Cidades

Cartões de crédito são uma facilidade perigosa

Preocupado com reclamações, governo federal estuda a regulamentação do setor para garantir mais clareza na prestação do serviço e segurança às pessoas

postado em 17/05/2010 08:39
Francisco das Chagas tem cinco cartões e ensina que é preciso disciplina para evitar dívidas quase impagáveisNa era do dinheiro de plástico, comprar significa dividir a quantia em várias parcelas sem juros e pagar a primeira delas em até 30 dias. Não por acaso, o uso do cartão de crédito está cada vez mais forte. Atualmente, existem cerca de 550 milhões de cartões de débito e de crédito ativos no Brasil. Eles são responsáveis por um faturamento superior a R$ 50 bilhões anuais e também protagonistas de inúmeras queixas nos órgãos de defesa do consumidor. De todos os registros referentes à área financeira no Cadastro Nacional de Reclamações Fundamentadas em 2009, 36,48% estão relacionados a problemas com cartões de crédito. Os números preocuparam o governo, que, após alerta do Ministério da Justiça, resolveu intervir e vai regulamentar o setor para garantir mais clareza na prestação do serviço e segurança ao consumidor (leia em Entenda o caso). Apesar das expectativas em torno das novas regras, elas não têm data certa para sair. Portanto, até lá é preciso ficar atento para evitar alguns abusos.

Somente no primeiro quadrimestre deste ano, o Instituto de Defesa do Consumidor (Procon-DF) recebeu 3.114 reclamações relacionadas a cartão de crédito. ;O número caiu 8,4% se comparado ao mesmo período do ano anterior. No entanto, ainda é alto. O setor financeiro é o segundo mais reclamado no Distrito Federal, depois do comércio varejista. Dentro do setor financeiro, os cartões de crédito, por sua vez, só perdem para as queixas sobre as filas dos bancos. Os registros mais frequentes referem-se ao envio de cartão sem prévio pedido, a cobranças em duplicidade ou de débito já quitado e ao não reconhecimento de certos valores. Mas a maioria nos procura para reclamar de juros altos. O Procon não pode realizar ou determinar uma negociação de dívida, mas podemos auxiliar nesse processo;, explica o diretor- geral do Procon-DF, Oswaldo Morais.

Endividamento
;Há muitos anos me endividei com compras no cartão. Mas isso já faz muito tempo. Agora uso o cartão com total controle. Pago sempre as parcelas integrais e não caio mais nessa história de pagar a parcial. Desde então, nunca mais tive problemas com cobrança de juros;, conta o militar da reserva Carlos Alberto Santos, 66 anos.

A economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Ione Amorim explica que isso ocorre porque muitos consumidores ainda consideram o cartão de crédito como uma extensão da renda e não têm a consciência de que, vencido o prazo de 30 dias para o pagamento, podem cair num sistema de crédito, com taxas de juros elevadas e, portanto, com alto potencial de endividamento. ;Quando o consumidor deixa de pagar a fatura total e quita apenas a quantia mínima, ele entra numa linha de crédito, ou seja, o restante não pago é acrescido de juros que podem chegar a 18% ao mês. O problema é que a parcela mínima corresponde a 10% do total devido. Portanto, a tendência é que essa dívida vire uma bola de neve, pois o consumidor sempre pagará menos do que os juros incorporados ao montante total;, alerta. Para quem já deixou a dívida atingir proporções incontroláveis, a dica é adquirir um crédito pessoal. ;Daí você quitará a dívida e poderá pagar juros fixos e bem menores a uma instituição financeira;, orienta Ione.

Carlos Alberto hoje quita integralmente a fatura. Para o vendedor Francisco das Chagas dos Santos Costa, 39 anos, o segredo para usar o cartão sem cair em financiamentos abusivos é a disciplina. ;Tenho cinco cartões desde 1995 e nunca me endividei. Quando faço compras grandes, parcelo em várias vezes. Sempre escolho os lugares que parcelam sem juros. E não assumo outras dívida antes de quitar a primeira. Reformei minha casa inteira assim sem ficar apertado. Para isso, é preciso ter controle e saber administrar;, ensina.

Com relação às outras infrações cometidas pelas operadoras de cartão, o diretor- geral do Procon-DF, Oswaldo Morais, alerta que o consumidor não é obrigado a pagar anuidade de cartão de crédito recebido sem prévio pedido. ;Isso constitui prática abusiva de acordo com o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor. O parágrafo único desse mesmo artigo diz que os produtos remetidos ao consumidor nessas condições podem ser considerados como amostra grátis e, portanto, estão isentos de pagamento. Dessa forma, o Procon entende que a anuidade deverá ser gratuita. Contudo, as compras realizadas no cartão devem ser honradas;, avisa. Os débitos cobrados indevidamente e pagos pelo cliente devem ser ressarcidos em dobro, acrescidos de correção monetária e juros legais, de acordo com o parágrafo único do artigo 42 do CDC.

Ranking
O Cadastro Nacional de Reclamações Fundamentadas funciona como um mapa do mau serviço prestado ao consumidor pois reúne as reclamações procedentes registradas nos Procons de 22 estados brasileiros e do Distrito Federal. Em 2009, os setores de telefonia fixa e móvel, TV por assinatura e internet lideraram o ranking de queixas.

Entenda o caso
Tarifas serão padronizadas

A exemplo do que aconteceu com os bancos, as empresas de cartões de crédito terão as tarifas padronizadas, o que facilitará a fiscalização e evitará a cobrança de taxas em duplicidade e de serviços indevidos. Isso ainda depende de regulamentação do Conselho Monetário Nacional que deverá incluir o segmento na mesma resolução que trata sobre as instituições financeiras. As novas regras, no entanto, deixarão os juros de fora. A justificativa é de que, no Brasil, os juros são livres e uma intervenção dessa natureza poderia desestabilizar o sistema. Preocupados com a regulamentação, os representantes do segmento ; da Associação Brasileira de Empresas de Cartões de Crédito e Serviços e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) ; se comprometeram a apresentar ao Ministério da Justiça, até junho, uma carta formalizando as medidas que serão tomadas para prestar informações mais precisas sobre as tarifas e para reduzir as cobranças indevidas e a prestação de serviços sem solicitação. ;A atividade de autorregulação é importante e só acrescenta. Mas jamais poderá afastar as regras do Código de Defesa do Consumidor bem como a necessidade da regulamentação por parte do governo. O Banco Central conhece a dimensão e a importância desse tema, que tem uma urgência;, avalia o diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), Ricardo Morishita.


Cuidados

; Não perca o cartão de crédito de vista na hora da compra. Isso pode evitar que seu cartão seja clonado.

; Escreva no verso do cartão, no campo
da assinatura, "solicitar RG". Essa
medida preserva a identidade em caso
de roubo e clonagem.

; Nunca forneça os três números de segurança existentes no verso do
cartão. Com essa informação e o número
do cartão é possível fazer compras em
seu nome, uma vez que muitos estabelecimentos não são criteriosos
ao obter os dados antes de confirmar
a transação.

; Destrua os comprovantes de compra que apresentem o número do cartão.
; Ao comprar pela internet, verifique se o site possui a chave de segurança e se seu antívirus está atualizado.

; Não forneça o número do cartão para pessoas que ligam se apresentando
como funcionário das administradoras
de cartão ou de bancos para pedir a confirmação de dados. Qualquer ocorrência dessa natureza, desligue o telefone e faça uma ligação na central do seu cartão de crédito informando o episódio.

; Você não é obrigado a contratar seguro
ou qualquer outro serviço para ter o
direito ao cartão.

; A não contratação do seguro não isenta
a empresa de prestar um serviço seguro. Portanto, se você tomar todos os
cuidados e mesmo assim for vítima de
um golpe ou roubo, registre Boletim de Ocorrência na Delegacia e informe à administradora do cartão imediatamente para não ser responsabilizado por
compras feitas por terceiros.

; No caso dos cartões com chip, se receber a senha pelos Correios, entre em contato com a central de cartão/banco e altere o código de segurança.

Importante: o segmento de cartão de crédito é regulamento pelo Decreto n; 6.523/08, que determina regras para atender reclamações e cancelar serviços. Esse canal é obrigado a gravar a ligação, fornecer o número de protocolo da ocorrência, estabelecer um prazo para resolver a questão e atender por meio de ligação gratuita 0800. Portanto, evite telefonar para a central de relacionamento do banco. As ligações (prefixo 4004) são pagas e não estão subordinadas ao Decreto.

Práticas abusivas
Envio de cartão sem prévia solicitação
do cliente. Constitui prática abusiva de acordo com o artigo 39 do Código de
Defesa do Consumidor, inciso III. O parágrafo único desse mesmo artigo diz
que os produtos remetidos ao
consumidor nessas condições podem
ser considerados como amostra grátis e, portanto, estão isentos de pagamento. Dessa forma, o Procon entende que a anuidade deverá ser gratuita. Contudo,
as compras realizadas no cartão
devem ser honradas.
Cobrança indevida
(em duplicidade, de débito já quitado ou de compras não reconhecidas pelo cliente)

; Os débitos cobrados indevidamente e pagos pelo cliente devem ser ressarcidos em dobro, acrescidos de correção monetária e juros legais, de acordo com o parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor. Nesse caso, entre em contato com o banco e a administradora responsável pela bandeira, peça a revisão e o estorno da quantia. Utilize o canal do SAC e anote o número do protocolo. Se não resolver, reclame ao Procon. Lembre-se que o órgão é administrativo e não pode obrigar a administradora a devolver o dinheiro, mas pode multá-la caso a infração seja constatada e a empresa se recuse a resolver o problema. Em último caso, recorra ao Juizado Especial Cível.

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