postado em 16/05/2010 13:32
Na Brasília povoada por empresários, diplomatas, políticos e lobistas, principalmente entre terça e quinta-feira, o preço que o morador da cidade paga para comer fora acaba influenciado pela extravagância nos almoços e nos jantares de negócios, custeados pelo governo ou pela empresa. Não é tão raro a conta de uma mesa com duas pessoas chegar a R$ 12 mil em restaurantes requintados da capital do país. Descriminados na nota, estão incluídos um ou mais vinhos, dos mais caros da adega, entrada, prato principal, sobremesa, cafezinho e gorjeta, para garçom e manobrista.Em alguns estabelecimentos, fatura-se mais em dias de semana do que aos sábados e aos domingos, contrariando uma lógica do mercado. Quem não reserva mesa corre o risco de ficar sem lugar. Atentos ao potencial das refeições em clima de reunião, donos de restaurantes criaram espaços reservados, inclusive com televisores e data show. Almoços e jantares de negócios predominam tanto que muitos garçons se acostumaram a perguntar aos clientes engravatados: ;Nota em nome de quem?;
O custo das refeições fora de casa em Brasília cresceu 2,20% nos quatro primeiros meses de 2010, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O acumulado do ano supera em 0,65 pontos percentuais a variação observada no mesmo período de 2009. Empresários do ramo gastronômico culpam, sobretudo, o valor do aluguel (1) dos espaços comerciais para justificar os preços praticados na capital do país.
Para o economista Tiago Oliveira, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos (Dieese) em Brasília, no entanto, o poder aquisitivo da população, dona da maior renda per capita do país, e o público que frequenta os restaurantes durante a semana interferem na tabela. ;O valor das refeições é nivelado a partir dos clientes que estão ali a negócio. A pessoa física que quiser comer naquele ambiente terá de arcar com um custo mais elevado;, comenta.
Dor no bolso
Comer fora todos os dias dói no bolso da professora Fabiana Camargo, 34 anos. Por mês, ela gasta pelo menos R$ 400, só nos almoços. Para o orçamento não ficar ainda mais comprometido, a moradora da Asa Sul opta quase sempre pelos self-services da quadra. ;A gente acaba comendo em restaurantes que vendem comida a quilo porque nos melhores o preço é nivelado por cima, justamente em virtude dos empresários e dos políticos;, acredita. ;O que acontece é uma concorrência desleal com quem tem mais condições financeiras;.
As refeições de negócios transformaram o Cocobambu da capital federal, inaugurado há um ano, na unidade de maior faturamento da rede de restaurantes de frutos do mar, presente em três capitais nordestinas. ;No Nordeste, o movimento é forte à noite e nos sábados e domingos. Em Brasília, há um contrafluxo. Temos fila de espera nos almoços da semana;, compara o sócio Beto Pinheiro. Animada com essa característica peculiar da cidade, a rede abrirá, em breve, a segunda casa no Brasília Shopping.
O mercado da cidade captou o fenômeno das refeições-reuniões e passou a explorá-lo. Restaurantes fecham convênios com empresas. Dão prioridade para os ambientes reservados e até oferecem descontos. Vale tudo para atrair as contas quase sempre altas. ;Nessas ocasiões, a pessoa quer impressionar e, ao mesmo tempo, agradar o outro com quem está interessada em fazer negócio;, observa o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no DF, Sérgio Zulato.
1 - Inflação
No último domingo, o Correio mostrou que a carência de pontos comerciais inflacionou o mercado de aluguel nas entrequadras do Plano Piloto. Nos últimos dois anos, os preços dobraram e os donos de imóveis passaram a cobrar dos novos inquilinos a chamada luva ; valor adiantado pago para assinatura de contrato em áreas muito valorizadas. Em comerciais movimentadas, a luva varia entre R$ 40 mil e R$ 80 mil, somado a um aluguel que pode chegar a R$ 20 mil.
Movimento com preço menor
Contar apenas com as refeições de negócios não é garantia de casa cheia. Aos poucos, os donos de restaurantes sofisticados descobrem que é preciso democratizar o acesso. Da mesma forma que percebem o movimento aumentar em ano de eleição, por exemplo, como é o caso, os restaurantes da cidade veem os clientes semanais sumirem durante o recesso do Congresso Nacional. Os escândalos políticos também interferem no volume de pedidos para os espaços reservados. ;Na época do mensalão, foi nítida a queda no movimento, não víamos mais tantos excessos;, comenta Dudu Camargo, dono de nove casas em Brasília.
Para expandir o leque de clientes, os restaurantes acrescentaram ao cardápio pratos executivos entre R$ 20 e R$ 40. ;Criei itens de R$ 29, incluindo entrada, prato e sobremesa. O público de hoje é diferente do de três anos atrás;, diz Alice Mesquita, dona do restaurante que leva seu nome no Lago Sul. Por lá, 90% dos clientes na hora do almoço ainda são pessoas que escolhem o lugar para comer e fechar negócio ao mesmo tempo. ;Mas, até para minha surpresa, os executivos têm optado por um cardápio mais barato. À noite, no entanto, não abrem mão de um vinho um pouco mais caro, por exemplo;, pondera.
As refeições corporativas são o que sustentam os restaurantes nos hoteis da cidade. ;Ali vira o ponto de encontro, o escritório dos hóspedes;, observa Salete Soares, gerente comercial dos hoteis do Grupo PaulOOctavio. Ela conta que os estabelecimentos não podem oferecer apenas pratos caros, sob o risco de perder competitividade no mercado. ;É claro que o presidente de uma empresa vai querer um bom vinho, uma refeição mais sofisticada, mas temos que apresentar opções para quem não dispões de tanta verba;, argumenta.
No restaurante Gazebo, às margens do Lago Paranoá, próximo à ponte JK, a proprietária Anna Christina Cardoso se preocupou em criar dois salões reservados para as refeições de negócios ; um com dois lugares e outro com capacidade para até 20 pessoas. Quase todos os dias da semana, os dois espaços estão sempre cheios. ;Em Brasília, precisamos ter essas opções. Muita gente de fora vem a Brasília a trabalho e não tem outra alternativa a não ser comer na rua;, comenta. (DA)
Eu acho...
;Faço questão de pagar um pouco mais caro, para comer melhor. Gasto cerca de R$ 400 por mês. Mas onde trabalho, no Setor Bancário Norte, há opções de todos os preços. Acho que o consumidor tem sempre a liberdade de escolher onde quer comer e quanto quer pagar;.
Júlio Baia, 30 anos, bancário, morador do Cruzeiro
Júlio Baia, 30 anos, bancário, morador do Cruzeiro
;A gente acaba pagando um preço alto porque os restaurantes partem do princípio de que todo mundo pode é rico. Eu almoço todo dia fora e tento buscar sempre o melhor preço. Mas não tem jeito, acho que esses almoços de negócios influenciam diretamente todo o mercado;.
Cláudio Vitor de Souza, 37 anos, técnico em processamento de dados, morador do Gama
Cláudio Vitor de Souza, 37 anos, técnico em processamento de dados, morador do Gama