. ;Criamos uma relação de confiança. Ela começou a me contar e eu me emocionei muito. O que faziam com ela era horrível. Minha sobrinha não pode voltar para isso. Aqui tem uma família, casa, escola e amor, tudo o que precisa para seguir em frente com uma vida nova;, disse a tia. No início do ano, o irmão foi visitar os avós no Paraguai e trouxe Alice com ele para Brasília. ;Depois da morte do meu pai, a mãe dela, que infelizmente também é a minha, afastou ela da gente. Encontrei minha irmã com a ajuda da minha avó materna e a nossa mãe aceitou que ela viesse passear aqui. Mas ela (Alice) nunca mais quis voltar;, afirmou o irmão.

Os familiares e a vítima já prestaram depoimento. Durante a conversa com os policiais, a menina narrou com clareza toda a ação do estuprador. Descreveu também o nojo que sentia ao ser tocada e obrigada a beber e usar maconha. Era obrigada também a conviver com essa sensação diariamente desde os 6 anos. Há 90 dias, Alice veio à capital para passar uma temporada junto dos tios e dos primos brasilienses. No momento de embarcar para casa, se recusou a ir embora. Depois de quatro anos de uma rotina de drogas, violência sexual e muitos outros abusos, Alice experimentou uma vida normal. Frequenta, além das aulas do 4; ano do ensino fundamental, reuniões de catequese em uma igreja de Vicente Pires e faz aulas de natação. ;Aqui é maravilhoso. Já esqueci a outra vida, a minha mãe e aquelas pessoas;, finalizou.

1 - Procurados
A International Criminal Police Organization, conhecida pela sigla Interpol, atua em quase 200 países-membros, entre eles o Brasil, quando recebe pedidos de ajuda para encontrar fugitivos internacionais. A busca pelos criminosos é feita, entre outras ações, por meio de avisos espalhados com fotos e infomações sobre o procurado na internet e em meios físicos.

* Nome fictício, em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).


Palavra de especialista
;Nesse caso, a primeira preocupação foi garantir que a guarda fosse dada à família no Brasil, para preservar a integridade da criança. Depois disso, acredito que há possibilidades do caso ser apurado aqui, porque foi denunciado em território brasileiro. O direito internacional é muito flexível e pode haver acordo entre os dois países. O Código Penal Brasileiro oferece dispositivos para chamar a competência do caso para o nosso país. Há ainda as questões de direito da família. Se for julgado aqui, ele (o padrasto) vai responder por estupro de vulnerável e pode pegar de 8 a 15 anos de prisão, além das punições previstas pelo ECA para quem dá bebida alcoólica e drogas a uma criança e dos agravantes;.
Délcio Gomes de Almeida, advogado da família da vítima

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