Helena Mader
postado em 28/05/2010 07:30
Três anos depois da assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) dos Condomínios, o governo começou a cumprir uma das principais regras do acordo e lançou a licitação dos primeiros lotes vazios em terras públicas. Mas uma decisão da Justiça suspendeu a concorrência, prevista para a manhã de ontem, e colocou em xeque todas as normas atualmente em vigor para a venda de terrenos em parcelamentos irregulares. O juiz Arnaldo Corrêa Silva, da 4; Vara de Fazenda Pública, considerou ;plausível; o argumento usado pelo autor da ação de que seria possível fazer a venda direta para os lotes vazios, em vez da licitação. O GDF vai recorrercontra essa decisão, que foi criticada também pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).Pelo TAC dos Condomínios, a venda direta só é permitida no caso de lotes ocupados para fins de moradia, cujas construções tenham sido concluídas até 31 de dezembro de 2006. De acordo com o documento, todos os imóveis vagos ou comerciais devem ser licitados, sem direito de preferência para o atual ocupante ou para o antigo comprador do terreno. Hoje, são 13 os terrenos vazios prontos para serem vendidos, além de 27 lotes comerciais.
A Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) começou a fazer a venda direta pelos quatro condomínios da etapa 1 do Setor Jardim Botânico ; Estância Jardim Botânico, Mansões Califórnia, San Diego e Portal do Lago Sul. Em agosto de 2007, o governo vendeu 428 terrenos diretamente aos moradores que já ocupavam o imóvel. A média de preço de cada lote de 800m; foi R$ 80 mil.
Desde então, o governo não conseguiu fazer a venda direta de nenhum lote por conta de disputas judiciais pela propriedade dos terrenos do Setor Jardim Botânico 2(1). E para evitar confronto direto com a comunidade, o GDF adiou o quanto pôde a licitação das áreas vazias e comerciais da etapa 1, cuja documentação está pronta e não tem pendências. Agora, a Terracap resolveu retomar a regularização da região e incluiu em seu edital de maio um lote vazio no Estância Jardim Botânico e um terreno ocupado no Condomínio San Diego, que não havia sido comprado durante a venda direta. Os preços mínimos foram, respectivamente, R$ 365 mil e R$ 374 mil ; quase cinco vezes mais caro do que os valores cobrados há três anos na venda direta.
Respeito à lei
Quem entrou na Justiça questionando a inclusão do item 157 no edital de licitação de maio foi um servidor público de 72 anos, que comprou o terreno no Estância Jardim Botânico em 1996. De lá para cá, ele pagou IPTU e taxas de condomínio, mas não construiu nada no terreno. ;Respeitamos a lei e não fizemos nenhuma construção sem licença. Recorremos à Justiça porque seria injusto sermos prejudicados agora. Nós também queremos participar da venda direta, já que investimos muito na infraestrutura do condomínio;, conta o filho do servidor público. A família deu entrevista, mas pediu para não ser identificada.
O advogado do autor da ação, Mário Gilberto de Oliveira, reclama da inclusão do lote de seu cliente no edital de licitação da Terracap. ;Tudo foi feito na surdina, pegaram a gente de surpresa. Não há nada na Lei n; 9.262/96 que restrinja a venda direta aos lotes ocupados. Essa interpretação não resiste a um exame minucioso. A exigência de licitação para lotes vazios e comerciais é uma ilegalidade do TAC;, argumenta o advogado.
1 - Impugnação
Ao todo, são 1.250 lotes na etapa 2 do Setor Jardim Botânico. A Terracap já tem a licença ambiental e o projeto urbanístico da área, mas não consegue registrá-la em cartório porque os moradores dos cinco condomínios da região pediram a impugnação. O caso está em análise pela Justiça há dois anos.
Para saber mais
TAC dita as regras
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) dos Condomínios foi assinado em 30 de maio de 2007, após dois meses de discussões entre o Ministério Público do DF e representantes do governo local. O debate começou no início de abril daquele ano, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional a Lei n; 9.262, de 1996. A legislação, de autoria dos então deputados federais Augusto Carvalho (PPS) e José Roberto Arruda (sem partido), foi alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade (adin) do próprio MPDFT, que defendia a licitação como a única forma legal de regularização. Mais de uma década depois de sua aprovação, o texto entrou em vigor.
A Lei n; 9.262 prevê a venda direta para os lotes dos condomínios de propriedade da Terracap localizados na Bacia do Rio São Bartolomeu. Apesar de a maioria dos parcelamentos estar nessa região, a legislação deixava de fora vários parcelamentos. Com isso, o MP e o governo decidiram ampliar os benefícios para todo o DF, com a condição de que o GDF fizesse a venda direta apenas para os ocupantes que já morassem no lote. O então governador, José Roberto Arruda, tentou estender os benefícios para os donos de lotes vazios e comerciais, mas a tese dos promotores prevaleceu. (HM)
MP não concorda com a liminar
Em sua decisão, proferida na última quarta-feira em caráter liminar, o juiz Arnaldo Corrêa Silva afirmou que ;nesta primeira análise, a tese da possibilidade da compra direta e, até mesmo da preferência na aquisição, se mostra plausível, porque, declaradamente, o autor tem a posse daquele bem, mesmo que ela não seja tranquila;, afirmou. O magistrado alegou ainda que a retirada do lote da licitação não causaria nenhum prejuízo à Terracap, que poderá vendê-lo até mais caro posteriormente. Mas a Justiça determinou que o autor da ação pagasse a caução de R$ 18 mil em juízo até a decisão definitiva.
A assessoria de imprensa da Terracap informou que a empresa agiu dentro da legalidade e de acordo com as regras do TAC. Segundo a companhia, já foram licitados três lotes na etapa 1 do Jardim Botânico ; dois ocupados, que não foram negociados durante a venda direta, e o imóvel vazio que foi alvo de ação judicial. A Terracap garantiu que vai lançar concorrência pública para vender todos os terrenos vagos e comerciais, mas disse não haver cronograma pronto para a comercialização dessas áreas. A companhia ainda não possui um levantamento de quantos lotes vazios existem nos condomínios de sua propriedade.
Preocupação
O Ministério Público do DF viu com preocupação a decisão da 4; Vara de Fazenda Pública. Coordenador da Comissão da Acompanhamento do TAC, o promotor Libânio Rodrigues diz que a instituição não abre mão da licitação para os lotes vazios e destinados ao comércio. ;Essa decisão contrasta com o julgamento realizado no STF. O espírito da lei é beneficiar as pessoas que usam o lote para fins de moradia e não aqueles que visam ao lucro;, justifica o promotor. Ele questiona ainda a competência de uma Vara de Fazenda Pública para analisar o caso. ;Acredito que a competência de situações como essa seja da Vara de Desenvolvimento Urbano e Fundiário;, acrescenta Libânio. (HM)
"Até concordo em pagar de novo, desde que seja um valor justo. E também não abro mão de participar da venda direta, assim como fizeram todos os moradores da região."
José Ferreira, comerciante
José Ferreira, comerciante
Moradores se mobilizam
Além das reclamações de compradores de lotes vazios, os proprietários de áreas comerciais estão mobilizados contra a licitação. Na etapa 1 do Setor Jardim Botânico, única região onde os imóveis estão prontos para serem vendidos, há 27 terrenos usados para comércio e serviços. De pequenas mercearias a grandes supermercados, a oferta de lojas é variada. Apesar de a Terracap afirmar que vai licitar todos os lotes, ainda não há um cronograma para essas vendas.
A inclusão de imóveis do Estância Jardim Botânico e do Condomínio San Diego no edital de licitação de maio da Terracap assustou os empresários da região. Eles vão se organizar para questionar na Justiça a concorrência pública. O comerciante José Ferreira é dono de uma distribuidora de bebidas ao lado do condomínio Portal do Lago Sul, há 20 anos, e ficou surpreso com a licitação de um lote vazio na licitação. ;Até concordo em pagar de novo, desde que seja um valor justo. E também não abro mão de participar da venda direta, assim como fizeram todos os moradores da região;, afirma José Ferreira.
Já o comerciante Antônio Rodrigues é mais radical. Dono de uma loja de material de informática ao lado do Condomínio San Diego, ele não aceita pagar ;nem mais um centavo; pelo terreno que ocupa desde 1989. ;Essa loja é da minha família há mais de 20 anos, pagamos pelo lote e temos os documentos. Se a Terracap quiser fazer licitação aqui, vai enfrentar uma grande mobilização;, diz Antônio. (HM)
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