Guilherme Goulart
postado em 21/05/2010 07:28
O médico responsável pela plástica que terminou com a morte de Kelma Macedo Ferreira Gomes, 33 anos, tem o nome envolvido em outros casos fatais ocorridos em mesas de cirurgia. Dagmar João Maester aparece em investigação policial como suspeito de provocar a perda da vida de mais duas pacientes, além de mutilações em pelo menos outras oito mulheres. A série de denúncias contra o cirurgião fez com que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) comparasse a atuação profissional dele com a do ex-médico Marcelo Caron (1).A apuração de cada falha ou morte atribuídas a Maester faz parte de investigação aberta na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Goiânia. A investigação principal se refere à morte de Raimunda Vaz de Oliveira, em maio de 2001, após lipoaspiração e cirurgia de redução do abdome. ;A partir desse caso, vieram histórias de uma mulher que também teria morrido nas mãos dele e de outras que teriam sofrido lesões corporais. Investigamos uma série de erros médicos;, explicou ao Correio a delegada titular da Deam, Darlene Costa Azevedo Araújo.
O inquérito da Deam reúne detalhes das denúncias. No caso de Raimunda, ficam evidentes problemas básicos e divergências. O fim trágico dela, de acordo com o Instituto Médico Legal (IML) de Goiânia (GO), ocorreu por conta de parada cardiorrespiratória e de enfarte agudo. A paciente ainda pagou R$ 3 mil para ser operada em um hospital sem Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Apresentou complicações na madrugada e os familiares só conseguiram transferi-la para uma clínica melhor equipada pela manhã do dia seguinte. A vítima deixou três filhos.
Além de Raimunda, o inquérito presidido pela delegada Darlene apura a morte da enfermeira Ercília Maria de Jesus Vargas. Ela perdeu a vida em 12 de janeiro de 2001, após passar por operações de mamoplastia e de redução do abdome, também sob responsabilidade de Maester. Por conta de uma insuficiência respiratória, acabou internada na UTI do Hospital Santa Genoveva, também em Goiânia. Morreu em uma semana. Denúncia feita ao Ministério Público de Goiás revelou imperícia e negligência médica, pois o acusado não teria auxiliado a paciente durante as complicações.
Crime
O restante dos casos apontados na apuração policial indicam mutilações das mais diversas em mulheres que pagaram por procedimentos estéticos na esperança de melhorar a autoestima. A maioria das cirurgias feitas por Maester é de redução de mamas, lipoaspiração e correções no abdome. Ocorreram entre 1997 e 2001. Algumas das vítimas tiveram de enfrentar até quatro intervenções para tentar resolver as falhas que teriam sido provocadas pelo cirurgião. A delegada Darlene não descarta a hipótese de o médico ter mutilado mais mulheres que, por algum motivo ou acordo, não fizeram denúncias à polícia.
Assim como no caso de Kelma Gomes, a assessora do Ministério das Cidades morta sete dias depois de se submeter a uma operação plástica em 26 de março deste ano, as operações comandadas por Maester ocorreram em Goiás. A titular da Deam adiantou que deve indiciá-lo por homicídio culposo (sem intenção de matar). Segundo ela, a maioria dos problemas ocasionados durante cirurgias estéticas surge por imperícia e não por intenção do médico. A pena prevista varia de um a três anos de prisão. Mas pode ser aumentada caso a morte tenha ocorrido por falta de socorro à vítima ou erro técnico.
1 - Em liberdade
O ex-médico Denísio Marcelo Caron foi acusado pela morte de cinco mulheres em decorrência de cirurgias plásticas. Descobriu-se que ele usava um diploma falso de especialização em operações estéticas. Em maio de 2003, a Justiça do DF decidiu levar Caron a júri popular sob acusação de homicídio doloso (por assumir o risco de matar). Em julho de 2009, ele foi condenado a 30 anos de prisão, mas recorre da sentença em liberdade.
Memória
Além de Kelma Gomes, pelo menos nove mulheres perderam a vida na última década em mesas de cirurgia de Goiás e do Distrito Federal:
Vera Lúcia Batista de Oliveira, 39 anos
Morreu em 23 de março de 2000, um dia após se submeter a uma lipoaspiração no abdome e a uma plástica nos seios em clínica de Goiânia (GO). O caso deu início a série de denúncias relacionados a erros que teriam sido cometidos por Marcelo Caron.
Janet Virgínia Novais Falleiro Chaves de Figueiredo, 42 anos
A advogada perdeu a vida por conta de complicações decorrentes de uma lipoescultura. Concunhada de Caron, ela morreu de infecção generalizada em 14 de janeiro de 2001, no Hospital e Maternidade Vida, em Goiânia.
Flávia de Oliveira Rosa, 23 anos
A oficial de Justiça morreu cinco dias após passar por uma lipoaspiração, em 12 de março de 2001, em Goiânia. É a terceira das cinco mulheres cujas mortes são atribuídas a Caron.
Adcélia Martins de Souza, 39 anos
Perdeu a vida em 29 de janeiro de 2002, durante lipoaspiração no Hospital Anchieta, em Taguatinga. O médico responsável pela cirurgia, Marcelo Caron, ainda tenta responsabilizar um cardiologista da emergência do hospital pela hemorragia que causou a morte da paciente.
Grasiela Murta de Oliveira, 26 anos
A universitária morreu em fevereiro de 2002, após passar por uma intervenção cirúrgica no Hospital Santa Marta, em Taguatinga. A incisão feita nas coxas da paciente facilitou a entrada de bactérias no organismo.
Patrícia Regina de Freitas Cavaliére, 45 anos
A funcionária do Banco do Brasil perdeu a vida durante cirurgia plástica realizada em uma clínica na 606 Sul, em abril de 2005.
Jussara Maria Ferreira, 45 anos
A brasiliense perdeu a vida após receber anestesia para lipoaspiração em 1; de setembro de 2008. A aplicação ficou sob responsabilidade do médico Pastor Contreras Zambrana. A polícia de Palmeiras de Goiás prendeu o médico como suspeito de matar pelo menos duas pacientes e deformar outras cinco.
Lanusse Martins Barbosa, 27 anos
A jornalista perdeu a vida durante lipoaspiração realizada em hospital localizado na 715/915 Sul. Investigações concluíram que houve erro do médico Haeckel Cabral Moraes, que acabou denunciado por homicídio qualificado pela morte da jovem, ocorrida em 25 de janeiro deste ano.
Lana Elisa Gomes, 35 anos
A também brasiliense morreu em Anápolis (GO) na madrugada de 6 de março de 2010, após passar por uma cirurgia plástica. Ela morava com o marido na Espanha havia três anos.
Promotor compara médico a Caron
A investigação da morte de Kelma Macedo Ferreira Gomes segue por conta do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O promotor de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida), Diaulas Ribeiro, levanta os últimos detalhes do caso para, até o fim do mês, denunciá-lo à Justiça do DF. Ele avalia se o médico Dagmar João Maester cometeu um homicídio culposo (sem intenção de matar) ou doloso (por ter assumido o risco de provocar a morte da vítima). ;Que há crime eu não tenho dúvida. Percebo que essa história se parece muito com a do ex-médico Marcelo Caron;, afirmou.
Segundo Diaulas, o exame realizado no corpo de Kelma confirmou as intervenções realizadas pelo médico. Trataram-se de uma lipoaspiração de culotes, um implante de silicone nos seios e uma abdominoplastia. ;Era uma cirurgia complexa e delicada. Só na abdominoplastia, é preciso fazer um retalho do excesso de flacidez abdominal. E ela nem mesmo tinha pele para isso;, explicou. O promotor pedirá ao Ministério Público de Goiás e à polícia goiana cópia do inquérito que investiga a participação de Maester em outras duas mortes e em pelo menos oito mutilações em cirurgias estéticas.
A investigação do caso levantou duas suspeitas: a de que Kelma optou por fazer as operações em Goiás por conta dos preços mais baixos e a de que apenas Maester teria aceitado fazer a série de intervenções ; outros dois médicos teriam se recusado. A vítima se submeteu aos procedimentos em 26 de março. A cirurgia começou às 6h30 e durou três horas. Logo em seguida, ela teria sido liberada. Voltou a Brasília de carro logo na manhã do sábado, às 8h. E sentiu os primeiros sinais de complicações, vindo a morrer sete dias depois da operação. A paraibana era casada e deixou dois filhos.
O Correio tentou contato com Maester ao telefonar para a clínica dele em Goiânia. Mas conseguiu conversar apenas com o advogado Renato Rates, representante do médico. Ele alegou que as investigações abertas pela Polícia Civil de Goiânia acabaram arquivadas na época dos supostos erros de Maester. ;Ele tem 13 anos de experiência profissional. Se esses casos estão sendo investigados de novo, é por erro da delegada (Darlene Costa Azevedo Araújo, titular da Deam);, afirmou. (GG)