postado em 17/05/2010 08:29
Vinte e cinco crianças de Ceilândia vão viver uma noite digna de celebridades no próximo dia 20. Mimos não devem faltar. Elas terão direito a camarim no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, cuidados de beleza e lanche especial. Vão estrear em grande estilo: cantarão para uma plateia que desembolsou até R$ 500 ; a renda mensal da maioria das famílias deles ; para ouvir música. A atração principal, porém, é um cover especial da renomada banda sueca Abba, dona de sucessos mundiais como Dancing queen e Mamma mia, lançados nos anos de 1970 e 1980 e eternizados.Os meninos e meninas fazem parte do coral do Centro de Ensino Fundamental 20 (CEF 20) e foram convidados a se apresentar no Abba ; The show, em homenagem à banda (veja Para saber mais). Dois integrantes que já tocaram ao lado do quarteto, Ulf Andersson (saxofonista) e Roger Palm (baterista), estarão lá, dando pano de fundo às vozes dos meninos de Ceilândia. O convite inesperado mudou a rotina da escola de Ceilândia Norte. Nos últimos dias, quem entra ali escuta o canto de crianças vindo de todo lugar.
Tudo começou em uma tarde comum, quando um produtor de shows de Brasília bateu à porta da diretoria do colégio e transformou o dia ; e vários momentos depois disso ; em data especial. Ele trouxe o convite mais que inesperado: o coral da escola poderia subir no palco e soltar a voz em um show em homenagem ao Abba, no Centro de Convenções. A diretora do CEF 20, Robervânia Teixeira, aceitou na hora. Mas havia um detalhe quase problema: o colégio não tinha um coral formado. ;O produtor, Gustavo Sá, soube por meio de um amigo da fama da nossa escola de envolvida com projetos culturais. Temos um festival de música e participamos de várias mostras. Mas, coral mesmo, a gente não tinha;, relatou.
Vídeos
Viver os músicos do Abba exigiu idade até 10 anos dos participantes. Mas o colégio conseguiu negociar e incluiu algumas crianças maiores. Robervânia conhecia o dom para o canto de alguns alunos e os convocou para fazer parte do grupo. Mas eram necessárias 25 vozes afinadas. A questão: como despertar o interesse de gente tão pequena e muitas vezes privada da diversidade cultural por uma banda superfamosa, mas desconhecida para ela? Os professores pesquisaram textos e vídeos sobre o Abba e os exibiram em sala de aula. Mostraram, além das vozes potentes, os figurinos ousados. Explicaram aos garotos a importância daquela banda e o furor mundial causado por ela. ;É como se fosse a Beyoncé daqueles tempos;, compararam.
Depois disso, os alunos fizeram fila na porta da diretora e ela doou seus ouvidos e sua paciência para analisar um a um. ;Escutava e ia fazendo uma listinha dos melhores. Muitos entravam na fila mais de uma vez e pediam segunda chance. A empolgação foi geral;, disse a diretora. Escolhidas as 25 melhores vozes, chegou a hora do ensaio. A produção do show contratou um professor da Escola de Música de Brasília, Alysson Takaki, para aprimorar os talentos. As crianças não sabiam ler ou falar inglês. A professora de língua estrangeira Valéria Rodrigues treinou com os pequenos a pronúncia de cada letra. ;Ensinamos inglês na escola, mas são muitos alunos e o contato com a oralidade é pouca;, explicou.
Treino
Em uma pequena sala do centro de ensino, eles soltam a voz como se fossem pássaros, acostumados a cantar por natureza. O som sai delicado. As letrinhas do inglês, o vilão mais temido pelo grupo, parecem dominadas nas primeiras sessões. O menor entre todos os cantores é Jean Michel Rodrigues, 9 anos. ;Eu me emociono e não consigo mais parar de cantar;, afirmou. ;Antes, eu só cantava na igreja. Fiquei ansioso e surpreso. Fico pensando em como é o lugar onde vou cantar, se vai ter muita gente. Deve ser um lugar grande e bonito. O Abba é antigo, mas é legal.;
Allanis Rodrigues Silva, 10 anos, prima de Jean, já pensa até em ser cantora. ;Nunca tinha escutado o Abba, mas achei bom demais. Nunca fui a nenhum show na minha vida e agora vou cantar em um. Isso é muito legal;, orgulha-se. A menina conta os segundos para escovar o cabelo, passar batom e vestir o vestido que escolheu para se apresentar ao público. A atividade ajudou muita gente a se desfazer de preconceitos. Victória Vennina, 11, achava ;antigo e brega; o grupo sueco. ;Mas mudei totalmente de opinião. Comecei a gostar muito. Quebrou meu preconceito;, admitiu.
Empecilhos
As barreiras, no entanto, não param de surgir. O coral não conseguiu patrocínio para comprar camisetas para vestir no dia do show. ;Muitos deles não têm roupa adequada para se apresentar ali. Já conversamos com os pais e eles vão separar as melhores roupinhas, aquelas que eles usam para ir a aniversários. Os professores e o pessoal da Diretoria Regional de Ensino (DER) se dispuseram a pentear e a maquiar os alunos no camarim. Mesmo se não conseguirmos o patrocínio, vamos fazer de tudo para o momento ser perfeito;, disse a coordenadora de Cultura da DRE de Ceilândia, Sueny Schetino.
Os pais talvez não possam assistir à apresentação. Nenhum deles tem condições de pagar o ingresso mais barato (R$ 200). A produção do evento tenta conseguir uma cortesia para cada família. Daí entram em cena as dificuldades de transporte. Os produtores conseguiram um ônibus para levar as crianças, mas não os pais. ;Achei o máximo darem essa oportunidade a eles. Realizam o sonho deles e o dos pais. Minha filha se esforça muito. Não consigo nem imaginar perder esse momento;, disse a auxiliar de conservação Francisca Soares, 40 anos, apreensiva. Osvaldo Donizete Marcineiro, 39, morador de
Brazlândia e pai de Rafaela, 10, se esforça para fazer a vontade da menina. ;Lá em casa todo mundo canta, mas ninguém conseguiu seguir em frente com esse sonho. Quem sabe é a hora dela?; Enquanto isso, crianças e professores do CEF 20 se transportam com o poder da música para um mundo mais colorido.
Origem do nome
O nome é uma junção formada das primeiras letras do nome de cada um dos integrantes. De 1976 em diante, o primeiro B no logo da banda passou a ser escrito invertido, de forma espelhada, em todos os materiais promocionais relacionados ao grupo.
PARA SABER MAIS
Fenômeno mundial
O musical Abba ; The Show é apresentado pela primeira vez na América do Sul e fará somente uma passagem por Brasília, dia 20 próximo, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Vai passar também por outras cinco cidades brasileiras. No repertório há grandes sucessos, como Waterloo, Mamma mia e Dancing queen, com a participação especial dos integrantes da National Symphony Orchestra de Londres, regida pelo maestro Matthew Freeman.
A trajetória de ascensão do Abba começou nos anos 1970, quando os integrantes fixos da banda, Bjorn, Benny, Agnetha e Anni-Frid Lyngstad (também conhecida como Frida), estouraram nas paradas de sucesso. Bj;rn se casou com Agnetha, e Benny, com Frida. No início dos anos de 1980, os casamentos acabaram e a banda também.
Agora quem faz o show é o Abba Magic, formado em 1994. O conjunto se apresenta em homenagem ao original. Eles imitam os trajes brilhantes e as coreografias criativas nascidas há 40 anos e contam com a participação de músicos que já estiveram em turnê com o Abba. O espetáculo, que foi visto por mais de 1 milhão de pessoas, já rodou o mundo. Esteve nos Estados Unidos, no Canadá e em mais de 15 países. O musical tem duas horas. Os ingressos custam entre R$ 200 e R$ 500 (inteira).