postado em 13/05/2010 08:01
A mesma Câmara que iniciou a atual legislatura, em 2007, com o discurso de uma pauta ética se aproxima do final do mandato com uma atitude na contramão da transparência de gastos. A partir de um ato da Mesa Diretora, os deputados distritais autorizam a Casa, por meio de seus servidores de carreira, a fazer despesas de caráter ;sigiloso, secreto e de natureza reservada;.A permissão está regulamentada no Diário da Câmara Legislativa de ontem. O Ato n; 10 da Mesa estabelece que poderá ser concedido suprimento de fundos a servidor ocupante de cargo efetivo para o pagamento de despesa orçamentária. Ou seja, funcionários concursados terão acesso direto a recursos do orçamento da Câmara para realizar determinados tipos de gastos.
O documento prevê várias situações que justificariam a pulverização dos gastos. Por exemplo, nos casos das despesas que exijam pagamento imediato, da contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviço, de viagens de servidores, da compra de material de consumo, combustível, lubrificante, táxi, e até das tais despesas sigilosas. Os valores a que funcionários terão acesso chegam ao teto de R$ 8 mil. A quantia corresponde a 10% de R$ 80 mil, valor utilizado em licitações para compras e serviços na modalidade carta-convite, como prevê a Lei Federal n; 8.666/93. O expediente é utilizado para as despesas consideradas de natureza ;miúda;.
O pagamento aos servidores incumbidos de fazer as despesas será depositado em conta especial de agência do Banco de Brasília (BRB), que terá a indicação do nome, matrícula, além do cargo e função do responsável. A autorização para uso da conta se dará por meio do ordenador de despesa da Câmara. E o funcionário que tiver tal permissão receberá um talão de cheques. Sistema parecido ao dos cartões corporativos, que desencadearam dois grandes escândalos, um na esfera local investigado pela Operação Aquarela e outro de proporções federais, que expôs irregularidades em diversos ministérios (leia abaixo).
;Inaceitável;
Um dos signatários do ato da Mesa Diretora que disciplinou o suprimento de fundos foi o presidente da Câmara, Wilson Lima (PR). Ele afirma, no entanto, que a medida nada mais é do que ;uma compilação de resoluções e decretos;. Segundo Lima, a prática já existe na Casa, apenas foi regulamentada por meio do Ato publicado ontem. O distrital alega que não há ;nenhuma intenção de esconder nada;. Ele explica que a iniciativa vai agilizar a solução de problemas ;corriqueiros; e que não exigem abertura de licitação. Sobre os gastos de natureza sigilosa e secreta, Wilson Lima afirma que se prestam a missões de deputados ou servidores como ;viagens ou diligências dentro das apurações de uma CPI;.
A explicação não é consenso para justificar a brecha dos gastos às escondidas nem entre os 24 deputados. José Antônio Reguffe, do PDT, é um dos que está em desacordo com a medida. ;É inaceitável que na Câmara Legislativa existam despesas sigilosas, isso lembra aquela história nefasta dos cartões corporativos. É mais um desrespeito da Câmara com o contribuinte do DF;, considera Reguffe.
Experiências escandalosas
O escândalo dos cartões corporativos balançou o Governo Lula, por abrir brechas para o uso indevido da verba pública federal. Em 2007, os gastos com a verba corporativa do governo dobraram em relação ao ano anterior. A campeã da gastança foi a ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, que teria usado o benefício para fazer compras em free shops, alugar carros e pagar contas em restaurantes. Ela acabou perdendo o cargo. O então ministro da Pesca, Altemir Gregolin, teve que explicar o pagamento de um jantar no valor de R$ 500 e a quitação de uma conta em uma choperia. Até o ministro dos Esportes, Orlando Silva, teve de justificar a compra de uma tapioca, no valor de R$ 8,30. O dinheiro foi devolvido aos cofres públicos.
O então deputado petista José Dirceu também foi mencionado na trama de uso indevido dos cartões. Nem o presidente Lula se safou do escândalo. Um segurança de sua filha gastou R$ 55 mil em nove meses de uso do cartão. Os saques em dinheiro foram proibidos e o governo e a oposição fecharam um acordo para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). No fim, ninguém foi indiciado. Os cartões também foram cruciais para que a Operação Aquarela, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) demonstrassem uma máfia de desvio de dinheiro, Os promotores descobriram que mais de R$ 100 milhões foram usados de forma indevida.
CPI ACÉFALA E SEM QUORUM
Mais um dia de modorra na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Codeplan, na Câmara Legislativa. Não houve quorum na sessão de ontem ; na qual deveria ter sido escolhido o novo presidente do grupo que, em tese, investiga denúncias de corrupção dos últimos 19 anos no Executivo local. Apenas o relator Paulo Tadeu (PT) compareceu. Há mais de um mês, a CPI está sem comando. E ainda há dúvidas se Cristiano Araújo (PTB), o quinto integrante indicado pelo presidente da Casa, Wilson Lima (PR), vai assumir o cargo.