Ana Maria Campos
postado em 14/05/2010 08:17
O corregedor nacional do Ministério Público, Sandro Neis, considerou concluída a primeira parte da investigação que apontou indícios graves de falta funcional do procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bandarra, e da promotora Deborah Guerner, acusados pelo ex-secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa de receber dinheiro em troca de informações privilegiadas. Até o fim deste mês, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) vai realizar sessão para deliberar sobre a abertura de processo administrativo disciplinar contra os dois investigados no esquema que veio à tona na Operação Caixa de Pandora.Bandarra e Deborah Guerner foram notificados ontem a apresentar esclarecimentos sobre os pontos levantados em relatório da corregedora-geral do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT), Lenir de Azevedo. Eles terão 15 dias para encaminhar defesa. Depois disso, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, presidente do CNMP, convocará sessão para tratar do próximo passo da investigação. Em tese, há possibilidade de arquivamento do caso. Se o plenário do conselho concluir que há indícios suficientes contra Bandarra e Deborah, o processo administrativo será aberto. As punições possíveis na hipótese de condenação por falta funcional são advertência, suspensão e aposentadoria. A pena por perda do cargo pode ser aplicada apenas em caso de decisão judicial transitada em julgado.
Sindicância interna encerrada na última segunda-feira apontou suspeita de que Bandarra e Deborah quebraram o sigilo de informações relacionadas à Operação Megabyte para beneficiar Durval, em troca de pagamento de R$ 1,6 milhão, dividido em quatro parcelas. Segundo as conclusões da Corregedoria-geral do MP, há evidências de que Bandarra entregou a Deborah e esta, por sua vez, mostrou a Durval uma minuta de ação cautelar de busca e apreensão com os locais que seriam alvo da ação policial. Leonardo Bandarra nega essa acusação. Ele afirma que vai comprovar sua inocência e garante não haver provas de que houve vazamento. Sustenta que sua relação com a promotora é institucional. Um dos elementos de convicção da corregedora é a informação de que houve intensa comunicação telefônica entre Deborah e Bandarra na madrugada em que foi realizada a operação (3 de junho de 2008).
Elementos
Em entrevista ao Correio (veja ao lado), a corregedora do MPDFT disse que há elementos que indicam que a promotora Deborah Guerner também tentou influenciar o trabalho do promotor Ivaldo Lemos, que atua na área de Defesa do Patrimônio Público, na fiscalização dos contratos de coleta de lixo do DF. Em depoimento, Ivaldo disse que foi procurado três ou quatro dias seguidos por Deborah Guerner com propostas para o serviço, mas não teria se influenciado com as ideias da colega.
[SAIBAMAIS]Em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) discutido em 2006 durante a gestão Maria de Lourdes Abadia (PSDB), o governo e o MP trataram da distribuição dos serviços entre empresas interessadas nos contratos de limpeza pública. Há rumores de que o documento foi elaborado por Deborah Guerner com o intuito de favorecer a empresa WRJ Engenharia, que ficaria encarregada de construir o aterro sanitário do DF. Mas a proposta de entregar a obra, por meio de contrato emergencial, à WRJ foi recusada por Ivaldo Lemos.
Levantamento do Centro de Inteligência do MPDFT revelou a existência da empresa Solurb International LLP, da qual aparecem como sócios Jorge Guerner, marido da promotora, Renato e Roberto Cortopassi, donos da WRJ, e Froylan Santos Pinto. O nome atual da empresa é WRJ International LLP. Dessa forma, os promotores avaliam que o marido de Deborah Guerner é ou foi sócio oculto dos donos da WRJ. Os documentos relacionados a essa pesquisa foram incluídos na sindicância e encaminhados nos 35 volumes enviados por Lenir de Azevedo ao CNMP.
A WRJ tem uma dívida de R$ 5 milhões com o Banco de Brasília (BRB). De acordo com depoimento de Durval Barbosa, Deborah Guerner entregou a um dos donos da empresa a gravação feita pelo ex-secretário em que o ex-governador José Roberto Arruda aparece recebendo dinheiro. O intuito, segundo Durval, seria pressionar Arruda a fazer gestões para abater o débito da empresa no BRB.
Entrevista - Lenir de Azevedo
A senhora tem convicção de que as denúncias de Durval Barbosa contra o procurador-geral de Justiça, Leonardo Bandarra, e a promotora Deborah Guerner são verdadeiras?
Que houve falta funcional, tenho convicção. A parte criminal fica a cargo da Procuradoria Regional da República.
O que foi comprovado?
Os depoimentos foram a base para abrir várias linhas de investigação. Comprovamos, por exemplo, que de fato Durval providenciou a retirada de textos na internet com mensagens ofensivas ao Bandarra e a Deborah. Tivemos até acesso a um e-mail em que um hacker confirmou a Durval que o serviço foi cumprido. Havia ligação entre Durval e Deborah e entre Deborah e Bandarra. E a retirada o beneficiou porque ele não poderia ser reconduzido ao cargo de procurador-geral com essas notas na internet. Também está claro que a promotora tentou interferir em questões de lixo.
E o vazamento da Operação Megabyte?
O promotor encarregado da operação, Eduardo Gazzinelli, confirmou que Bandarra foi a única pessoa que recebeu a minuta impressa que Durval disse ter visto. A promotora Juliana Poggiali, ex-assessora do Bandarra, também confirma acreditar que a minuta foi entregue apenas ao procurador-geral em envelope lacrado.
Na sindicância, Durval mostrou uma cópia?
Ele disse que a promotora Deborah só mostrou a ele. E ela ainda o avisou que não haveria prisão, como se fosse uma vantagem a mais. Mas o promotor Eduardo Gazzinelli explicou que não havia mesmo previsão de prisão porque os fatos investigados tinham ocorrido havia algum tempo. Ela usou como se Bandarra tivesse tido a ideia. Cláudia Marques, que apresentou Deborah a Durval, confirmou em depoimento que Durval lhe disse que viu a petição.
Tudo isso pode ainda ser uma conspiração de Durval para constranger o MP?
Perguntei isso a ele. Mas há muitos elementos de convicção. A história está muito encaixada. Além de tudo, o motorista de Durval confirma ter entregue caixas de presente em nome de Gabriel, o codinome de Durval, na casa de Deborah.
Durval gravou alguma coisa?
Ele disse que não. Mas temos notícias de que dois amigos dele filmaram a confecção dos pacotes de presentes da saída até a entrega. Não temos confirmação se isso de fato ocorreu.
Por que a senhora disse que a relação de Deborah e Bandarra era promíscua?
Eles se falavam muito. Cláudia Marques disse que Deborah se vangloriava da intimidade com Bandarra e ele permitia que ela tivesse acesso a reuniões no Ministério Público que não eram de sua atribuição. Há indícios de que o ex-governador Arruda e o vice Paulo Octávio tenham sido apresentados a Bandarra na casa de Deborah.
Essas denúncias atingem a imagem do Ministério Público?
Atingem. Há uma tendência de globalização da conduta de dois membros. Este episódio está perturbando a atuação de promotores até no júri. Todos nós estamos constrangidos. Mas isso é uma grande injustiça. Num universo de 350, dois é que estão sob suspeita. A corregedoria, de imediato, tomou providências, tomou as rédeas, investigou e esclareceu. Cortamos na própria carne e cortar na própria carne é doído. Sinto muito pelos assessores do Bandarra, que nada têm a ver com isso.
A senhora está decepcionada?
Estou pasma. Não sei se é verdade ou se é mentira, mas sei que apurei algo que atinge a conduta funcional de Bandarra e de Deborah.
Houve pressão?
Nunca. O Bandarra nunca me procurou, prestou declarações espontâneas e entregou a declaração do Imposto de Renda. Mas o CNMP jogou minha reputação ao vento ao considerar que eu não tinha condições de investigar. Sempre cumpri o meu dever. Talvez tenham avocado a sindicância pela gravidade do fato. (AMC)
"Cortamos na própria carne e cortar na própria carne é doído. Sinto muito pelos assessores do Bandarra, que nada têm a ver com isso"
Lenir de Azevedo, corregedora do Ministério Público do DF
Lenir de Azevedo, corregedora do Ministério Público do DF