Cidades

Aluno de 15 anos leva carro de professora

Juliana Boechat
postado em 22/05/2010 09:07
Terça-feira, 18h10. Após um dia de trabalho, a professora de inglês Marcene Durães de Oliveira, também conhecida como Teca, deixou o Centro de Ensino Fundamental da Metropolitana, no Núcleo Bandeirante, onde ministra suas aulas, e teve uma surpresa desagradável: o carro, que ela havia estacionado próximo ao colégio, mais cedo, não estava lá. Teca procurou nas redondezas e pediu ajuda da polícia. Mas descobriu, com a ajuda de colegas da escola, que um dos alunos da 8; série comandara o furto. Teca seguiu algumas pistas. Mas uma coincidência a deixou frente a frente com o adolescente, de apenas 15 anos. Após uma rápida perseguição pelas ruas da Metropolitana, no dia seguinte, ela recuperou o Gol prata. Os três meninos que estavam no carro fugiram. Segundo a direção do CEF da Metropolitana, o adolescente será transferido de escola.

Construído em 1959, o centro de ensino não conta com estacionamento privativo. Os funcionários são obrigados a deixar os carros ao redor da praça da Igreja Nossa Senhora Aparecida(1). Desde que chegou à escola da Metropolitana, em fevereiro deste ano, Teca estaciona no mesmo lugar. No fim da tarde da última terça-feira, ao perceber o sumiço do veículo, ela sentiu um frio na barriga. A primeira pista, no entanto, apareceu logo no dia seguinte. Segundo alguns estudantes da escola, um adolescente matriculado na 8; série teria pego a chave do carro dentro da bolsa da professora durante uma aula, por volta das 15h30. ;Como temos alunos com deficiência mental, eu tenho que dar atenção especial a eles. Acho que em um desses atendimentos individuais, o menino agiu. Eu não percebi nada disso;, contou a professora.

Alarme falso

Uma menina ainda teria informado que o carro estava em um terreno baldio no Guará. Ansiosa, a professora foi até o local antes mesmo da polícia. Mas não passou de alarme falso. No caminho de volta para a delegacia do Núcleo Bandeirante, em busca de novidades do caso, Teca avistou o seu Gol prata. O motorista era o aluno de 15 anos ; ele estava acompanhado de outros dois jovens, já maiores de idade. ;Eu levei um susto, me bateu um desespero. Cheguei perto e gritei para ele largar meu carro;, relatou. O menino acelerou e Teca o seguiu. Durante cinco minutos, os dois percorreram as ruas da Metropolitana em alta velocidade até eles se depararem com uma rua sem saída. Os três abandonaram o carro e fugiram. ;Essa semana foi meu carro, mas pode ser minha vida. Não posso me calar diante disso;, desabafou a professora.

Casos de ameaça contra professores do Centro de Ensino Fundamental da Metropolitana ocorrem com frequência. Carros são constantemente arranhados, depredados e até mesmo furtados ; só este ano, foram dois. ;As pessoas têm medo de falar. Mas me anseia ele ser meu aluno e fazer algo assim contra mim. O que mais ele é capaz de fazer? Este acontecimento me feriu em todos os aspectos. Não sabemos mais com que tipo de aluno estamos lidando;, ressaltou Teca.

Segundo a supervisora pedagógica do CEF da Metropolitana, Sílvia Maria Taraleskof, a aflição é geral. Os professores têm medo de reprimir um aluno dentro de sala de aula e sofrer as consequências do lado de fora do colégio. ;A pergunta é: A que ponto nós chegamos?;, questionou. Desde a quarta-feira última, o adolescente não voltou à escola. A direção do CEF realizou uma reunião do conselho escolar, que decidiu pela transferência do menino. Ela confirmou a história de Marcene, assim como a 11; Delegacia de Polícia (Núcleo Bandeirante) e a Secretaria de Educação.

1 - Patrimônio
A Igreja Nossa Senhora Aparecida foi construída, por meio de um mutirão, pelos moradores da região, em 1959. A construção de madeira e pintada na cor azul é tombada como patrimônio histórico, assim como o Centro de Ensino Fundamental da Metropolitana. Como existe desde a criação da cidade e está localizada em uma praça central, a igreja ainda chama a atenção. O templo recebe muitos fiéis, principalmente nos fins de semana.

Para o GDF, caso pontual

A representante da Assessoria para Política de Promoção da Cidadania da Secretaria de Educação, Alessandra Arruda Nogueira, acredita que o episódio é pontual. ;Virou uma questão pessoal entre os dois (aluno e professora). Temos a informação de que eles se conheceram em outra escola. Ela teria, então, sido transferida e ele fez questão de ir atrás dela;, contou. Alessandra explicou que a secretaria realiza cursos, trabalhos e incentivos à cidadania e cultura de paz nas escolas com alunos e professores. ;Temos que acabar com a visão de que o aluno é bandido e, então, trabalhar este lado do adolescente. Em muitas escolas tivemos êxito;, disse.

O Sindicato dos Professores do DF, no entanto, acredita que um clima tenso ronda cada vez mais as escolas do Distrito Federal. A diretora de imprensa da entidade, Rosilene Corrêa, 46 anos, vê dentro dos centros de ensino os reflexos da sociedade. ;Somos preparados para ser professores e temos que lidar com um pouco de tudo. As situações estão cada vez mais complicadas. Precisamos de um local de trabalho com o mínimo de segurança. Mas nos falta amparo;, alegou.

Casos parecidos com o de Teca interferem diretamente na qualidade do ensino dos jovens. ;É uma realidade preocupante. A escola tem o papel fundamental no fim da violência. Mas o professor e os próprios alunos viram vítimas de violências de todos os tipos. O ápice é a violência física;, finalizou Rosilene. O chefe da 11; Delegacia de Polícia, João Carlos Couto Lóssio Filho, vai instaurar inquérito para apurar a ação dos dois homens com mais de 18 anos que acompanhavam o adolescente. O caso do aluno do CEF Metropolitana seguirá para a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA). O Correio não teve acesso aos contatos do garoto, para ouvir a sua versão ou a família dele. (JB)


Memória
Estudo amplo


Uma matéria publicada pelo Correio em 7 de maio de 2009 mostra um amplo diagnóstico feito pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), a pedido da Secretaria de Educação do Distrito Federal. O estudo foi realizado nas escolas de 5; série do ensino fundamental ao 3; ano do ensino médio, onde estudam 186 mil alunos. Pelo levantamento, 26,4% dos professores foram ameaçados dentro de sala; 16,5% foram roubados; e 7,5% sofreram agressões físicas. Cerca de 45% dos jovens disseram que foram vítimas de xingamentos e agressões verbais e 31% afirmaram já ter praticado esse tipo de violência. A pesquisa revelou ainda que praticamente um terço dos professores presenciou drogas nas escolas e nos arredores. (JB)

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