postado em 11/05/2010 08:29
Lourivaldo Marques, 72 anos, fala com saudades do tempo em que montou a primeira banca de jornais de Brasília. Os olhos claros chegam a ficar marejados ao lembrar dos caixotes de madeira que sustentaram os primeiros exemplares de jornais vendidos por ele. Além de informação, nos anos de 1960, o jornaleiro vendia laranjas e outro produto ainda mais incomum para uma banca ou qualquer outro estabelecimento: poeira engarrafada de Brasília a US$ 1. Os estrangeiros adoravam levar para casa, dentro de um vidrinho de guardar remédio, um vestígio do sonho de JK.
Os moradores da quadra frequentam a banca para muito mais que comprar revistas e jornais. Até porque o local é um ;minimercado; e oferece opções diversificadas para os consumidores: há de álbuns de figurinha a sorvetes, biscoitos e até complementos de alimentação como a ração humana, lançada recentemente e bastante popular. Muitos passam por ali somente para conversar ou, quem sabe, em dias de jogos de futebol ; que fique claro, a pedido dele mesmo, que Lourivaldo é corintiano ; tomar uma cervejinha.
Invenções
Criatividade é o que sustenta o comércio cinquentão. Em 16 de fevereiro de 1960, ele inaugurou o negócio em solo brasiliense. Veio de São Paulo para pintar os prédios do Plano Piloto. ;Coloquei os pincéis na mala e vim para cá. Quando cheguei, precisava crescer. Então, procurei o Correio Braziliense e pedi jornal para vender. O povo fazia fila para pegar jornal na minha banca, não tinha outra opção;, afirmou.
Naquela época, o nome dos clientes e a conta de cada um ficavam em um caderno. Hoje, o dono da banca ainda aceita pagamentos por mês dos frequentadores mais assíduos. A banca mais estruturada, sem madeirite e de ferro, só ficou pronta em 1961. Nos anos de 1980, Lourivaldo ganhou autorização para expandir o negócio. Hoje, o espaço tem 49 metros quadrados. ;Comparando com Brasília, eu cresci pouco;, brinca.
Lourivaldo quis se dedicar a uma de suas maiores paixões: a literatura. Passou então a vender livros também. Sempre bolava uma promoção original para atrair a clientela. ;Quando eu era adolescente, em São Paulo, gostava muito de ler e sentia falta dos livros aqui. Mas tinha pouca cultura e lia uma ou duas páginas por vez. Comecei querendo dar um desconto para mim mesmo;, lembrou. ;Mas queria também distribuir cultura para Brasília. Aí nasceu uma ideia: como eu ganhava muito vinho das repartições públicas na época fiz a promoção: ;Tome vinho, compre um livro e ganhe um jornal;. Deu muito certo, durante um bom tempo, até a chegada do VHS (1), que tirou um pouco do público dos livros;, ressaltou.

Novas ideias
As promoções não param. Há também no local a roleta da sorte. As crianças de toda a cidade vão até lá para girá-la e levar um agrado como um chocolate ou balinha para casa de graça. A vontade de agradar aos clientes faz de seu Lourivaldo uma figura querida na quadra. ;Além da simpatia e do bom atendimento, aqui tem de tudo. É um minimercado de cultura. A banca já faz parte da nossa história;, afirmou o amigo e cliente de Lourivaldo, o militar da reserva João Alberto Vargas, 75 anos, morador da 109 Sul. Lourivaldo sente-se parte de cada família que viu crescer. ;As crianças da rua são como filhos para mim.; E o carinho é recíproco. ;Minha família nasceu aqui. Venho à banquinha desde que me entendo por gente. Só não tinha os filmes;, lembra o estudante Leandro Borges, 22 anos.
Mesmo quem se muda da quadra ainda passa pela banca para recordar os velhos tempos. ;Tem muito homem feito que vem aqui, traz os filhos para conhecer e diz: ;roubei muita figurinha dessa banca, agora tenho que comprar coisas para vocês para compensar;;, brincou Lourivaldo. Hoje, casado, pai de nove filhos, com 18 netos e um bisneto, o primeiro jornaleiro de Brasília continua ali, cheio de energia e novas ideias para entreter quem procura seus serviços.
1 - Sistema antigo
O VHS é a sigla para Vídeo Home System (sistema de vídeo caseiro). Lançado em 1976, o sistema, inventado pela JVC , era composto de fitas de vídeo e de um equipamento de gravação e reprodução que permitia o registro de programas de TV e sua posterior visualização. A facilidade de operação e a uma razoável qualidade fizeram com que o sistema se difundisse. Com o tempo, foram introduzidos gravadores portáteis alimentados por baterias que, acoplados a câmeras, permitiam gravações caseiras em vídeo.
PARA SABER MAIS
Adaptações ao tempo
A maior parte das quadras do Plano Piloto tem pelo menos uma banca de revistas e jornais. De acordo com o Sindicato dos Vendedores de Jornais e Revistas (Sindjor), existem cerca de 1,1 mil pontos de venda espalhados pelo Distrito Federal ; 700 instalados em área pública. Segundo o presidente da entidade, José Maria da Cunha, mesmo assim, ainda há uma carência de 500 bancas em cidades como Águas Claras, Recanto das Emas e São Sebastião, por exemplo. O sindicato estima ainda que cada ponto de venda gera, no mínimo, três empregos diretos. José Maria acredita que a banca presta um serviço de extrema importância para a comunidade da qual é vizinha. ;Só traz mais segurança para o lugar e interação entre as pessoas;, afirmou. Apesar da concorrência e das inovações tecnológicas, o setor evolui. ;Tivemos que criar mais motivos para que as pessoas continuassem tendo vontade de ir à banca. Não dava mais pra vender só jornais e revistas, porque hoje eles estão em todo lugar;, concluiu.