Ana Maria Campos
postado em 28/05/2010 11:25
A mesada era apenas uma parte do estímulo oferecido aos políticos no Distrito Federal. Deputados distritais, federais e senadores tinham direito a manter pendurado na estrutura do governo um exército de cabos eleitorais. Todos os detalhes do fatiamento da administração pública entre os apadrinhados de aliados do ex-governador José Roberto Arruda (sem partido) eram controlados em planilhas sob a responsabilidade do então chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel, escalado para a missão de manter uma boa relação com a base política. O Correio teve acesso com exclusividade aos registros dos dados armazenados no computador de Maciel apreendido durante a Operação Caixa de Pandora. Mantidos em sigilo no Inquérito n; 650 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os documentos esmiuçam um esquema de partilha do poder com base em critérios inventados para atender a uma hierarquia que estabelece gradações entre os aliados.A apreensão revela que havia uma distribuição de cargos meticulosamente sistematizada. Os apadrinhados exerciam função de encarregados, secretários administrativos, gerentes, chefes de núcleos, assessores de secretarias, administrações regionais e fundações vinculadas ao GDF. Para atendê-los, o governo tem um leque de cargos cujos salários variam entre R$ 421 e R$ 9.315. A base aliada a Arruda na Câmara Legislativa e no Congresso Nacional foi responsável pela indicação de 2.982 servidores na administração do DF. Juntos, esses funcionários representavam um custo mensal aos cofres públicos de R$ 4,36 milhões.
As planilhas de Maciel indicam que a Secretaria de Saúde, uma das pastas mais importantes da administração, estava totalmente loteada entre nomeações de protegidos dos distritais Dr. Charles (PTB) e Paulo Roriz (DEM) e do deputado federal Augusto Carvalho (PPS). Criada para defender os direitos humanos, a Secretaria de Justiça e Cidadania era uma mina de favores políticos. A pasta estava sob o controle dos deputados Raimundo Ribeiro (PSDB), que indicou 131 nomes, Benício Tavares (PMDB), com 16 aliados na área de defesa dos portadores de necessidades especiais, Alírio Neto (PPS), com 24 assessores, Cristiano Araújo (PTB), com 18 apadrinhados, além do senador Gim Argello (PTB), que conseguiu empregar nove pessoas.
Ranking
Na tabela do governo, que tem como data de criação 6 de janeiro de 2009, consta um ranking no qual é possível avaliar o poder de barganha de cada aliado. No quadro, a deputada Eliana Pedrosa (DEM) ; que à época era secretária de Desenvolvimento Social na gestão Arruda ; aparece como primeira colocada. No período documentado, a distrital tinha 318 empregados sob sua ingerência. A maior parte, 221 nomeados, na própria Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest). Em seguida, 87 na Secretaria de Trabalho. Somados, os salários dos cabos eleitorais de Eliana consumiam meio milhão de reais ao mês (veja quadro).
Rôney Nemer (PMDB), um dos investigados na Operação Caixa de Pandora como suposto beneficiário de mesada em troca de apoio a Arruda, conseguiu negociar a contratação de 252 pessoas, com gasto de folha de pessoal da ordem de R$ 318 mil. É o segundo colocado. Ele tinha aliados principalmente no Recanto das Emas, seu reduto eleitoral, e na Agência de Fiscalização (Agefis) do governo. Nemer dirigiu a Agefis em 2008.
Paulo Roriz (DEM), que chefiava a pasta de Habitação em janeiro de 2009, surge como terceiro no ranking dos cabos eleitorais. Com 167 nomeações, ele ganhava em número de servidores na estrutura do GDF do distrital Raimundo Ribeiro (PSDB), considerado o maior aliado de Arruda. À época, o tucano estava na Câmara, mas ficou à frente da Secretaria de Justiça(1) durante um ano e meio na gestão do amigo. Ribeiro conseguiu emplacar 153 funcionários ao custo mensal de R$ 296,7 mil, enquanto Paulo Roriz representava, a cada 30 dias, o gasto de R$ 225 mil. Também citado no escândalo do pagamento de propina, Benedito Domingos (PP) era o quarto mais bem aquinhoado. Indicou 167 pessoas, o equivalente a uma despesa mensal de R$ 172 mil.
1 - Excessos investigados
A Secretaria de Justiça e Cidadania já foi alvo de um processo no Ministério Público do Trabalho que investigou o excesso na contratação de servidores comissionados, aqueles cuja indicação é política e não depende de concurso público. Os procuradores exigiam que a secretaria fosse reestruturada para que os cargos típicos da carreira do Estado fossem ocupados por servidores efetivos.
Memória
Apreensões valiosas
Em 27 de novembro do ano passado, a Polícia Federal, em parceria com o Ministério Público, cumpriu 19 mandados de busca e apreensão em residências e escritórios de integrantes do governo e de deputados distritais. Aliado aos depoimentos prestados pelo ex-secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa, o material recolhido foi a base para a construção do Inquérito n; 650 do Superior Tribunal de Justiça. Nas ações de busca, os investigadores coletaram documentos e computadores de todos os alvos, entre os quais o então chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel.
A planilha detalhada com as nomeações de deputados distritais, federais e senadores foi encontrada no arquivo de um dos computadores de Maciel, interlocutor do então governador, José Roberto Arruda (sem partido), com políticos.
Acima do limite
As planilhas apreendidas pelos investigadores da Caixa de Pandora revelam que os políticos tinham cotas de indicações definidas pelo então governador, José Roberto Arruda. Os documentos mostram, no entanto, que o apetite pelas vagas no governo era tamanho que a maior parte dos deputados extrapolava os limites estabelecidos pela chefia. Os políticos exigiam, barganhavam e eram atendidos em parte.
Uma das colunas da planilha a que o Correio teve acesso é toda marcada em vermelho. Isso indica que as cotas foram extrapoladas. Por exemplo, o atual presidente da Câmara Legislativa, Wilson Lima (PR), segundo o critério estabelecido por Arruda, podia indicar até 50 pessoas, num custo de R$ 95 mil ao mês. Ele, no entanto, excedeu em 4,20% (de acordo com o documento em Excel) o quinhão que lhe cabia.
Os políticos da bancada federal contavam com uma tabela própria, também com excessos. O presidente do PR, Izalci Lucas, suplente de deputado federal e ex-secretário de Ciência e Tecnologia, na gestão Arruda, conseguiu quadruplicar o espaço original a ele destinado. Pela planilha, suas despesas com pessoal no GDF poderiam chegar a R$ 35 mil mensais. Mas os valores atingiram R$ 150 mil.
Alguns distritais tinham motivo para se sentir preteridos na partilha de poder promovida por Arruda. Milton Barbosa (PSDB), Aylton Gomes (PR) e Rogério Ulysses (sem partido) estavam aquém do teto previsto para os deputados distritais, de acordo com um dos documentos em posse da Polícia Federal e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). (AMC e LT)
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