postado em 19/05/2010 08:46
Quem vê Rosalina Carvalho de Albuquerque, 40 anos, no pátio do Colégio Estadual Princesa Daiana, em Águas Lindas, pode confundi-la com uma das professoras. A moça de cabelos loiros na altura dos ombros, rosto delicado e olhos pequenos emoldurados por óculos que dão um ar de gente responsável está sempre cercada de crianças e dedica a elas todo cuidado. Com um olhar menos superficial, porém, percebe-se que Rosalina veste uniforme. Ela faz parte da turma. É estudante do 7; ano, a antiga 6; série, etapa na qual a maioria dos matriculados tem entre 12 e 14 anos. À primeira vista, alguns pais e outros alunos estranharam a presença de alguém mais experiente misturado aos pequenos. Mal sabem o quanto Rosalina se superou para estar ali. Para ela, fazer parte dessa realidade é a realização de um desejo antigo.Ainda bem pequena, no interior do Piauí, em Buriti dos Lopes, enquanto outras crianças da mesma idade sonhavam com bonecas e carrinhos, Rosalina esperava ansiosa pela hora de ter os próprios livros, cadernos e lápis coloridos. O pai dela, um agricultor de mãos calejadas, a acordava todos os dias, ainda de madrugada, para estudar a tabuada. Rosalina tinha 18 irmãos. Diante do tamanho da família, trabalhar era uma necessidade. Estudar, porém, representava mais do que isso. Seria o passaporte para a tão sonhada vida melhor. O pai sabia disso e incentivava a filha.
A menina cresceu e abandonou a escola. Deixou os estudos aos 15 anos. Nessa idade, já estava atrasada na vida escolar. Uma doença no couro cabeludo tirou Rosalina de vez do colégio: ;Meu cabelo caiu e ficavam rindo de mim. Não queria sair de casa;. Anos depois, ela conheceu um rapaz com quem namorou e que veio a se tornar seu marido. Casou-se adolescente com Raimundo Fontenele dos Santos, hoje com 42 anos. Tiveram dois filhos e Rosalina deixou as próprias vontades para trás. O marido decretou: lugar de mãe é ao lado dos filhos. ;Ele sempre disse que mulher dele não precisava trabalhar, tinha de ficar ao lado dos filhos. E assim foi.; Rosalina, moça do interior criada para ser esposa antes de qualquer coisa, cuidou só da família durante todo esse tempo. Esqueceu um pouco de si mesma. Há 15 anos, o casal mudou-se para Brasília.
Reviravolta
No início deste ano, vendo os filhos crescidos, Rosalina sentiu os planos do passado batendo à sua porta. Começou uma revolução interna. Depois de muito pensar, tomou coragem e fôlego e avisou a quem quisesse escutar: ;Vou voltar à escola;. Assim, sem pedir permissão para ser feliz. E ela não iria sozinha. Decidiu matricular-se no mesmo centro de ensino onde os dois filhos, Pedro, 17 anos, e Gabriel, 12, estudam. E mais ainda: queria ficar na mesma sala do caçula. Mãe e filho aprenderiam juntos.
Ela fica na cadeira atrás da dele. Pronta para chamar a atenção do menino quando Gabriel, um pouco inquieto, fica desatento. Ter a mãe por perto o tempo todo não envergonha o estudante, como ocorreria com boa parte dos pré-adolescentes. ;Tem um povo que me provoca, chama de bebê da mamãe. Se tem alguma briguinha, eles dizem: ;Conta tudo pra mamãe!’. No começo era chato. Mas agora eu não ligo mais;, disse. ;Eles têm inveja, Gabriel, de você ter sua mãe tão pertinho;, acredita Rosalina. Muita gente apostava que não seria boa ideia dela estar tão junto dos filhos. ;Diziam que eles iam ficar com vergonha de paquerar as meninas e de andar com certos amigos. Eu acho bom, as amizades deles melhoraram muito comigo por perto;, avalia a mãe.
Em sala
Nos primeiros dias, Rosalina ficou deslocada. Agora, é figura disputada quando se formam grupos para fazer trabalhos escolares. ;Eu sou mais responsável, todo mundo quer fazer tarefa comigo. Mas eu só entro no grupo se o Gabriel também puder;, disse, bem protetora. Hoje, ela se destaca entre os 46 alunos em sala de aula. Além de ser a mais experiente entre os meninos e meninas, é uma das estudantes mais dedicadas. Senta-se na primeira fila, com seus tão sonhados cadernos e canetas em uma mochila pequena vermelha. Depois de voltar a estudar, Rosalina sente-se mais capaz. ;Eu tinha que pagar alguém para ensinar o dever de casa para os meus filhos. Isso me incomodava muito;, confessou.
Outro motivo também contou na hora de ter forças para retomar os estudos. Gabriel começou a ter problemas na escola. A falta de atenção e de disciplina deixavam a mãe preocupada. ;Eu precisava estudar e ele, de acompanhamento. Então comecei a frequentar o colégio. Pedi para ser matriculada, mas a escola não queria aceitar. Achavam que era fogo de palha. Aí eu comecei a acompanhar as aulas como ouvinte. Depois, perceberam que eu realmente queria muito estudar e me matricularam.;
Os professores se mostram impressionados com o entusiasmo e a força de vontade da aluna. ;Vejo nela um esforço grande de querer fazer o melhor. Serve de exemplo não só para os filhos, mas para todo mundo na sala;, acredita o professor de geografia Jailton Pereira. ;Ela até me ajuda a chamar a atenção dos meninos para eles ficarem quietos. Dou o maior apoio para Rosalina;, completou Reinalda Bandeira, a professora da disciplina preferida de Rosalina, ciências físicas e biológicas. O apoio à iniciativa de voltar aos bancos da escola vem de todos os lados. O filho mais velho, Pedro, está no 3; ano do segundo grau e sente orgulho da mãe: ;Ela sempre deixou a vida dela de lado para cuidar de mim. Abriu mão de muita coisa. Estudar é desejo de todo mundo. Fico feliz pela minha mãe;.
Adaptação
A nova vida de estudante não poderia atrapalhar o lado dona de casa, que Rosalina não vê motivos para deixar em segundo plano. A lida começa cedo. Antes das 6h, ela já está de pé. Enquanto prepara o café da manhã, faz o dever de casa. Quando os meninos e o marido ; caminhoneiro aposentado por invalidez e único provedor de renda da casa ; acordam, já é hora de sair, rumo ao colégio. Mãe e filhos saem de casa lado a lado rumo ao aprendizado. No meio da tarde, quando retorna ao lar, Rosalina se divide entre a revisão do conteúdo do dia e a arrumação da casa. ;Todo mundo me ajuda agora, para eu ter tempo para mim;, orgulha-se.
Quando a mãe menos espera, é hora de servir o jantar. ;A gente estuda muito e o tempo passa rápido. Agora, com os meninos crescidos, meu marido dá a maior força. Diz que eu sou inteligente e preciso seguir em frente.; Antes mesmo de concluir o primeiro grau, Rosalina já tem uma nova meta: fazer faculdade de gastronomia. ;Não vou parar nunca;, garantiu.
"Vejo nela um esforço grande de querer fazer o melhor. Serve de exemplo não só para os filhos, mas para todo mundo na sala"
Jailton Pereira, professor de Rosalina
Jailton Pereira, professor de Rosalina
O número
25 anos
Tempo que Rosalina esperou para voltar à escola