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Caso raro: mulher tem trigêmeos em parto normal no Hospital de Taguatinga

Um caso raro emocionou médicos e enfermeiras. Uma mulher de 23 anos deu à luz trigêmeos. Detalhe: a concepção dos bebês e o parto foram absolutamente normais, sem qualquer interferência científica. Mãe e filhos viraram heróis

postado em 18/05/2010 08:03
Daniel, desde ontem, foi liberado da dieta. Recebe leite maternoEla sempre soube que tudo seria muito difícil pra ela, desde a infância pobre no Piauí. Com a morte da mãe, a menina se sentiu sozinha. O pai, homem da roça, de poucas palavras, não lhe ouvia muito. Na verdade, palavras nunca foram a sua habilidade. Parentes que moravam na capital lhe diziam que aqui era bom para ser doméstica. Pagava-se salário mínimo e a patroa assinava a carteira. Ela arrumou meia dúzia de roupas que tinha e embarcou pra cá, com o consentimento do pai, que se despediu sem abraço e sem emoção. Nem a viu partir.

Brasília parecia distante demais para aquela menina cheia de sonhos. Mas o ônibus finalmente chegou. Ela, além das cozinhas alheias, arrumou um namorado. Foi paixão de menina-moça. O moço a convidou para morar com ele. Ela logo engravidou. Aos 18 anos, pariu o primeiro filho, João Vitor. A vida de ;casada; logo entrou na rotina. E o príncipe, para ela, já não parecia tão príncipe assim. Ficou calado, como o pai. Ela, agora mãe, foi acolhida na casa de primos, na QNM 40 de Taguatinga.

Na casa dos parentes, um primo (de primeiro grau) despertou sua atenção. E logo estavam namorando. Ele gostava da filha dela. Ela gostava dele. Aos 21 anos, a moça pariu pela segunda vez. Nasceu Diana, a cara do pai, todo mundo diz. E a vida seguiu. Adriano Martins Olegário, o pai de Diana, se afeiçoou a João Vitor como se pai dele também fosse. E, pela primeira vez, Francisca Oliveira de Sousa, a moça do Piauí, teve a certeza de que tinha uma família. E talvez, de verdade, tenha se sentido feliz.

A moça voltou a trabalhar como doméstica. O companheiro perdera o emprego, tempos depois do nascimento da filha. As irmãs dele, na verdade cunhadas e primas da moça do Piauí, ajudavam no que podiam. A vida ficou contada. Fome não passaram, mas nada sobrou. Uma noite, enquanto dava o peito para a filha ; que à época contava 10 meses ;, uma dessas cunhadas achou estranha a barriga da moça. E lhe indagou: ;Francisca, tu tá grávida?;.

Francisca deu um pinote: ;Grávida? Nunca. Deus me livre!”. A doméstica Cristiane Maria Lopes, 33 anos, casada, quatro filhos, insistiu: ;Tá, sim, olha o tamanho da tua barriga. menina!” Francisca bateu pé: ;Eu tô amamentando, não posso tá grávida;. Cristiane pediu, então, que ela se deitasse no chão de barriga pra cima ; teste infalível, ainda feito nesses interiores de meu Deus, quando mãe desconfia que filha anda aumentando o tamanho do bucho, mesmo enjoando com comida.

Francisca fez o que a cunhada e prima de primeiro grau pediu. Deitou-se no chão. ;Logo vi um bolo grande. Não tive dúvida. Era gravidez sim.; Francisca suou frio. Como poderia estar grávida se não sentia enjoos, náuseas, nada que indicasse gestação? No dia seguinte, Cristiane disse que ela teria que fazer uma ecografia.

Como fazer? O companheiro e Francisca estavam desempregados. A cunhada-prima deixou atrasar a conta de luz e pagou o exame, que custou R$ 35. Precisava deixar também uma reserva para a passagem do ônibus circular. Não deu outra. O médico logo visualizou mais do que Francisca desejava ouvir. Ela estava grávida, sim. De cinco meses. E eram crianças. Só errou, mais ou menos, no sexo. Disse que, pela posição em que os bebês estavam, seriam dois meninos e uma menina.

Sem anestesia
Francisca saiu de lá emudecida. Adriano, o pai, quando soube, levou o maior susto da sua vida. ;Eu nem sabia o que dizer. Tremi todo;, conta. E logo os dois se lembraram de uma noite, quando a camisinha que o rapaz usava rasgou. Foi ali que os trigêmeos foram concebidos. Cristiane, a cunhada-prima-irmã e agora mãe emprestada, levou Francisca ao Hospital Regional de Taguatinga (HRT), para a primeira consulta. Ali a paciente logo foi para a ala do pré-natal de alto risco.

Francisca segura Diego no braço direito e no esquerdo, Davi. Ao fundo, Daniel, que ainda precisa de cuidados especiaisBateria de exames e mais uma ecografia. E novamente, pela posição dos bebês, a constatação: havia dois meninos e uma menina. Adriano, menos assustado, escolheu o nome: Diego, Davi e Daniela. Francisca gostou. Achou-os sonoros. Agora, era seguir as orientações médicas e esperar o momento do nascimento.

Manhã da última quarta-feira, 12. Francisca se sentiu estranha. ;Parecia cólica;, conta, em entrevista exclusiva ao Correio, na manhã de ontem. ;Pensei que fosse passar.; Era dia de consulta no HRT. Ela estava com 21 semanas de gestação. A prima-cunhada pediu para sair mais cedo do trabalho e a acompanhou ao hospital. Ao chegar lá, as dores aumentaram. A doméstica Cristiane não teve dúvida. Nem o médico, que mandou Francisca direto para o centro obstétrico. Tudo foi muito rápido.

Quinze minutos depois, sem anestesia, sem corte na entrada da vagina (feito em partos normais, para alargar e facilitar a passagem do bebê), o primeiro espirrou. Pela ordem de chegada, Diego ; 1,4kg e 40cm. Logo em seguida, o segundo, Davi ; 1,1kg e 40cm. E Daniela? Estava lá atrás, imprensada pelos outros dois. Os médicos tiveram muita dificuldade para retirar. Mas eis a grande surpresa: não era Daniela. Chegou Daniel ;1,4kg e 43cm (o maiorzinho dos três). Abriu o bocão e chorou um choro de vida. Francisca também, de dor e imensa alegria.

Dois são iguaizinhos. O terceiro se parece com os dois, mas não é igual. ;Foram duas placentas;, explica a neonatologista pediatra do HRT, Rita de Cássia Ejima, 47 anos. E continua, empolgada: ;São saudáveis, perfeitos. Apenas Daniel ainda está na UTI porque precisa do respirador. Os outros dois já respiram sozinhos e estão no setor intermediário;.

;É raro, excepcional;
Os trigêmeos deverão ficar no HRT pelo menos por mais 30 dias. Francisca, embora de alta, permanecerá ao lado deles. ;Eles precisam ganhar peso;, diz a pediatra. Diego e Davi tomam leite materno por meio de sonda ; leite da mãe e do banco de leite do hospital. Daniel, até domingo, estava apenas no soro. Ontem, a dieta foi liberada: 11ml a cada três horas.

Enquanto isso, Francisca sonha amamentar os três filhos no peito. E assiste a suas mirradinhas crias virarem heróis no hospital. Nos corredores, as pessoas, ao verem as três pulseirinhas que ela carrega no pulso direito, perguntam-lhe: ;Você é mãe dos trigêmeos?; Outra emenda: ;Que Deus cuide bem dos seus filhos...;. Não falta torcida. Thaiça Magalhães, 26 anos, sem filhos, enfermeira supervisora da UTI, se derrete: ;Eles são lindos e fortes...;. A pediatra Mariângela Pelicano, de 52 anos e 26 de profissão, se encanta com a possibilidade da vida: ;Isso é que é fertilidade;.

Ouvida pelo Correio, a ginecologista e obstetra Rosaly Rulli Costa, chefe do Setor de Reprodução Humana do Hospital Regional da Asa Sul e membro da Sociedade Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia de Brasília, ficou maravilhada: ;Isso é absolutamente excepcional. Ela é uma mulher privilegiada. Um caso raro de trigêmeos em concepção normal (sem inseminação artificial). Mesmo com inseminação, a chance de nascerem trigêmeos não passa de 20%;. E detalha: ;O embrião se dividiu em dois;. Francisca prometeu a si mesma: ;Vou ligar as trompas;.

A enfermeira Thaiça e a pediatra Rita de Cássia: torcida organizada na recuperação dos bebêsDaqui a um mês, Francisca deverá sair do hospital carregando os trigêmeos. E voltará para a casa humilde na QNM Norte. O marido arrumou um emprego, no Ceasa. É faxineiro. Ganha um salário mínimo. Falta tudo aos bebês. ;Desde que eles nasceram, não consigo dormir, de tanta preocupação. Mas vou ter fé. Vai dar certo;, diz a mãe, que fala ainda com timidez.

E no domingo, ela chorou, sozinha, à noite, depois que as outras mães dormiram: ;De saudade dos meus outros dois filhos que ficaram em casa;. E fala no futuro, olhando com compaixão para os três filhos ; tão frágeis e tão incrivelmente fortes: ;Pode faltar tudo, menos amor. Espero que Deus dê a eles muita saúde e felicidade;. E ainda se espanta: ;Tenho cinco filhos pra criar;. Esta é uma história de vida ; muita vida ; e milagre.

"Pode faltar tudo, menos amor. Espero que Deus dê a eles muita saúde e felicidade"
Francisca Sousa,mãe dos trigêmeos

Humanidade
Quem puder ajudar os bebês de Francisca com fraldas, roupinhas e outras coisas de primeira necessidade (menos leite artificial, mamadeiras e chupetas) pode ligar para Cristiane, a prima-cunhada-mãe: 3475-1952 e 9259-3027

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