Cidades

Tribunal de Contas do DF pede investigação sobre o Passe Livre

Benefício dos estudantes está nas mãos das empresas. Responsável pelo cadastro dos estudantes, a Fácil é controlada por três donos de concessionárias que operam no sistema público. MP fala em conflito de interesses

postado em 14/05/2010 08:31
O rombo nos gastos com o Passe Livre Estudantil se deve em parte ao descontrole no cadastro de beneficiados, reflexo da falta de prestação de contas dos recursos por parte da Fácil, empresa que gerencia o programa. A Secretaria de Transportes não sabe para quem paga. E um fato leva agora à suspeita de direcionamento de lucros na gestão do programa, que deveria garantir transporte de graça aos estudantes do Distrito Federal. Um dos sócios da empresa Fácil Brasília Transporte Integrado, responsável pela administração do serviço, é Wagner Canhedo Filho, dono da Viplan, empresa de ônibus que também recebe o dinheiro dos passes.

Movimento na sede da Fácil: empresa alega que dinheiro acabou e há uma semana os estudantes estão sem acesso ao benefícioO Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) determinou que a Secretaria de Transportes apure o que o Ministério Público aponta como ;conflito de interesses;. O Tribunal ordenou que seja feita uma inspeção em regime prioritário para verificar, entre outros pontos, a revisão do convênio entre a Fácil e o GDF devido ao ;aparente conflito de interesses, uma vez que a empresa é pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, mas representada pelos operadores do Sistema de Transporte Público Coletivo, mais especificamente os senhores Wagner Canhedo Filho, Eduardo Queiroz Alvez e Victor Foresti;, aponta o Processo n; 11.760/10, do TCDF.

Todos os três são donos de empresa de ônibus. Victor Foresti e Eduardo Queiroz são genros e sócios do empresário Nenê Constantino na Viação Planeta. O TCDF também determinou que seja investigada a ausência de prestação de contas por parte da Fácil à Secretaria de Transportes.

Regras
;Vamos alterar as regras do Passe Livre estudantil, senão o governo não dá conta. E vamos alterar uma série de requisitos para reduzir filas, para que o benefício chegue para quem precisa, e não como está acontecendo hoje. Cartões vão sendo carregados para pessoas que não precisam e vão acumulando até R$ 1,2 mil, R$ 1,5 mil, R$ 2 mil. Isso acabou;, afirmou ontem o governador Rogério Rosso (PMDB).

Os gastos mensais com o Passe Livre extrapolam em 140% a previsão orçamentária. Estavam destinados R$ 50 milhões este ano para o programa. Mas somente de fevereiro a abril já foram utilizados R$ 26 milhões. Se continuasse no mesmo ritmo, o GDF teria de arcar com R$ 120 milhões até o fim do ano, quase 2,5 vezes mais que o previsto. O convênio da Fácil foi assinado em 2007, na gestão do ex-governador José Roberto Arruda.

Rosilda de Melo saiu do posto da Fácil sem os créditos: Para tentar amenizar os problemas enfrentados pelos estudantes, hoje o GDF promete liberar cerca de R$ 2 milhões para suprir a demanda do Passe Livre nos próximos dias. Há uma semana os beneficiados estão sem recarga nos cartões. Os recursos vão cobrir os custos do programa até que seja aprovada, em regime de urgência, a nova lei que regulamente o benefício. Ontem, o governo enviou à Câmara Legislativa o projeto que prevê novos critérios. Também ontem, o Tribunal de Contas se pronunciou recomendando que nenhum estudante seja prejudicado com a nova legislação. Atualmente, cerca de 120 mil jovens utilizariam o Passe Livre.

Mudanças
Entre as principais mudanças na lei está a criação de um limitador social para a concessão do Passe Livre aos estudantes com renda familiar bruta mensal de três salários mínimos (o equivalente a R$ 1.530). O projeto de lei também exige o acesso do governo, por meio do DFTrans, aos cadastros feitos pela empresa Fácil, assim como a relação dos créditos efetivamente utilizados pelos beneficiários.

O pedido de fiscalização do programa Passe Livre veio da representação da procuradora-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do DF, Marcia Farias, com pedido de medida cautelar urgente para que a empresa Fácil não suspenda, sob alegação de que não recebeu ainda recursos do GDF, o serviço de recarga dos cartões estudantis. O Tribunal, por unanimidade, acatou a representação. Assim, a Fácil está impedida de interromper o serviço até efetiva aprovação de suas prestações de contas pelo TCDF, sob pena de aplicação das penalidades previstas em lei. Os gestores públicos e privados podem ser alvo de ações de responsabilidade se não acatarem as decisões do Tribunal de Contas.

Com a nova lei, Juscelana Souza não poderá mais ter acesso ao benefício: frustraçãoNo início da noite de ontem, o Correio procurou o empresário Wagner Canhedo Filho, mas não teve retorno. Por meio da assessoria de imprensa, a Fácil limitou-se a informar que não poderia manter o serviço de recarga nos cartões de transporte estudantil sem antes receber o crédito dos recursos do GDF. Alegou que o sistema operacional não permitiria isso. E confirmou que desde a sexta-feira da semana passada o serviço não estava sendo realizado, deixando milhares de estudantes sem direito ao ônibus gratuito.

ANÁLISE DA NOTÍCIA
No meio do fogo cruzado

Desde que foi sancionada a lei do Passe Livre, em janeiro deste ano, os estudantes ainda não conseguiram usufruir do benefício, em sua plenitude, conforme estabelecem as regras aprovadas pela Câmara Legislativa e sancionadas pelo governo. Desde o começo, os usuários enfrentam dificuldades para fazer a recarga nos postos da empresa que administra o sistema, a Fácil.

Quase todo mês, o drama se repete. Estudantes e pais madrugam nos postos da Fácil e saem de lá sem conseguir os créditos para o cartões. A alegação da empresa é sempre a mesma: a de que o governo não repassou a quantidade de recursos suficiente para atender toda a demanda. O Executivo, por sua vez, diz que a previsão orçamentária quase dobrou e que não tem de onde tirar dinheiro para arcar com tamanha despesa. Os recursos até chegam, mas atrasados.

Enquanto isso, estudantes e pais, principalmente os de classe mais baixa, ficam no meio do fogo cruzado, sendo prejudicados pela falta de organização e de controle de um sistema que deveria atender todos os estudantes. As possíveis fraudes, que estão sendo e precisam mesmo ser investigadas, estão afetando essa maioria, que usa o Passe Livre realmente para o fim a que é destinado. A ordem precisa ser restabelecida, e logo, para que essas famílias não fiquem ainda mais no prejuízo.


Recarga liberada
Os estudantes poderão recarregar os cartões do Passe Livre a partir de hoje. O crédito de R$ 2 milhões liberados pelo governo, no entanto, deve durar apenas uma semana, para desespero dos usuários. Caso acabe o crédito dos cartões dos três filhos, a dona de casa Edileuza Bezerra da Costa, 34 anos, ainda não sabe como vai fazer para deixá-los na escola. A família mora no Itapoã, mas as crianças estudam no Paranoá. ;Vou ter que dar um jeito. Arrumar uma carona ou eles irão andando;, disse.

A dona de casa reclamou do funcionamento do serviço e disse que antes do Passe Livre entrar em vigor um ônibus gratuito do governo levava os filhos para a escola. ;O ônibus pegava eles na porta de casa e deixava na escola. Era muito melhor. A Fácil não facilitou a nossa vida;, avaliou. Ontem, ela e o filho Jonathan,14 anos, foram ao posto da empresa no Setor Comercial Sul, mas saíram de lá com o cartão vazio. A recarga não está sendo feita desde sexta-feira passada.

A universitária Rosilda de Melo, 24 anos, também perdeu a viagem. O funcionário do posto informou a ela que o governo não tinha repassado o dinheiro do benefício e, portanto, a recarga dos cartões não estava sendo feita. Até então, não havia comunicado oficial sobre a retomada do crédito. ;Não houve planejamento correto do governo para colocar em prática o Passe Livre. Agora, são os estudantes que têm que pagar do bolso a passagem. Preferia quando era dado a gente o desconto de dois terços no valor integral da tarifa. Pelo menos, não ficava na mão;, disse a estudante.

Na avaliação da universitária Juscelana Souza, 24 anos, o dinheiro repassado pelo governo acaba rápido porque, além do uso indevido do cartão, as tarifas pagas às empresas de ônibus têm valor integral. ;Quando passa o cartão na máquina do ônibus é descontada a tarifa cheia, mas estudantes sempre pagaram menos. O crédito do mês demoraria mais a acabar se fosse repassado às empresas dois terços do valor da passagem;, analisou a estudante.

Se for aprovada a nova lei do Passe Livre, Juscelana não será beneficiada pois a renda familiar é acima de R$ 1.530, mas, segundo ela, não importa. ;O importante é que teremos de volta o desconto para comprar a passagem e não vamos mais depender do sistema precário da Fácil;, disse. O Movimento Passe Livre do DF, corrente que pressionou o governo para conceder passagem de transporte público gratuito ao estudante, não apoia o limitador social como condição para a concessão do benefício.


Saiba mais
Para enxugar os custos e corrigir as irregularidades, o governo quer mudar a lei do Passe Livre estudantil. A nova proposta foi encaminhada ontem à Câmara Legislativa. Enquanto os deputados não votam o projeto, foram liberados R$ 2 milhões para recarregar os cartões. O dinheiro deve ser suficiente para apenas uma semana de crédito.

Como é hoje

Lei n; 4.462, de 13 de janeiro de 2010

; O passe livre é concedido a qualquer estudante que comprove a frequência escolar em instituições de ensino públicas e privadas reconhecidas pelo governo.

; Não há necessidade de dar ao estudante o desconto de dois terços do valor integral da tarifa;

; O estudante tem direito à gratuidade, independentemente da renda familiar;

; O dinheiro para a recarga dos cartões é repassado pelo governo ao Sistema de Bilhetagem Automática (SBA) e ao Metrô-DF no mês anterior àquele em que os passes são usados;

; O governo divulgará na internet, até o último dia do mês subsequente, relatório com avaliação e dados de execução do Passe Livre;

; Identificado o uso indevido do Passe Livre, os operadores do Metrô-DF e do Sistema de Transporte Público Coletico (STPC) poderão bloquear o cartão.

COMO PODE FICAR

Novo projeto de lei

; O Passe Livre será concedido aos estudantes que comprovarem uma renda familiar mensal de até três salários mínimos, ou seja, até R$ 1.530;

; Os estudantes que não se enquadram na regra e moram a mais de um quilômetro da instituição de ensino poderão comprar o passe com desconto de dois terços do valor integral da tarifa;

; O governo só repassará o dinheiro para a operadora do Sistema de Bilhetagem Automática (SBA) e para o Metrô-DF depois da comprovação da utilização dos créditos inseridos nos cartões;

; A comprovação do uso dos créditos será encaminhada para o DFTrans a cada 15 dias;

; Não haverá mais acúmulo de crédito nos cartões. As viagens não realizadas pelos estudantes serão descontadas no ato da recarga;

; O DFTrans terá acesso permanente e integral aos cadastros dos estudantes que recebem o Passe Livre e poderá excluir, a qualquer momento, o beneficiado que não cumprir os critérios.

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