Cidades

Barganha no governo era organizada

No esquema de distribuição de cargos no GDF, quem tinha direito a indicar apadrinhados era enquadrado em uma hierarquia de custos. Políticos em administrações regionais estavam no topo

Ana Maria Campos
postado em 28/05/2010 11:26
No esquema de distribuição de cargos no GDF, quem tinha direito a indicar apadrinhados era enquadrado em uma hierarquia de custos. Políticos em administrações regionais estavam no topoA barganha no governo era organizada. Tão minuciosamente sistematizada que havia até pontuação para definir quem tinha direito a mais espaço na administração pública. De acordo com o núcleo de poder na gestão de José Roberto Arruda, os servidores de carreira, aqueles contratados por meio de concurso público, valiam 0,2. Menos que os técnicos, cujo peso atribuído e registrado nas planilhas a que o Correio teve acesso com exclusividade era de 0,5. No organograma oficial, os cargos mais valiosos eram os comissionados, aqueles de livre indicação dos políticos, nos quais ficam abrigados os cabos eleitorais.

Os documentos apreendidos durante a Operação Caixa de Pandora expõem uma hierarquia entre os aliados criada especialmente para a partilha dos cargos no GDF. Em uma das planilhas, os políticos eram classificados de acordo com siglas. PBC, por exemplo, significa Parlamentar da Base da Campanha. Essa espécie de político tinha peso de 1,3. Faziam parte do grupo distritais como Alírio Neto (PPS), Aylton Gomes (PR), Batista das Cooperativas (PRP), Benício Tavares (PMDB), Eurides Brito (que responde a processo por quebra de decoro parlamentar em função da Caixa de Pandora), Júnior Brunelli (ele renunciou para escapar da cassação) e Leonardo Prudente (que também desistiu do mandato para não sofrer as consequências de uma ação por quebra de decoro).

Escore mais alto era concedido aos deputados PSE, que na linguagem do governo Arruda significava Parlamentar na Secretaria. O peso dos PSE correspondia a 1,5. A mais alta patente, com pontuação de 1,7, era para o político tipo PAD, ou Parlamentar na Administração Regional. Apenas dois chegaram a esse patamar: Benedito Domingos e Aylton Gomes, que exerceram, respectivamente os cargos de administradores de Taguatinga e de Planaltina. Quando assumiu a função, Aylton Gomes subiu de nível na estrutura de poder da organização.

No índice desenvolvido durante a gestão Arruda, todas as esferas de parlamentares eram contempladas na qualificação. Senador equivalia a 0,20 e deputados federais, a 0,7. Os partidos políticos ou PTP também estavam discriminados, com índice de 0,10. Até suplentes tinham direito a indicações. Os DFS (deputados federais suplentes), no entanto, eram considerados menos valiosos ; 0,35 ; que os titulares. Eram menos aquinhoados que os substitutos de distritais, que na escala do governo receberam 0,5 como pontuação.

EscalõesCâmara Legislativa: os deputados distritais da base da campanha tinham peso 1,3 na escala do governo, mas muitas vezes extrapolavam as cotas de indicações
Na divisão dos cargos, o governo separou os deputados em primeiro e segundo escalões. Benedito Domingos e Aylton Gomes, em função da pontuação que lhes cabia, tinham uma cota de R$ 135 mil mensal para indicar seus afilhados políticos no GDF. Eliana Pedrosa, Raimundo Ribeiro, Rôney Nemer, Paulo Roriz e Aguinaldo de Jesus estavam, em tese, num nível abaixo. A cota estabelecida para esses deputados era de R$ 105 mil.

O próximo nível de classificação abarcava os deputados Leonardo Prudente, Wilson Lima, Benício Tavares, Júnior Brunelli, Cristiano Araújo, Batista das Cooperativas, Eurides Brito, Jaqueline Roriz, Alírio Neto e Rogério Ulysses. Esses tinham uma crédito de R$ 95 mil em cargos comissionados. Alírio Neto mudou de padrão quando assumiu a Secretaria de Justiça e Cidadania em fevereiro de 2009. Os suplentes eram tratados como aliados de uma categoria inferior. Podiam chegar a, no máximo, R$ 25 mil por mês. Conforme indicado na reportagem, as cotas, na maioria das vezes, não eram cumpridas. E muitas vezes a partilha se moldava para atender a negociações pontuais para a votação de projetos de interesse do governo na Câmara Legislativa.

O quinhão dos adversários
A lista de distribuição de cargos contempla até adversários. O ex-governador Joaquim Roriz (PSC) tinha a sua fatia na gestão Arruda. Na planilha consta o registro de 11 servidores diretamente vinculados a ele na estrutura do governo. Os afilhados de Roriz estavam assim divididos: três no gabinete do governador, seis em administrações regionais e dois na Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). Um dos servidores, inclusive, leva o sobrenome do ex-governador ; Maria Joaquina Roriz, com um salário de R$ 1.519,71 na Administração Regional do Gama.

Acusado de empregar servidores fantasmas no Senado Federal, o senador da Paraíba Efraim Morais (DEM) tinha, de acordo com a planilha, uma indicação no GDF, uma servidora lotada na Administração do Gama. O deputado Rodrigo Rollemberg (PSB) também aparecia como tendo indicado um encarregado na Administração de Santa Maria com salário de R$ 513, um dos mais baixos no organograma do Executivo. Até mesmo um deputado de oposição estava mencionado na planilha com uma indicação. Chico Leite sugeriu, de acordo com o documento apreendido pela PF, a nomeação de Élvio Ramos Ventura, que recebia DAF 6, correspondente a R$ 882,17.

Outro petista citado na planilha é o ex-deputado federal Sigmaringa Seixas, com duas nomeações: uma na Administração do Núcleo Bandeirante e outra na Secretaria de Ciência e Tecnologia. Cada servidor com salário de R$ 1.519,71. Desafeto de Arruda, o deputado federal Laerte Bessa (PSC) tinha uma cota de R$ 76,4 mil para empregar no GDF pessoas de sua confiança. A maior parte foi abrigada na Administração Regional do Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA).

Na época da elaboração do documento, o senador Gim Argello (PTB) contava com 13 servidores de sua confiança na administração direta do DF. Nove funcionários ocupavam cargos na Secretaria de Justiça e Cidadania. O PTB, presidido por Gim, também tinha uma indicação na Casa Civil, o subsecretário de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais, Paulo Goyaz, que em 2009 recebia um salário de R$ 6.112,1.

Os articuladores políticos do governo costumavam reclamar de que Arruda tinha dificuldade para delegar atribuições e gostava de controlar todas as negociações cotidianas. Ao dono das planilhas, José Geraldo Maciel, seu primo de Itajubá (MG), o então governador transferiu, pela primeira vez, a competência de administrar a base aliada. Engenheiro eletricista, Maciel mostrou-se um colaborador sistemático. Arruda foi cassado por infidelidade partidária em meio ao escândalo da Caixa de Pandora. Maciel deixou o cargo tão logo vieram à tona as denúncias do esquema de corrupção. (LT e AMC)

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