Cidades

Donos de barracas de feiras de transformam em personalidades da história de Brasília

Peixe, pastel, comida nordestina. Com muita tradição, eles agradam à clientela em meio a uma variedade de jeitos, estilos e culturas

Juliana Boechat
postado em 16/05/2010 13:34
Toda feira tem as bancas tradicionais e suas personalidades. Pode ser um interiorano radicado em Brasília que vende quitutes gostosos, o pioneiro de Brasília que mantém a banca há mais de 40 anos e adora puxar papo com os fregueses, a cozinheira simpática que conversa sem parar e serve o almoço sempre com o sorriso no rosto ou ainda o dono da barraca mais tradicional, que atrai pessoas de todas as cidades. No Distrito Federal, não poderia ser diferente. Os mercados e feiras parecem iguais: galpões recheados de lojinhas de bijuteria, roupas e restaurantes. Mas basta dar uma volta para perceber que cada um tem suas peculiaridades e pessoas únicas que trabalham ali todos os dias.

Durante esta semana, a equipe do Correio percorreu algumas feiras do DF. E foi fácil encontrar as personalidades tão tradicionais. Basta perguntar ao segurança, a um feirante ou a transeunte e a pessoa logo aponta uma entre dezenas de barracas. Alguns trabalham só nos fins de semana, como a baiana do acarajé na Torre de TV. Uma barraca também chama a atenção entre tantas lonas azuis lotadas no cartão-postal: a do Madruga. A bandeira do Brasil e uma foto dele com os cabelos brancos compridos e piercings no rosto chamam a atenção entre adereços e artesanatos à venda. ;Já falei tudo o que eu tinha para falar;, disse. E negou a entrevista. A variedade de jeitos, estilos e culturas só mostra que vale a pena conhecer um por um.

Guará
Há quem percorra mais de 40km de distância no DF para comprar peixe na Feira do Guará. As duas bancas de frutos do mar viraram tradição na cidade. Há um ano, no entanto, aquelas estruturas de madeira em que os peixes ficavam expostos desapareceram. Balcões modernos com refrigeração e bonitas peças cortadas chamam a atenção dos clientes. A Peixaria do Guará veio de São Paulo há um ano. E os frutos do mar chegam de diferentes estados: Maranhão, Ceará e Santa Catarina. Alguns são noruegueses. Durante os quatro dias de funcionamento da feira, são comercializadas mais de 8 toneladas de produtos.

Um dos donos da banca, Marcos Novaes, 38 anos, tem por que acreditar que a Feira do Guará é referência para a venda de peixes, camarões e lagostas: ;Restaurantes e pessoas de todo o DF compram aqui;. Apaixonado por pescaria desde criança, ele resolveu se unir a dois amigos para trabalhar com a venda de marítimos. A história supera 20 anos. Na Feira do Guará, Marcos lida com clientes conhecidos e bem-humorados durante todo o dia. ;Atendemos o cliente do jeito que ele quiser;, orgulha-se. Os produtos chegam por volta das 6h. Ao fim do expediente, os 20 funcionários se revezam para limpar a banca e deixar tudo pronto para o dia seguinte.

Localizada na área especial do Guará, próximo à administração regional. Funciona de quinta-feira a domingo, das 8h às 18h. A Peixaria do Guará vende os frutos do mar por quilo.

Ceilândia
Se dependesse da vontade de Evânia Bezerra Santos, 45 anos, o restaurante na Feira Central da Ceilândia se chamaria Quitutes da Loira. Mas a voz do povo falou mais alto. Basta falar ;Banca da Galega; e todo mundo pensa logo na comida caseira do Rio Grande do Norte no ponto mais central da feira permanente. ;Galega surgiu porque o nordestino chama o branco de galego mesmo. Sou loira falsificada, mas sou;, brincou. Há 15 anos, a galega e o marido acordam cedo cinco dias por semana para cozinhar com carinho a forte comida nordestina. ;Às 7h o povo começa a chegar para curar a ressaca com mocotó;, contou ela.

Extrovertida, Galega recebe os clientes sempre com um sorriso, uma brincadeira ou um ;o que você quer hoje?; Ao fim do dia, está exausta e sem voz. ;Ninguém acredita ser trabalhoso. Mas não é só jogar na panela e cozinhar.; Ela gosta do que faz, mas nunca pensou que um dia ganharia dinheiro cozinhando. ;Estudei para ser professora, pensei que fosse dar aula.; Mas o destino a colocou na feira durante um ano, enquanto a irmã tirava licença-maternidade. Virou um vício: ;Já tentei sair, mas não consigo;. Nascida em Caicó, Evânia veio para Brasília aos três anos com o pai, pioneiro na construção da capital federal. Sempre que pode, volta às raízes nordestinas.

A feira fica na CNM 2, em Ceilândia. Funciona de quarta-feira a domingo, das 7h às 18h. Os pratos da galega variam de R$ 6 a R$ 15, dependendo do recheio escolhido.

Núcleo Bandeirante
O goiano Jaime Barbosa Campos, 65 anos, montou um reduto nordestino em uma esquina da Feira Permanente do Núcleo Bandeirante. ;Sou mais nordestino que goiano;, repete. O Restaurante do Campos atrai diariamente apaixonados por buchada de cabrito, jabá, rabada, sarapatel e bisteca. Às sextas-feiras, é difícil encontrar mesas de ferro ou de plástico disponíveis. ;O segredo é o bom tratamento e a comida gostosa. As pessoas sabem que aqui encontram o gosto nordestino;, disse. A mistura das duas culturas deu a Jaiminho, como é conhecido, a simpatia e receptividade. ;Não tenho dinheiro, mas tenho boa vontade demais;, definiu-se.

Jaiminho chegou ao Núcleo Bandeirante há 51 anos, quando a cidade ainda se chamava Metropolitana. ;O Núcleo Bandeirante é o meu reduto. É cidade de interior: todo mundo se conhece;, defendeu. Ele guarda com carinho três quadros em preto e branco da avenida principal da cidade há 50 anos. A mulher, Maria Lenisa, 42, acompanha-o na rotina diária das 8h às 18h há 12 anos. ;É cansativo, mas é bom e gratificante;, empolga-se. Todo mundo que passa pelo restaurante faz questão de dar um ;oi;. Recebe, em troca, um sorriso e um aperto de mão caloroso do goiano-nordestino.

A feira fica na Rua Feira Permanente, no Núcleo Bandeirante. Funciona das 8h às 18h. Os preços do Restaurante do Campos variam de R$25 a R$45.

Taguatinga
Com lágrimas nos olhos, Ildeu José Barbosa, 65 anos, conta as dificuldades para montar a Pastelaria 2 Irmãos no Mercado Norte de Taguatinga, há 43 anos. Ele e o irmão, Olinto, 72, haviam acabado de chegar do interior de Minas Gerais quando decidiram ganhar dinheiro com a venda de pastéis. ;Fomos os primeiros a fazer a massa e a fritar o pastel na feira ambulante de Taguatinga;, orgulha-se. Eles acordavam cedo para garantir um espaço no mercado, que, a cada dia, se instalava em um ponto diferente da cidade. ;Quem chegava depois das 5h não conseguia mais espaço;, lembra. Quando surgiu a oportunidade, os dois compraram um box no mercado permanente.

Dinheiro era difícil. ;A vida toda não foi fácil. Tínhamos uma prestação de Cr$ 500 por mês. A margem de lucro era mínima.; Ele e o irmão se revezam no trabalho e nos cuidados de um sítio em Alexânia (GO). Até hoje, os dois colocam a mão na massa. ;Chegamos por volta das 6h para fazer as massas. Quando o cliente chega, é só fritar e servir.; Perto das 15h, os banquinhos estão lotados. ;Vem mais gente na época de pagamento. Mas mexer com comércio é assim;, disse, compreensível. Casado há 38 anos, ele dedica o sucesso da banca à força da família. ;É bom, mas é cansativo. Uma verdadeira luta.;

O Mercado Norte fica no Taguacenter. Funciona de segunda-feira a sábado, das 8h às 18h. O pastel simples da Pastelaria 2 Irmãos custa R$ 1 e o especial, R$ 2. Vende também salgados e caldo de cana.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação