Ana Maria Campos
postado em 12/05/2010 07:46
A permanência de Leonardo Bandarra no cargo de procurador-geral de Justiça do Distrito Federal está ameaçada. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu ontem, por unanimidade, avocar a sindicância que apura denúncias do ex-secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa contra Bandarra e a promotora Deborah Guerner, acusados de receber dinheiro em troca de vazamentos de informações privilegiadas. Até o fim do mês, os conselheiros deverão se reunir extraordinariamente para tomar providências. Há expectativa de que, como medida preventiva, um dos integrantes do CNMP peça o afastamento do chefe do MP local de suas funções.Bandarra, com a credibilidade abalada desde a Operação Caixa de Pandora, tem perdido a confiança até de colegas que sempre o apoiaram. Nos bastidores, o sentimento é de decepção. Respeitada internamente pela experiência, a corregedora-geral do Ministério Público do DF, Lenir de Azevedo, concluiu seu trabalho na sindicância que examinou os relatos de Durval. Ela apontou indícios graves de falta funcional de Bandarra e Deborah Guerner. ;Não há como separar a conduta dos dois. Estão entrelaçadas;, disse a corregedora. Em depoimentos, Durval sustenta que entregou R$ 1,6 milhão a Deborah em troca de dados relacionados a operações do MP.
Na última quinta-feira, a Corregedoria-geral do MPDFT recebeu laudo da perícia da Polícia Federal do aparelho celular pelo qual Durval supostamente trocava mensagens com Deborah Guerner. O telefone foi entregue aos investigadores por Durval. Segundo o relato do ex-secretário, ele e a promotora se tratavam por codinomes: Gabriel e Rapunzel. Também se referiam a Bandarra e ao então governador José Roberto Arruda como Ricardo e Fernando, respectivamente. ;Essa era a prova principal que estava aguardando;, explicou Lenir. ;Há inúmeras mensagens.;
Com a convicção formada, a corregedora encaminhou ao CNMP um relatório sobre o caso. No texto, ela cita que Bandarra e Deborah Guerner tinham ;relações promíscuas;. No relatório, a corregedora indica que, na madrugada em que o Ministério Público realizou operações de busca e apreensão, dentro de investigações que envolviam Durval Barbosa, houve uma intensa comunicação entre Bandarra e Deborah.
A transferência para o órgão que exerce o controle externo do MP foi proposta pelo conselheiro Bruno Dantas, sob a justificativa de que havia risco de omissão da Corregedoria-Geral do MPDFT. No CNMP, a sindicância ficará a cargo do corregedor nacional, Sandro Neis. Na próxima sessão do conselho, ele levará um posicionamento sobre o assunto, depois de analisar 31 volumes encaminhados por Lenir de Azevedo na tarde de segunda-feira.
A corregedora do MPDFT colheu 21 depoimentos, desde 20 de janeiro. Entre as pessoas ouvidas estão o próprio Durval, o jornalista Edson Sombra e o ex-procurador-geral da República Aristides Junqueira. Hoje advogado, Junqueira teria ouvido de Arruda versão de que pagaria uma mesada de R$ 150 mil a Bandarra.
Liminar
Na sessão de ontem, os conselheiros decidiram também manter a liminar que garantiu às procuradoras Ruth Kicis e Suzana Toledo acesso a todos os processos relacionados à fiscalização das Promotorias de Patrimônio Público dos contratos de coleta de lixo. De acordo com Durval Barbosa, Bandarra e Deborah teriam favorecido empresas do setor. O advogado da promotora Deborah Guerner, Pedro Paulo de Medeiros, disse que a sua cliente não teve acesso até hoje às acusações que lhe são atribuídas por Durval.
Bandarra voltou a negar ontem as denúncias do ex-secretário de Relações Institucionais. ;Acredito num julgamento técnico. Não há prova contra mim. Não tenho nada a temer;, afirmou. ;Vou me defender e não há motivo para afastamento. Se isso ocorrer, vou recorrer;, afirmou. ;Tenho convicção de que as coisas vão mudar no DF justamente porque dei liberdade para uma equipe de promotores independentes que atuou no combate ao crime organizado.;
Perfil - Leonardo Bandarra
Popular, mas não unânime
Até a Operação Caixa de Pandora, Leonardo Bandarra era um dos promotores mais populares do Ministério Público do DF. Mesmo com a simpatia de muitos colegas, que o colocavam como potencial candidato ao cargo de ministro de tribunal superior, ele sempre manteve uma relação difícil com um grupo adversário dentro do MP. O embate se acirrou na sua gestão como procurador-geral. Promotor desde 1994, Bandarra esteve em primeiro lugar em quase todas as eleições internas. Foi presidente da Associação do MPDFT e sempre sonhou comandar a instituição. Entre 1999, participou de um momento que marcou um dos governos de Joaquim Roriz, ao receber o bicheiro Manoel Durso para uma denúncia de caixa dois contra o então governador.
Em 2004, Bandarra foi o mais votado pelos colegas para a nomeação ao cargo de chefe do MP, mas não foi escolhido pelo presidente Lula. Na derrota, recebeu uma ligação de solidariedade do então deputado José Roberto Arruda, político com quem ainda mantinha relação distante. Em 2006, quando Arruda se elegeu governador e Bandarra já se tornara procurador-geral, os dois se aproximaram. Bandarra passou a frequentar a Residência Oficial de Águas Claras e buscou acordos com o Executivo, em vez de demandas judiciais. A relação despertou certa desconfiança dos promotores acostumados com os embates com Roriz. Um dos momentos mais marcantes de sua gestão ocorreu com a Operação Aquarela, quando uma das interceptações telefônicas provocou a renúncia de Roriz no Senado. (AMC)
;Peguei você;, diz corregedora
Na carreira há 38 anos, a corregedora-geral do Ministério Público do DF, Lenir de Azevedo, 67 anos, vive dias de tensão. Amiga do procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bandarra ; por quem foi nomeada para o cargo ;, ela demonstrou que as relações pessoais são se misturam com o que considera um dever. Oito meses após implantar quatro pontes de safena, Lenir encarou Bandarra em uma sessão sigilosa do Conselho Superior do Ministério Público, na noite de segunda-feira, para anunciar que concluíra a sindicância sobre as denúncias do ex-secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa contra ele e a promotora Deborah Guerner.
Na reunião, Lenir comunicou que encontrou fortes indícios de falta funcional grave supostamente cometida por Bandarra. Antes disso, ela sentiu-se mal. A pressão chegou às alturas. Já na expectativa da sessão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), ontem, com a mão no peito, ela contou aos jornalistas: ;Chamei o Bandarra e disse: ;Peguei você;;.
Na sessão no CNMP, Lenir ; a decana do Ministério Público local ; fez um pronunciamento em que defendeu a sua honra contra as suspeitas de que se omitiria na investigação contra Bandarra. ;Em 38 anos de Ministério Público, sempre cumpri o meu dever e nunca tive uma mácula. Entrei na faculdade para ser promotora pública;, contou. Lenir disse que iniciou a investigação apenas quatro meses depois da cirurgia no coração. Mas a saúde nunca a teria impedido de trabalhar no caso. ;Acho que a Ferrari parou em algum lugar e o meu fusquinha chegou antes;, disse, comparando seu trabalho ao do CNMP. (AMC)