Cidades

Freio nas baladas nos postos de gasolina

Após a agressão contra militar na 214 Sul, no fim de semana passada, as algazarras diminuíram no Plano Piloto, mas nas demais regiões administrativas ainda ocorrem. O Correio percorreu 20 estabelecimentos de quinta para sexta. Dois deles viraram boates na madrugada

Juliana Boechat, Luiz Calcagno
postado em 23/05/2010 06:44

Após receber reclamações de moradores de todo o DF sobre postos de gasolina e supermercados que funcionam como boates a céu aberto na madrugada, o Correio fez uma ronda, de quinta para sexta-feira, em pelo menos 20 estabelecimentos. A equipe percorreu o Plano Piloto, Guará, Taguatinga e Ceilândia e constatou que, após a violência sofrida pelo tenente da Aeronáutica Anísio Oliveira Lemos, 46 anos, que foi ao posto da 214 Sul pedir que baixassem o volume e foi espancado no último dia 16, os encontros nesses locais durante a madrugada diminuíram na capital. Porém, em outras regiões administrativas, as festas continuam.

As reclamações da comunidade são idênticas: bebidas e carros de som nas madrugadas, de quinta a domingo. Em alguns locais, segundo populares, as festas ocorrem em outros dias da semana. Em geral, os grupos que se reúnem nos postos se conhecem no local, mas sabem qual estabelecimento é conivente com o comportamento proibido pela legislação ; no DF, é proibida a venda de bebidas alcoólicas nos postos, após as 22h.

Dos estabelecimentos visitados pelo Correio, dois estavam ocupados por pessoas que chegavam com cerveja e carros com som alto pouco depois de 1h. Em ambos os casos, a música e a bebedeira ocorreram próximo a residências. O último posto da Avenida Samdu Norte, em Taguatinga, no cruzamento que liga a pista à Avenida Hélio Prates, em frente à 17; Delegacia de Polícia (Taguatinga Norte), o consumo de bebida era generalizado. Um carro de som animava os clientes e os frentistas trabalhavam como se nada acontecesse.

No local, duas garotas dançavam ao lado do carro. Em certo momento, um dos clientes subiu no veículo e dançou sobre o capô. A medida em que o tempo passava, mais carros estacionavam no local. A turma, em sua maioria, já chegava com latas de cerveja nas mãos. Um homem desembarcou no posto com uma garrafa de conhaque e dividiu com o grupo. A reportagem ficou no local por cerca de meia hora. Os frequentadores que saíam viram a equipe do Correio. Eles passavam gritando ou buzinando e anunciavam a presença do carro do jornal. A festa seguiu madrugada a dentro.

Barzinho
No segundo posto, na QNM 34, em Ceilândia, esse ainda mais próximo a área residencial, o Correio pôde ver como começa a diversão nos estabelecimentos. O aspecto da loja de conveniência era o de um barzinho, com mesas e pessoas bebendo. O repórter foi até o local e, sem se identificar, pediu duas cervejas. Embora passasse de 1h, foi atendido. Perguntou a um atendente se ele passava a compra no cartão. Ele respondeu que só recebia em dinheiro, a não ser que o cliente aproveitasse para abastecer o carro. Uma das mesas estava repleta de garrafas e latinhas de bebida alcoólica.

Minutos depois, um casal chegou em um Palio equipado com caixa de som potente. O homem, que estava com bebida, estacionou e abriu o porta-malas. O grupo que estava na loja de conveniência cresceu. O dono do carro conversou com alguns deles, voltou, manobrou e aproximou o veículo das pessoas que estavam nas mesinhas. Outros dois carros chegaram em seguida e estacionaram na entrada do posto. Motoristas e passageiros bebiam. Em nenhum dos casos, a Polícia Militar passou pelo local.

Frentistas e atendentes de lojas de conveniência mantêm o silêncio, com medo de represálias dos patrões. Os trabalhadores, no entanto, também sofrem com as algazarras. São obrigados a trabalhar com som alto, lidar com pessoas embriagadas e arcam com as despesas de danos e produtos que não foram pagos. Para Carlos Alves do Santos, presidente do Sindicato dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis do DF (Sinpospetro-DF), as festas, por mais incômodas que sejam para a população e para os empregados, são fonte de lucro para os patrões e vão continuar.

De acordo com o coronel da Polícia Militar Carlos Alberto Teixeira Pinto, chefe da Comunicação Social da PM, a corporação tem um plano de ação para cada batalhão. Segundo ele, a iniciativa visa coibir furtos e roubos a postos de combustível, e, consequentemente, reprime algazarras. O coronel ressaltou, no entanto, que a competência de fiscalizar festas é da Agência de Fiscalização do DF (Agefis) e das administrações regionais. ;Recomendamos que os moradores se organizem, caso se sintam incomodados pelo som de um estabelecimento, e procurem diretamente a Agefis e a administração para que providências sejam tomadas;, disse.


O QUE DIZ A LEI

A Lei Distrital n;4.092/08, conhecida como Lei do Silêncio, considera poluição sonora a emissão de sons nocivos à saúde, ao bem-estar e à coletividade. Ela limita os níveis de intensidade do som para cada área da cidade de acordo com sua destinação, e define que os donos de estabelecimentos com nível de pressão sonora acima de 80 decibeis avisem aos clientes sobre danos à saúde. A lei proíbe carros de som em áreas residenciais ou escolares e exige o isolamento acústico para casas noturnas. A multa para quem desrespeita a norma pode variar de R$ 3 mil a R$ 20 mil. Quem for notificado também pode ser preso por crime de desobediência, caso insista em manter o som.

Palavra de especialista
Aposta na impunidade


;Esse comportamento transgressor é recorrente e está ligado a uma cultura antiga de fazer pegas na rua. Isso tem desde o início da cidade, principalmente no Plano Piloto. Como a fiscalização não funciona, os usuários dos postos sabem que podem barbarizar. O comerciante, por sua vez, está lucrando. O prejudicado é quem paga o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), liga para o 190 e não é atendido. Surge um descrédito e, muitas vezes, a pessoa tenta resolver o problema de outra forma. Além disso, não há regulamentação da Lei do Silêncio, não há fiscalização. A incompetência do GDF é assustadora. Não é um problema somente policial, mas ambiental, e tem que ser tratado dessa forma. É preciso dotar o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) de mais condição de fiscalização e as administrações regionais devem ser mais rigorosas na liberação de alvarás e na fiscalização.;

Antônio Flávio Testa, sociólogo, antropólogo e cientista político ; professor da Universidade de Brasília (UnB)

Moradores pedem boicote

Saulo Araújo

A movimentação anormal para um comércio bem localizado tinha um motivo: em frente ao estabelecimento, no Eixinho, moradores da quadra faziam um protesto pedindo que os condutores não abastecessem no lugar. Durante a manifestação nenhum carro entrou no posto da 214 Sul, na manhã de ontem. Foi lá que começou uma discussão por conta do som alto, que culminou em uma selvageria, na madrugada do último sábado. Cinco jovens não gostaram quando o tenente da Força Aérea Brasileira (FAB) Anísio Lemos, 46 anos, pediu para que eles diminuíssem o volume que vinha dos carros estacionados no local. Após um bate-boca, o quinteto perseguiu o militar até a portaria do seu prédio, que fica em frente ao posto e começou a espancá-lo. Anísio tentou ponderar, mas recebeu vários socos e chutes que deformaram seu rosto.

A violência despertou a revolta tanto das pessoas que moram na quadra, quanto de anônimos, que queriam expressar sua indignação contra o ato de brutalidade, onde um dos autores é o gerente do posto, Daniel Benquerer, 22(1). Munidos de faixas de protesto e panfletos, os manifestantes paravam os carros e relatavam o ocorrido no posto. Eles conseguiram atingir o objetivo. Pelo menos na parte da manhã, o estabelecimento ficou às moscas. Era raro algum motorista abastecer. Alguns chegavam a parar ao lado das bombas, mas deixavam o local quando tomavam conhecimento do fato. ;É neste posto que estavam os homens que quase mataram meu marido;, dizia a bancária Rosimeri Alves Lemos, 46, esposa de Anísio. Segundo ela, a ação é uma resposta ao estado, que não agiu quando deveria. ;Essa é uma mobilização da cidade contra a violência. Que o Anísio seja um marco na luta contra a falta de respeito. Queremos mostrar, com isso, que o nosso desejo é ter uma polícia preventiva e não apenas elucidativa;, destacou.

O vice-presidente do Conselho Comunitário da Asa Sul, Artur Benevides, promete que esse não será o único protesto. Hoje, às 9h, está previsto um novo ato, no Eixão do Lazer, na altura da 214 Sul. Os integrantes do movimento pretendem recolher mil assinaturas e levá-las aos órgãos como Secretaria de Segurança, Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Polícia Militar, entre outros. ;A ideia é chamar a atenção para um problema crônico, que é falta de limites de bares, postos de gasolina, supermercados e outros estabelecimentos situados em áreas residenciais que não respeitam os moradores;, afirmou Artur.

Mudança
A família Lemos já cogita a hipótese de mudar de endereço após a agressão. A esposa do militar, Rosimeri, diz que teme pela integridade dos dois filhos, principalmente porque três dos envolvidos no espancamento ainda não foram identificados pela polícia. ;Eu já manifestei a ele (Anísio) a preocupação com os nossos filhos. Os dois fazem faculdade, chegam tarde em casa e eu não sei exatamente o grau de periculosidade desses delinquentes que ainda estão soltos. Foi uma invasão ao nosso emocional muito grande e cogitamos a possibilidade de nos mudarmos daqui. Queremos retomar a vida tranquila que nós tínhamos;, desabafou a bancária.

O filho de Anísio, Matheus Alves Lemos, 22, disse que apoia a decisão dos pais de deixar o lugar onde moram há 16 anos. ;Não sei se vai ser melhor sair daqui, mas apoio qualquer decisão que eles (pais) tomarem. O mais importante agora é reagir a essa violência que quase matou meu pai. Em nenhum momento ele foi reclamar como oficial da Aeronáutica, foi reclamar como cidadão, que queria ter os seus direitos respeitados. Não podemos admitir que esse crime fique impune;, disse.

O militar preferiu acompanhar o manifesto pela janela do prédio. Ao Correio, ele disse ainda não entender por que os jovens reagiram com tanta agressividade. ;Eu só pedi que eles abaixassem o som, como já tinha feito antes. Não entendi a forma como eles me receberam. Pareciam que queriam me matar;, lembrou.


1 - Investigação

A Polícia já identificou dois dos cinco agressores do oficial da Aeronáutica Anísio Lemos, 46 anos. São eles, Daniel Benquerer, 23 e Edécio Borges,22. Eles foram indiciados por tentativa de homicídio qualificado, por motivo fútil e sem possibilidade de defesa. Eles também responderão pelo crime de depredação do patrimônio público, pois a vidraça do prédio foi quebrada durante o espancamento contra Anísio. A polícia já tem suspeita dos envolvidos foragidos, mas trabalha em sigilo para não prejudicar as investigações.


Operação nos postos

Depois de o Correio denunciar que alguns estabelecimentos comerciais desrespeitam os moradores de várias cidades do Distrito Federal, o poder público decidiu agir. Na noite de sexta-feira última, a Secretaria de Ordem Pública e Social (Seops), a Polícia Militar e o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) deflagraram uma operação para identificar casos de poluição sonora, venda de bebida alcoólica depois do horário permitido em postos, e outras irregularidades. O balanço final da ação resultou em 82 veículos notificados por estacionamento irregular, no Posto Flamingo, às margens da BR-020. A boate que fica no segundo andar do complexo comercial do posto foi reprovada no quesito barulho. A fiscal do Ibram Kênia Madoz usou um aparelho para medir a emissão de som. Os ruídos atingiram 90 decibéis, quando a média permitida para aquele tipo de ambiente deve ser de, no máximo, 60 decibéis. ;O estabelecimento receberá uma advertência. Se houver reincidência poderá ser multado e até mesmo interditado;, explicou Kênia.

A força-tarefa também visitou postos de gasolina em Taguatinga, Núcleo Bandeirante, além das asas Sul e Norte, mas nada de anormal foi encontrado. De acordo com a comandante da operação, major Sheila Sampaio, a fiscalização objetivou coibir os excessos em alguns locais, principalmente os situados próximos a residências.

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